A terceira via


A abertura de mais uma via privatizadora está para breve. O secretário de Estado do Tesouro assim o garantiu, declarando que se mantém calendarizada para Novembro a segunda fase de venda da Brisa, «esclarecendo» que o tombo verificado recentemente na bolsa não «comprometeu o objectivo do Governo». O Executivo de Guterres continua a arrecadar milhões e já se prevê que em final do ano o total venha a ultrapassar os 700 milhões de contos. Tudo isto vem provar várias coisas. Que, em primeiro lugar e ao contrário dos pequenos investidores, o Governo não tem razões de queixa. Que há objectivos que o Governo cumpre e há compromissos a que não tenta escapar. Não falamos certamente daqueles que muitos eleitores esperariam que cumprisse, nomeadamente esperando que Guterres seguisse no Governo uma política de esquerda (na realidade ele não se comprometeu a tal). Falamos dos que assumiu com o grande patronato que o apoiou antes das eleições e que continua a manifestar-lhe o seu agrado.

Já não se usa, de resto, para os lados do PS, falar-se em esquerda, sequer em socialismo. A chamada «terceira via», surgida na crista da onda rosa que assombra e abafa hoje a Europa, aí está, às claras, a mostrar o que é, o que quer e, sobretudo, o que faz.
A expressão «terceira via» teve, como ainda se recorda, a sua história. Apregoava ideias, se bem se lembram. Foi-se a ver e era apenas a corrida para um bom emprego, um lugar ao quente, junto dos que falam em solidariedade e a demonstram a quem tem dinheiro para pagá-la. A onda rosa enveredou pela terceira via. Não a do chamado «socialismo renovado», como por aí se afirma. Mas pelo caminho do velho liberalismo - toda a liberdade de exploração, mantendo o Estado as funções «mínimas» de reprimir quem não acate a receita.

É que este «neoliberalismo» nem sequer é novo, senão no facto de atacar novamente em toda a parte e em força, usando o Estado para apoiar a estratégia dos grande grupos económicos e para garantir a submissão dos trabalhadores aos desígnios do capital, empurrando a segurança social para as beatíficas instituições de caridade. Como é velho e relho o «capitalismo popular» de novo aí a arrebanhar aos pequenos, em cada crise, um capital que lhes fazia crer, por uns meses, serem «pequenos e médios ricos».

Nas hostes cor-de-rosa, há quem se rebele. Como Mário Soares, zurzindo, por interposto Tony Blair, a «terceira via» de Guterres. Mas são assim mesmo as contradições da social-democracia. Dos compromissos que assumem, só alguns podem cumprir. Os mais fáceis. Aqueles mais próximos do dinheiro e mais afastados da justiça. E não valem, ou pouco valem, hoje, as vozes de quem, outonalmente, se pretende elevar ao estatuto de «consciência crítica», quando a ideia já não singra e as pernas viajeiras não levam se não da cadeira ao sofá. São vozes carregadas do travo amargo de quem abriu a via para que assim tivesse acontecido. — Leandro Martins


«Avante!» Nº 1297 - 8.Outubro.1998