EDITORIAL
Sem aspas
Um governo que tem como preocupação
primeira e sistemática cumprir o seu papel de mandatário do
grande capital é, inevitavelmente, um governo que faz dos
trabalhadores o alvo primeiro e sistemático dos seus ataques e
ofensivas. E não há discurso, por mais falacioso e demagógico,
que consiga esconder esta realidade.
Na situação actual, o governo do PS, na linha da política de
direita que vem praticando, prepara-se para tentar concretizar um
pacote laboral que, feito à justa medida dos interesses do
patronato, constitui um gravíssimo atentado aos direitos dos
trabalhadores.E fá-lo de forma capciosa e hipócrita, procurando
esconder as medidas antilaborais num mar de projectos de diplomas
e de pias declarações de intenções.
Tudo isto coloca em primeiro plano a necessidade imperiosa de um
amplo esclarecimento sobre os sinistros objectivos deste pacote
laboral e de um esforço de mobilização dos trabalhadores para
a luta. Porque é necessário e é possível obrigar o governo
não só a recuar em relação ao pacote laboral como a dar
resposta a importantes e justas aspirações e reivindicações
dos trabalhadores portugueses.
Seis propostas - que a concretizarem-se seriam autênticos tiros disparados à queima-roupa contra direitos essenciais dos trabalhadores - emergem do caudaloso pacote laboral congeminado pelo governo de António Guterres. Trata-se - como sublinhou incisivamente Carlos Carvalhas na Reunião Nacional de Quadros do PCP, no sábado passado - de "seis peças essenciais que procuram minar pilares fundamentais do direito ao trabalho", seis peças que visam conceder "chorudos benefícios e vantagens para o grande capital, menos receitas para a Segurança Social e maior fragilização e insegurança para os trabalhadores, nomeadamente para os jovens trabalhadores e trabalhadoras". Trata-se, ao fim e ao cabo, da exemplificação concreta e flagrante do conteúdo de classe da política do governo do PS: uma política que reserva aos trabalhadores o agravamento da exploração, a redução e violação de direitos, a contenção salarial, o desemprego e a instabilidade no emprego, as reformas desumanas e as desumanas e forçadas reformas antecipadas, a injustiça fiscal, a negação do direito à dignidade; e que brinda os grandes grupos económicos e financeiros com a luz verde para agirem como muito bem entenderem, com todas as portas abertas para o aumento do seu poder e dos seus lucros, com o fabuloso negócio das privatizações, com os favorecimentos e as isenções fiscais.
O Governo procura dissimular os seus objectivos, o concreto e real conteúdo de classe deste pacote laboral (e da sua política em geral) através da utilização de um discurso mistificatório e hipócrita - aliás, sem qualquer inovação porque traduzido à letra da linguagem da nova ordem mundial e como que construído a partir do orwelliano "Dicionário da Novilíngua"...pelo que a introdução do ponto de vista de classe na análise desse discurso conduzirá, naturalmente, à sua descodificação e ao seu subsequente desmascaramento. Com efeito, o verdadeiro significado da "modernidade", das "preocupações sociais", da "solidariedade", do "diálogo", da "justiça social" ...que enfeitam a oratória governamental, está exemplarmente expresso nas consequências da política que tem vindo a ser aplicada, nomeadamente no facto, também referido pelo Secretário Geral do PCP, "de termos de novo meia dúzia de famílias com o seu banco e a sua companhia de seguros, o seu hipermercado e o seu grande meio de comunicação social, lado a lado com milhares e milhares de famílias excluídas de um nível de vida digno". Ou seja: as "preocupações sociais", a "modernidade" com as quais o governo do PS decorou o seu pacote laboral, têm a exacta dimensão dos interesses dessa meia dúzia de famílias.
Lutar contra este pacote laboral e derrotá-lo constitui , para os trabalhadores, tarefa prioritária e exequível. O governo tudo fez para esconder dos trabalhadores os seus verdadeiros objectivos e para acelerar o processo de concretização do seu pacote laboral. Convinha-lhe "arrumar o assunto" no sossego do período de férias e no silêncio da Assembleia da República e, tanto quanto possível, longe das eleições de 1999... Não o conseguiu: e esta foi uma primeira vitória dos trabalhadores, na qual a intervenção, a acção e a luta do PCP e do Movimento Sindical Unitário tiveram papel determinante. Agora, a luta continua!: contra o pacote laboral e pelas justas reivindicações dos trabalhadores.
Importa sublinhar que aos seis anunciados
disparos da política de direita, os comunistas contrapôem seis
propostas de uma política de esquerda, a saber: que as matérias
de trabalho a tempo parcial, do conceito de retribuição, de
trabalho por turnos, passem para nível de negociação de
contratação colectiva; que não só não seja alargado o
período dos contratos a prazo como passem a efectivos todos os
trabalhadores que exerçam uma função de carácter permanente;
que a nenhum trabalhador possa ser roubado o direito a, no
mínimo, quatro semanas de férias pagas; que as contribuições
para a Segurança Social não sejam delapidadas em benefício dos
lucros das empresas; que as mulheres e os jovens trabalhadores
não sejam descriminados em matéria de direitos e de salários;
que se aprove um Orçamento de Estado com mais justiça e
dimensão social.
São seis propostas por cuja concretização o PCP se dispõe a
lutar e que terão tanto mais viabilidade quanto maior for o
número de trabalhadores a assumi-las activamente. São seis
propostas - estas sim- repletas de modernidade e de justiça
social. Sem aspas.