Em solidário nos entendemos

Falar do fim da História ou da morte do comunismo é um cliché tão estafado entre nós quanto os repetidos anúncios do estertor do PCP, do seu isolamento, ou do crescente desinteresse dos portugueses pela Festa do Avante!. Este ano, a causa próxima do descalabro previsto para a Festa seria a Expo98, e não faltou quem se esforçasse por demonstrar, a priori, que a Atalaia estava destinada a ficar entregue aos militantes mais empedernidos, que é como quem diz meia-dúzia de dinossauros a quem caberia a hercúlea tarefa de fazer a festa, deitar os foguetes e apanhar as canas.

Bom, afinal foi o que se viu. Nem a chuvinha de sexta-feira à tarde afastou os visitantes, nem os concertos nocturnos da Expo fizeram sombra às Canções de Atalaia ou aos múltiplos eventos dos três dias de Festa, tal como «a morte do comunismo» não impediu a presença de 45 delegações de 36 países, demonstrando que pelo mundo fora a luta continua, e que permanece bem acesa a chama da solidariedade internacional.

Pólo tradicional de atracção, o Espaço Internacional não desiludiu os visitantes. A não ser, talvez, pela rapidez com que se esgotaram alguns produtos, deixando os menos previdentes a contas com o calendário, não vá o precalço repetir-se para o ano. Dos exotismos asiáticos às curiosidades latino-americanas, das lembranças europeias aos artefactos africanos, tornava-se fácil perder a cabeça e abrir os cordões à bolsa, que «um dia não são dias». E por falar nisso, quem é que não gostou de levar para casa uma camisola do Che, ou essa outra, ali logo envergada por gente de todas as idades, lembrando que «a vida são dois dias, e a festa três»?

Idiomas diferentes nunca impediram a comunicação entre quem deseja comunicar, pelo que entre um stand e outro, um compra não compra, a linguagem universal foi a da solidariedade. Deixar o nome numa petição ou num abaixo-assinado, fosse pelo direito de Timor à autodeterminação, de solidariedade com Cuba ou de apoio à causa da Palestina, é na Festa algo tão natural como a leitura atenta de folhetos dando conta da luta da Frente Polisário, dos Sem-Terra do Brasil, dos comunistas do Paraguai, da Colômbia ou dos nuestros hermanos da vizinha Espanha, entre tantos outros.

Num ambiente este ano (ainda) mais convidativo ao convívio, graças à relva (quase, quase) resistente aos milhares de visitantes, aos bancos de jardim dispersos por todo o lado e às muitas mesas a convidar à ancestral comunhão de alimentos do espírito e do corpo, o festejo dos ideais comunistas teve no Espaço Internacional a demonstração inequívoca da vocação universal comum a quantos se batem por um mundo melhor. Gente de todas as nacionalidades partilhou ideias, trocou experiências, conheceu e deu a conhecer as realidades de cada um, brindou ao futuro, criou laços, fez amizades.

Apesar da Festa ser também um tempo para recuperar forças para as lutas renhidas de todos os dias, ninguém esqueceu que os tempos são difíceis ou procurou escamotear as dificuldades. Os placards que decoravam os stands não deixaram de o lembrar, complementando a denúncia patenteada logo ao lado, na exposição do Pavilhão Central, sobre os «êxitos» do capitalismo: milhões de seres humanos vítimas da fome, da guerra, da exploração; destruição das riquezas do planeta; o fosso cada vez mais profundo entre ricos e pobres; as monstruosas desigualdades e injustiças que grassam no mundo. E é justamente neste contexto que a solidariedade assume toda a sua dimensão humana, seja expressa na compra de artefactos, na oferta de donativos, na subscrição de documentos. Algures, noutro ponto do mundo, os que lutam sabem que não estão sozinhos, que aqui em Portugal há homens e mulheres, gente de todas as idades e de todas as camadas sociais que partilham os mesmos ideais, sentem as suas dores e alegrias, vibram com as suas conquistas.

Por nosso lado, como não agradecer a quantos, em representação de tantos milhões, vieram até à Atalaia trazer-nos com a sua presença a solidariedade que nos torna mais fortes?

Se formalmente os pontos altos desta reafirmação do espírito solidário se centraram nos «Momento de Solidariedade com o Povo de Timor», no debate sobre a NATO, no «Momento de Solidariedade com o Povo da Palestina» e no «Momento de Solidariedade com o Povo de Cuba» - de que damos conta em separado -, de maneira mais ou menos informal o ser solidário foi uma constante nos três dias da Festa. Não há distâncias, nem idiomas, nem naturais diferenças capazes de afastar quem se sente unido por laços tão profundos. Em solidário nos entendemos.

Anabela Fino


«Avante!» Nº 1293 - 10.Set.98