BRASIL
eleições e globalização


Os resultados numéricos das eleições brasileiras, nomeadamente os das legislativas, são, na altura em que escrevemos estas linhas, ainda pouco conhecidos. Apontam para uma vitória tangencial de FHC nas presidenciais, contrariando a tão apregoada segurança duma eleição confortável à 1ª volta. Partidário da "globalização", preocupado com a sua imagem internacional - mais do que com os verdadeiros problemas do povo e do país - FHC contou e beneficiou com vários apoios no plano internacional. Neste contexto, o progresso da candidatura de Lula - a par do crescimento do PT, e outros partidos da oposição, no Congresso e no Senado e na disputa do lugar de governador em vários estados - deve ser amplamente valorizado. Mostra como a unidade alcançada na União do Povo - Muda Brasil (PT, PC do B, PDT, PSB e PCB) potenciou a insatisfação e o desejo de mudança.

A reeleição de FHC deu-se num quadro de fictícia estabilidade do real, mantida por motivos eleitorais. A campanha do presidente baseou-se ainda na mentira e na demagogia, em promessas e no autoritarismo. A ameaça do "caos se não houver continuidade" e a argumentação de que "é difícil ser democrata no Brasil" para justificar o seu exercício do poder desviaram muitos milhares de votos de trabalhadores. Muito em breve sentirão o logro em que caíram. Porque a crise está a estoirar. E, então, seguir-se-á, o verdadeiro caos provocado por FHC e a coligação de direita que o apoia.

No primeiro mandato, o presidente brasileiro, a tudo recorreu - reforma constitucional, corrupção, violência, alienação do património público, recurso sistemático a legislação provisória, campanhas de desinformação - para criar as condições políticas, económicas, sociais e institucionais que garantissem os interesses das multinacionais e dos grandes grupos financeiros. Medidas que sendo internas, brasileiras, tendo em conta a "globalização", não podiam garantir a imunidade face aos efeitos "globais" do sistema financeiro internacional. A economia brasileira sofre hoje as repercussões da crise asiática. A fuga de capitais - 15 mil milhões de dólares só na 1ª quinzena de Setembro- e a atracção de capitais através de elevadíssimas taxas de juro pôs o país à venda. Duplicou a dívida externa durante o mandato de FHC; desequilibrou-se a balança de pagamentos, à custa da destruição da produção nacional, da falência de pequenas e médias empresas, do desemprego e da limitação de direitos. O Brasil está hoje nas mãos do FMI. E do acordo a que se chegar, nestes dias, dependerão não apenas as condições de vida imediatas do povo brasileiro, mas a própria soberania do país.

Foi contra esta política de crescente dependência que a União do Povo - Mudar Brasil mobilizou os brasileiros para a campanha de Lula, propondo um programa de desenvolvimento com estabilidade que tivesse como base uma justa repartição do rendimento e enfrentasse com urgência a crise social. Mudar o dia-a-dia dos brasileiros era o grande objectivo. Com o seu envolvimento, rompendo sentimentos de impotência e fatalismo. Combatendo o desemprego, lutando pelo salário mínimo, enfrentando o problema da fome e da violência, mobilizando para a reforma agrária. Criando condições para que as massas construam o seu futuro.

É difícil prever os desenvolvimentos da crise brasileira. Bem como da extensão dos seus reflexos à América Latina. Mas podemos afirmar que o Brasil é hoje presa e vítima da "globalização". Este processo, e também projecto do capitalismo dos nossos dias, de domínio imperial, cria e recria os seus instrumentos (veja-se o AMI). E os seus homens. FHC é hoje um dos seus servidores. — Manuela Bernardino


«Avante!» Nº 1297 - 8.Outubro.1998