Economia mundial
à «beira do abismo»


O mês de Outubro começou mal. As quedas registadas nas bolsas dos mercados de capitais não pouparam ninguém, de Tóquio a Londres, de Lisboa a Washington. Na Ásia, Europa, Estados Unidos, América Latina, Rússia procura-se desesperadamente uma mensagem de confiança que evite o que já parece inevitável - o 'contágio' da crise financeira mundial.

A coroar uma semana de descalabro bolsista, o Fundo Monetário Internacional (FMI) veio a público dizer que o mundo está à beira de uma recessão global, o G-7 confessa-se incapaz de apresentar medidas concretas para estancar a crise, e os EUA falam «da mais grave crise financeira desde o fim da II Guerra Mundial».
No início da semana, Bill Clinton reuniu-se com os ministros das Finanças e os governadores dos bancos centrais das principais potências industriais, a quem alertou para a necessidade de «construir uma nova arquitectura financeira que permita promover o crescimento e, ao mesmo tempo, proteger a economia de cada um dos países».
Por seu turno, Henry Kissinger, antigo secretário de Estado norte-americano, escolheu as páginas do Washington Post para vir dizer que «o capitalismo continua a ser o melhor sistema para se alcançar o crescimento económico e para elevar o nível de vida das populações», alertando no entanto que «tal como o perigoso capitalismo do laissez-faire do século XIX resultou no marxismo, o globalismo indiscrimindado dos anos 90 poderá gerar um ataque à escala mundial contra o conceito de mercados financeiros livres». Kissinger deixa no ar um aviso curioso: «Mesmo as mais firmes democracias não aceitam o sofrimento sem limite em nome do mercado livre».
Entre outros, também o secretário americano do Tesouro, Robert Rubin, veio a público defender que «é urgente adaptar e reformar o sistema financeiro internacional».
A que se devem estas reflexões? Às sucessivas e cada vez mais fortes quedas nas Bolsas, sem dúvida, mas também às previsões pessimistas do FMI, cujas receitas para a saída da crise estão longe de reunir o consenso dos dirigentes internacionais.


Os riscos

Em meados da semana passada, o FMI apresentava em Washington o seu relatório anual, afirmando que a economia mundial «não está ainda em recessão global, mas aproxima-se claramente desse estado». Para o evitar, propõe, entre outras coisas, a redução das taxas de juro, não apenas nos EUA e na Europa, mas praticamente em todo o mundo. «É necessário avançar para uma política monetária mais expansionista no Mundo e é essa a recomendação que fazemos para 90 por cento da economia mundial», diz o FMI.
O relatório da organização não deixa margem para grandes dúvidas quanto à gravidade da situação: «Neste momento, a projecção é de um crescimento mundial de dois por cento», em 1998, quando há quatro meses era de 3,1 por cento, e não vai além dos 2,5 por cento para 1999; por outro lado, também «a probabilidade de uma recuperação em 1999 também diminuiu e intensificou-se o risco de um profundo, amplo e prolongado abrandamento». Como se isto não bastasse, o FMI nem sequer exclui a possibilidade de as suas previsões actuais ficarem aquém da realidade, dado assentarem numa série de pressupostos particularmente frágeis, tal como o aumento gradual, até final do ano, da «confiança dos mercados financeiros nas economias em crise», fruto das reformas a implementar nesses países.
Numa economia crescentemente globalizada, os riscos apresentam-se igualmente globais, embora em diferentes escalas, em função das realidades económicas de cada país. O próprio FMI o reconhece ao afirmar que «a possibilidade de uma desaceleração económica mais alargada e profunda é criada por um conjunto de riscos inter-relacionados que fazem com que a actual situação económica seja excepcionalmente frágil». Tais riscos, diz, passam pelo «perigo de um prolongado afastamento dos investidores internacionais e da banca dos mercados emergentes», o que «aprofundará as suas dificuldades financeiras e ameaçará os pagamentos internacionais, desencadeando rupturas no comércio, assim como novas quedas nos mercados bolsistas e nos preços dos outros activos».


Mudar de rumo
sem mudar de política

As propostas do FMI para evitar a «queda no precipício» não encontraram eco. Nem o Bundesbank, na Alemanha, nem a Reserva Federal americana, para citar dois exemplos, estão dispostos a baixar as taxas de juro. Os bancos centrais do G-7 não parecem dispostos a alterar a sua política monetária, enquanto nos EUA não se foi além de uma descida quase apenas simbólica de 0,25 por cento.
Se a política não é para mudar, mude-se então os organismos que até agora a têm posto em prática em todo o mundo, a saber o FMI e o Banco Mundial. Esta parece ser a «solução» em cima da mesa, embora ninguém saiba com que meios serão implementadas as mudanças destes organismos, e de que forma isso servirá para «ajudar os países injustamente afectados pela especulação, como Clinton diz pretender fazer, de modo a evitar que «os problemas de uma determinada região acabem por contagiar todo o mundo». É que, nos EUA, existe hoje uma maioria no Congresso que se recusa a desbloquear os 18 mil milhões de dólares devidos ao FMI, e que não vai além da disponibilização de uns modestos 3,5 mil milhões de dólares.
Acresce, por outro lado, que o acima citado Robert Rubin foi bem explícito ao afirmar que «qualquer discussão sobre as reformas do sistema financeiro deve ser baseada na ideia de que uma economia de mercado, com um fluxo relativamente livre de mercadorias, serviçoes e capitais entre os países, é o melhor meio de promover o bem-estar mundial nas próximas décadas».
Resumindo, é preciso que alguma coisa mude para que fique tudo na mesma, ou seja, que se encontre uma solução para salvar os mercados financeiros, prosseguindo a política que vem provocando a crescente pauperização de um número crescente de povos.

A humanização da economia não está no horizonte das grandes potências. Em apenas um ano, o sudeste asiático viu aumentar em 10 milhões o seu número de desempregados. Os dados do próprio Banco Mundial apontam para a existência, a nível mundial, de mil milhões de desempregados, isto é, cerca de um terço da população activa mundial. De que servirão pois as «reformas» de organismos como o FMI e similares, se o cerne da questão - a chamada liberalização e desregulamentação da economia e dos mercados financeiros - nem sequer for equacionado?


«Avante!» Nº 1297 - 8.Outubro.1998