No debater é que está o ganho...

O coração da festa é um lugar privilegiado para a troca de experiências, de informações e de opiniões entre os dirigentes e eleitos comunistas e aqueles que lhes confiam o voto.
Para muitos agentes políticos, o encontro com o povo e os eleitores é uma obrigação a que se sujeitam nas campanhas eleitorais, nas inaugurações solenes e quando os protestos lhes impedem a passagem. São estes, regra geral, que mais alto gostam de clamar por medidas de protecção das maiorias artificiais, apresentando-as como a «aproximação de eleitos e eleitores» que não são capazes de praticar.
No pavilhão central da Festa do «Avante!» mostrou-se aquilo que os dirigentes do PCP e os eleitos comunistas praticam como regra, seja em conversas com uma ou duas dezenas de pessoas, seja em colóquios e sessões mais formais e com um mais amplo auditório.

«À conversa com...», no espaço da imprensa do Partido, versou temas como as lutas das mulheres ou dos trabalhadores, os 150 anos do Manifesto Comunista, a luta na clandestinidade, a informação no «Militante», a distância que vai do prelo à Internet.

No «forum» estiveram em debate os problemas laborais e a ofensiva legislativa desencadeada pelo Governo PS, o combate pela regionalização e o próximo referendo, e ainda a nova política necessária para o novo século.

Jerónimo de Sousa alertou especialmente os jovens trabalhadores e aqueles que ainda têm como principal preocupação encontrar um emprego para os perigos das alterações que ameaçam direitos arduamente conquistados com a luta das gerações operárias ao longo de décadas: o trabalho a tempo parcial, o conceito de salário, o alargamento do período máximo de contratação a prazo, o esbatimento das fronteiras do trabalho nocturno... «Querem criar uma espécie de geração 2000 sem quaisquer direitos», acusou.

Paulo Trindade relatou alguns factos recentes da privatização de serviços públicos, que acompanha a redução das funções sociais do Estado. Com exemplos da Saúde, do Ambiente, da Educação mostrou como a privatização e a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores do Estado e contra o emprego marcham lado a lado pela mão do Governo PS.

Lino de Carvalho prestou informação detalhada sobre a actividade do Grupo Parlamentar comunista para travar a ofensiva legislativa e para tentar defender na Assembleia da República direitos e reivindicações justas, como as garantias de trabalhadores transferidos para empresas resultantes de reestruturações e desmembramentos ou como a legislação para agravar significativamente as coimas aplicadas às empresas que violem leis laborais.

José Ernesto Cartaxo lembrou as lutas mais recentes e realçou que, como mostra a experiência, resistir, protestar e reclamar, em unidade e com firmeza, é o caminho que garante aos trabalhadores melhores salários, respeito pelos direitos, redução dos horários e melhores condições de trabalho e de vida.

Daniel Branco salientou diversas vantagens da instituição de regiões administrativas no Continente e criticou os sucessivos governos por nunca terem feito a descentralização e a municipalização que agora vêm defender alguns adversários da regionalização.

Alfredo Monteiro apontou algumas consequências da falta de coordenação a nível regional e da ausência de uma boa relação dos municípios com o poder central, derivada do calvário que provocam os mecanismos das actuais Comissões de Coordenação Regional.

Luís Sá situou o surgimento das regiões em Portugal no reinado de D. Dinis e apresentou esclarecedores números da actualidade: existem 73 «regiões», entre CCRs, agrupamentos de distritos e divisões regionais de diferentes ministérios; as CCRs, dirigidas por rostos que não se sujeitam ao voto popular mas dependem apenas da nomeação governamental, gerem centenas de milhões de contos em nome dos interesses regionais. Classificou a regionalização como uma questão de cidadania, que visa alargar a participação popular no poder, e sublinhou que, mesmo não olhando ao resultado final das votações, os actos eleitorais traduzem-se sempre em benefícios para as populações.

Manuel Carvalho da Silva valorizou a actualidade do socialismo e da análise marxista da sociedade, e apontou a valorização do trabalho como traço indispensável de uma política para o século XXI que constitua alternativa ao capitalismo, reclamando a realização das possibilidades hoje existentes de, com a maior riqueza que é criada, todos poderem viver melhor.

Ilda Figueiredo enalteceu o significado da revolução de Outubro e do 25 de Abril para a consagração do estatuto de igualdade de direitos e oportunidades das mulheres, a nível internacional e em Portugal. Lembrando que os movimentos femininos mais importantes se colocaram sempre do lado dos explorados e contra os exploradores, expressou o desejo de que o século XXI seja «o século das mulheres».

Manuel Gusmão chamou a atenção para as posições defendidas pelos comunistas no referendo sobre a despenalização do aborto, notando como ficou bem expressa a interligação entre os interesses de classe (as mulheres das classes exploradas são as que mais sofrem com o aborto clandestino) e os valores da cidadania e dos avanços civilizacionais.

Do lado da plateia ouviram-se dezenas de intervenções, algumas delas nitidamente produzidas por quem até não tem o hábito de botar faladura. Manifestaram discordâncias e acordo, relataram sofrimentos e alegrias, compartilharam preocupações, reclamaram respostas, deixaram alertas.

Foram suscitadas novas reflexões por parte de cada um de nós e foi reafirmada a necessidade de continuar o estudo e a discussão colectiva – como disse José Casanova, ao dar por encerrado, já muito perto da hora do comício, o debate de domingo à tarde.

D.M.


«Avante!» Nº 1293 - 10.Set.98