Uma oferta inédita


Vaclav Havel, presidente da República Checa, visitou recentemente os Estados Unidos da América. A visita parece ter corrido às mil maravilhas, o que não surpreende dadas as enormes afinidades existentes entre Havel e Clinton em várias matérias, nomeadamente no que toca à "democracia", às "liberdades" e aos inevitáveis "direitos humanos" - áreas em que ambos são não só reconhecidos especialistas como praticantes exímios.
Em pleno voo de regresso a Praga, eis que Havel , num acesso de inspiração digno do professor Pardal, foi assaltado por uma notável e originalíssima ideia: a de "ver Madeleine Albright suceder-lhe na presidência da República Checa"! E se bem o pensou melhor o tornou público.
A princípio toda a gente riu. A coisa tinha piada: "este Havel é um tipo cheio de graça", "esta está boa", "que sentido de humor o deste homem", "eu sempre disse que ele era um génio", "só ele se lembraria de uma destas: pôr a chefe da diplomacia norte-americana na presidência da República Checa!" - comentava-se, com enlevo e êxtase, no círculo dos colaboradores mais próximos do Presidente.

Presume-se que Havel há-de ter vivido, então, momentos semelhantes aos sofridos, n'"A Capital", pelo Arturinho Corvelo ao ouvir as gargalhadas suscitadas pela leitura pública do seu drama "Amores de Poeta"... E a reacção (salvo seja...) não se fez esperar: um seu "porta-voz oficial confirmou que a sugestão" de Madeleine Albright suceder a Havel na presidência da República Checa "foi avançada de facto seriamente". Com coisas sérias não se brinca! - há-de ter disparado o Presidente. E a verdade é que, esclarecida a situação, postos os necessários pontos nos respectivos ii, as risadas acabaram. Entre os que deixaram de rir, houve quem passasse "seriamente" a defender a "genial ideia" ("o respeitável jornal 'Lidove Novyni'" publicou , mesmo, "uma sondagem segundo a qual a esmagadora maioria dos leitores se pronunciava a favor da ascensão de Albright à chefia do Estado checo"); houve também quem, "sem ir contra a ideia de Havel", se arriscasse a sublinhar "o facto de Albright conhecer demasiados segredos de estado americanos para poder vir a ser presidente de um outro país". E estou em crer que também há-de ter havido quem tenha dado ao democrata e patriota Havel a resposta merecida - mas desses não rezam as notícias.

Imagino o espanto, a incredulidade e as gargalhadas que esta cena típica do tempo que vivemos há-de proporcionar às gerações vindouras...De qualquer forma e tendo em conta os factos, resta saber qual será a resposta de Madeleine Albright: aceitará a inédita oferta do presidente Havel? Estou em crer que não. Pelo simples facto de que não tem necessidade disso: para fazer o que ela iria fazer já lá está o presidente Havel - ou qualquer gémeo que lhe venha a suceder. José Casanova


«Avante!» Nº 1297 - 8.Outubro.1998