Intervenção no Kosovo
Posição de Veiga Simão
carece de esclarecimentos


O Grupo Parlamentar do PCP quer ver esclarecidos o sentido e alcance das posições do Ministério da Defesa Nacional relativas ao emprego das Forças Armadas Portuguesas em operações militares no estrangeiro. Em causa estão afirmações do Ministro da Defesa, numa recente reunião informal de ministros da defesa da NATO, em que resolveu "disponibilizar" três F16, uma fragata e uma unidade operacional terrestre para intervenção militar no Kosovo.

Em carta dirigida ao Presidente da Assembleia da República, em que solicita a realização de um debate de urgência sobre o ocorrido, que reputa de enorme gravidade, o presidente do Grupo comunista, Octávio Teixeira, sublinha que um posicionamento deste alcance não pode deixar de merecer uma imediata apreciação por parte do Parlamento.
Na sua missiva, recorda ainda que a disponibilidade manifestada tem como objecto uma intervenção militar num país estrangeiro, tendo sido feita à revelia de qualquer pronúncia do Presidente da República, da Assembleia da República e do Conselho Superior de Defesa Nacional.
"Acresce - salienta Octávio teixeira - que o Ministro da Defesa defendeu ainda que a intervenção militar no Kosovo pudesse ser feita à revelia de qualquer mandato das Nações Unidas".

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Comentário
Até quando?

Todos conhecem aquele boneco do "valentão das dúzias" a alardear predicados que não tem, faltando-lhe em coragem e dignidade o que lhe sobra em prosápia e arrogância. Pois foi precisamente a imagem que me surgiu quando lia (incrédulo) num matutino as declarações do Ministro da Defesa de Portugal.

A notícia (não desmentida) afirma que Veiga Simão defendeu em Vilamoura, na reunião de ministros da Defesa da NATO, que o novo conceito estratégico da NATO não deve consagrar uma posição rígida sobre a existência de um mandato político prévio a qualquer intervenção militar da Aliança. Traduzindo, significa defender que os americanos e os aliados ocidentais, quando se tratar de prosseguir os seus interesses estratégicos, como no caso da Bósnia ou agora na Jugoslávia, devem intervir pela força armada, quando e onde entenderem, sem que previamente as Nações Unidas se tenham pronunciado nesse sentido.
E isto apesar de se conhecer e constatar (ou decerto por isso mesmo) a instrumentalização crescente do papel dos sistemas de segurança colectiva, como a ONU e a OSCE, cada vez mais limitados nas funções para que foram criados, o que não pode deixar de representar um profundo golpe no papel que muitos lhes auguraram no período pós guerra fria.
Mas, quando o próprio social democrata Gerhard Schröeder, recém eleito chanceler da poderosa Alemanha, afirma que a NATO não pode intervir no Kosovo sem mandato da ONU, as declarações do ministro Veiga Simão sobre este assunto, a acrescentar à oferta que fez de aviões, navios e unidades operacionais portuguesas para uma possível intervenção militar, são de uma enorme gravidade e constituem uma verdadeira questão de Estado, tanto mais grave quanto o estranho e comprometedor silêncio do 1º Ministro, do Governo e dos outros órgãos do poder político.
Até quando este ministro de antigamente continuará a abusar da paciência dos portugueses? Nunca ninguém ousou ir tão longe.
Não podemos ficar calados, no Portugal democrático que queremos defender e consolidar. É por isso extremamente importante e oportuno o requerimento do Grupo Parlamentar do PCP para a realização de um debate de urgência na Assembleia da República sobre as posições do Ministro da Defesa Nacional relativas ao emprego das Forças Armadas Portuguesas em operações militares estrangeiras. — José Neto


«Avante!» Nº 1297 - 8.Outubro.1998