Os gostos e os gestos

Mais uma vez, as diversas Organizações Regionais do Partido levaram à Festa as realidades e vivências concretas de todas as zonas do País, erguendo no recinto da Atalaia uma amostra completa dos quotidianos, hábitos e culturas de que Portugal é feito.

Uma vasta quadrícula de pavilhões ofereceu de novo ao visitante os produtos do trabalho e do talento dos portugueses onde quer que vivam, seja através duma impressionante panóplia de artesanatos, manufacturas e criações artísticas, seja pela apresentação das mais variadas iguarias e invenções gastronómicas, tudo confluindo numa completa exposição do carácter multifacetado e criador de um povo. As exposições políticas de cada uma das representações completava o bilhete de identidade de cada região, mostrando os seus problemas concretos, anseios, exigências e lutas. Este ano, a Regionalização era quase tema obrigatório nestas exposições, apresentando as vantagens que esta importante reforma administrativa há-de trazer para todos, quer local, quer nacionalmente.

As representações regionais são uma das traves mestras da Festa do Avante! e os seus pavilhões uma passagem obrigatória para os visitantes, que ali têm, numa contiguidade à distância de alguns passos, ora o queijo de Nisa ora o cabreiro da Serra da Estrela, aqui a sopa de pedra de Almeirim ali o javali da Guarda, num sítio os bordados de Amarante e noutro mais além os tapetes de Arraiolos, agora um bom tinto alentejano mas daí a pouco o convite para um verdelho açoreano, num momento a tentação pelas cristas de galo de Trás-os-Montes e no outro o desafio dos bolos de mel da Madeira, para não falar das hesitações e tentações entre os barros de Júlia Ramalho ou os do Redondo, os bordados de Viana de Castelo ou a tapeçaria de Bragança, para apenas darmos alguns exemplos.

Tomando por critério a ordem alfabética, falemos então um pouco dos gostos e dos gestos que fazem este País e que mais uma vez estiveram presentes, na primeira pessoa.

O Alentejo este ano apresentou uma adega alentejana devidamente recriada no recinto, oferecendo vinhos, enchidos e queijos dos seus três distritos (Portalegre, Évora e Beja), onde nem faltava o típico pão alentejano. Junto à adega funcionaram stands expondo produtos regionais do que melhor se produz nesta região, nomeadamente manufacturas em couro, pele, cortiça e barro, a par de vestuário e tapeçaria diversa, enquanto nos bares imperavam os petiscos e nos restaurantes os pratos tradicionais como o ensopado de borrego e o cozido de grão. É de destacar a apresentação alentejana de uma caravela reproduzida com criatividade e que se transformou, rapidamente, num pólo de atracção da Festa.

Os Açores também lá estavam com as suas morcelas, a linguiça e o queijo de S. Jorge, o ananás, a angelica, os licores de maracujá, os vinhos verdelho, Terras de Lava e Basalto, o bagaço do Pico e diversas peças de artesanato regional em madeira e barro.

No Algarve reinou mais uma vez o marisco, em restaurantes com créditos firmados na Festa e onde não faltou a animação, ao vivo, com artistas populares algarvios. O seu bar-cocktail garantiu um serviço de misturas exóticas donde resultaram bebidas únicas, com e sem álcool, enquanto a doçaria algarvia não deixava créditos por mãos alheias. O mesmo sucedeu com Aveiro, onde o genuíno leitão da Bairrada, fornecido pela Associação de Produtores Assadores do Leitão da Bairrada, desencadeou longas filas de esfomeados e outros gulosos, que ali se regalavam igualmente com o tradicional espumante e outros vinhos da região, a par dos incontornáveis ovos moles e pão de ló.

Braga caprichou de novo na decoração, distinguindo-se pela grande fachada decorativa com belos arcos de romaria enfeitados. Lá dentro, a oferta era como sempre variada, desde as tascas, bares e restaurantes com os seus petiscos, pratos regionais, vinhos e iguarias da região, até ao diversificado artesanato, de que respigamos a olaria de Barcelos, as mantas de Vila Verde, os cestos de Braga, os chapéus de Fafe e os barros de Júlia Ramalho.

Bragança trouxe uma novidade gastronómica que se tornou num sucesso quase instantâneo: a célebre posta à mirandesa, que no sábado, segundo dia da Festa, já se tinha esgotado, deixando desolados incontáveis convivas. Que, diga-se, não ficaram «descalços»: tinham em alternativa a apetitosa feijoada à transmontana, de merecida fama, a par dos canelos e do caldo verde. Quanto aos produtos à venda, o difícil era escolher por entre um variado artesanato (instrumentos musicais de Nogueira, estatuetas de Sendas, máscaras de Ouzilhão e Vares, cutelaria de Palaçoulo...) e um diversificada amostra de mel, queijos e vinhos.

Castelo Branco e Guarda partilharam de novo o mesmo espaço para apresentar uma bela tábua de queijos da serra e cabreiros, mel de urze vindo da Serra da Estrela e de rosmaninho colhido no Vale do Côa, e uma panóplia de chouriços, salpicões, farinheiras, morcelas e paios, tudo estribado em vinhos à mão de beber e de comprar na taberna regional, com néctares de Vila Nova de Foz Côa, Freixo de Mumão, Mêda, Pinhel, Vila Franca das Naves, Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Nova de Tazem, São Paio, Covilhã ou Fundão. Na churrasqueira reinava o maranho e o bucho recheado, que podiam ser apreciados numa parazível esplanada sobranceira ao palco principal.

Coimbra evocava no seu espaço a cidade do Mondego, apresentando o Arco de Almedina, o Largo da Sé, a Universidade e algumas das mais características «repúblicas» de estudantes, oferecendo uma excelente esplanada servida por um bar à altura. A gastronomia da região estava obviamente presente, sem esquecer o folclore representado por um rancho, enquanto no Cantinho da Boémia as noites estavam reservadas aos fados e baladas de Coimbra e à música de intervenção.

Leiria apresentou uma assinalável amostra de vidros da Marinha Grande, enquanto o pão com chouriço cozinhado em forno próprio e à vista do cliente confirmou a sua popularidade na Festa. Uma quermesse com mais de 5000 prémios e uma ementa variada enriqueciam a oferta, sendo de assinalar que a ginja de Alcobaça foi uma das especialidades que não passou despercebida aos visitantes.

Lisboa, instalada num dos topos do terreno, espraiava-se pela colina numa diversificada oferta política, cultural e gastronómica. No café concerto, pólo de animação e debate, estiveram em evidência as vidas e as obras de Garcia Lorca e de Bertolt Brecht e os 150 anos do Manifesto Comunista, num programa que incluiu espectáculos musicais e momentos de poesia e de teatro. Os vários pavilhões tinham esplanadas e zonas de sombras aumentadas, sendo o recinto enriquecido com a presença refrescante de um lago e de uma cascata. A animação esteve sempre presente, incluindo jogos tradicionais, palhaços, figuras típicas da Feira da Ladra e fandango, no restaurante de Vila Franca de Xira. Artesanato da região, um «sai sempre», uma Feira da Ladra, a Boutique Atalaia e o pavilhão do coleccionador eram outros centros de interessa no espaço de Lisboa, que apresentou igualmente uma diversificada oferta gastronómica com mariscos, grelhados, leitão de Negrais e petiscos diversos, servidos em mais de uma dezena de bares e restaurantes levantados pela Organização Regional de Lisboa.

A Madeira abriu o apetite aos visitantes com a afamada espetada regional, a acompanhar pela sopa de trigo, seduzindo-o depois com a doçaria e os vinhos - em especial o Madeira -, a poncha e a aguardente de cana, mais os variados licores maturados no Atlântico. O artesanato local era fascinante, como sempre: chapelaria, bordados e vimes, sem esquecer os engraços pinguinhas (brinquedos articulados) e as «botas de vilão», manufactura cada vez mais rara.

O Porto, estrategicamente sobranceiro ao palco principal, dava grande relevo na sua exposição à criação da Região Entre Douro e Minho, enquanto os seus vários pavilhões mostravam uma grande variedade de produtos: lá estava Vila do Conde com casacos, tapetes, cobertores, camisolas e mantas, a Póvoa de Varzim com tapetes e mantas, Santo Tirso com artesanato de cerâmica de Roriz, Amarante com bordados, cavaquinhos e couros, Gondomar com a bela filigrana de Valbom, além, é claro, de um pavilhão exclusivo para o vinho do Porto. Quanto à gastronomia, nem é bom falar: ele era o rancho e o arroz com moelas de Matosinhos, a sopa à mineiro e a febra no prato de Valongo, os pratinhos de presunto e salpicão de Penafiel/Amarante, o bacalhau com grão e rojões de Santo Tirso, a sopa de nabos e a orelha com feijão verde de Gondomar, os bolinhos de bacalhau com feijão frade da Maia, e por aí fora...

Santarém evocou na Festa as lutas do Couço de 1958/62, numa exposição

que celebrou os 40 anos do início de uma ofensiva dos operários agrícolas desta freguesia do Sul do Distrito pela jornada das oito horas e que chegou a perturbar o regime salazarista. Na Tasca Ribatejana lá estavam a sopa de pedra, o caldo verde, os vinhos do Ribatejo, as tigeladas de Abrantes, o pão de ló de Rio Maior, os bolos de cabeça de Rio Maior, o vinho generoso de Alpiarça.

Setúbal instalou no seu vasto recinto a magnífica reprodução dum conjunto monumental do Cabo Espichel que tem de um lado uma igreja e do outro um farol, ornamentação que chamava a atenção de todos os visitantes. Um palco próprio onde passaram nomes conhecidos da música portuguesa constituiu outra novidade trazida este ano por esta Organização, que não «adormeceu» à sombra do prestígio que a sua restauração granjeou na Festa e apresentou-se de novo, e em força, com as suas enguias e as suas infinitas artes de cozinhar peixe e marisco.

Viana do Castelo dispôs este ano de quase 500 m2 de zona coberta, onde funcionaram três áreas dedicadas ao artesanato, aos produtos e doces regionais e a uma adega com serviço de bar e restaurante, com mais de 200 lugares sentados e à sombra. Ali se serviam os petiscos da região, o incontornável vinho verde branco e tinto fornecido pela Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Engarrafados e à venda, lá estavam, entre outros, o Alvarinho e o Muralhas de Monção.

Vila Real, no capítulo da gastronomia, teve como prato forte o javali, bem coadjuvado pela caça miúda, coelho, lebre e perdiz, tudo dando boa conta dos gostos e sabores transmontanos. Quanto aos muitos produtos à venda, destaque-se os vinhos de Mesão Frio, Murça, Alijó, Chaves e o moscatel de Favaios e assinale-se o vinho tratado do Douro tendo por «cálice» um magnífico bolo - a cavaca - que depois de embebida é igualmente deglutida. Uma delícia.

Viseu apresentou duas feiras de produtos regionais, uma dedicada ao artesanato e a outra aos vinhos, onde se destaca os do Dão, de Lafões e de Vale de Távora, uma escolha tão difícil que apetecia levá-los todos. Quanto aos produtos regionais, a escolha também se impunha face à diversidade dos produtos apresentados.

Henrique Custódio


«Avante!» Nº 1293 - 10.Set.98