Jornadas Parlamentares do PCP
Sim às regiões
e combate à corrupção


O Grupo Parlamentar do PCP vai reapresentar o seu projecto de alteração da Lei de Financiamento de Partidos Políticos, visando, por um lado, a proibição de financiamento pelas empresas, e, por outro, a limitação das despesas com as campanhas eleitorais. Com esta iniciativa, aprovada no decorrer das suas Jornadas Parlamentares, realizadas segunda e terça-feira, com a presença do Secretário-Geral do PCP, Carlos Carvalhas, que interveio na abertura dos trabalhos (ver discurso nesta página), o Grupo comunista inscreve nos seus objectivos não apenas o firme propósito de confrontar as restantes forças políticas com as suas próprias responsabilidades e afirmações públicas, como também o de contribuir para que sejam reforçadas as condições que obstem ao financiamento ilegal dos partidos e às situações de corrupção que a ele têm vindo a ser associadas, como as que recentemente vieram ao domínio público a propósito da JAE.

Nas conclusões da Jornadas, divulgadas em conferência de imprensa por Octávio Teixeira, presidente da bancada comunista, lembrado é ainda a este propósito o facto de alguns dirigentes partidários, com destaque para Marcelo Rebelo de Sousa, virem agora a descobrir a "necessidade de ser proibido o financiamento dos partidos pelas empresas", esquecendo-se que ainda há apenas três meses o PSD, o PP e o PS votaram contra a proposta apresentada pelo PCP que visava exactamente proibir esse financiamento.
Outras das matérias que ocupou a atenção dos deputados comunistas no decorrer das suas Jornadas, realizadas na Moita, foi a questão da Regionalização. Reiterado, a este respeito, foi o seu "total empenhamento na criação das Regiões", a quem atribuem um "importante papel" enquanto "instrumento de um processo de desenvolvimento onde os interessados tenham um papel activo na definição das opções e da sua execução".
Esta convicção dos deputados comunistas saiu mesmo reforçada, se assim se pode dizer, depois dos contactos por si estabalecidos com várias entidades representativas do distrito de Setúbal, desde a Associação dos Muncicípios até às associações empresariais, de agricultores e sindicais, de quem receberam testemunhos das "enormes dificuldades que existem no plano institucional para o lançamento do processo de desenvolvimento" em torno do qual se encontram empenhadas.
Sublinhando a importância da acção de esclarecimento das forças políticas junto dos cidadãos, que a todos deve envolver até à realização do referendo, Octávio Teixeira anunciou ainda a intenção da sua bancada de apresentar uma proposta ao plenário da Assembleia da República para que este delibere a não realização de sessões plenárias entre 28 de Outubro e 6 de Novembro, período em que decorre a campanha para o referendo.
Prioridade na acção do Grupo comunista vai ser dada ainda, noutro plano, ao próximo Orçamento do Estado, cujo conteúdo só será conhecido após a sua entrega, prevista para hoje, no Parlamento. Embora desconhecendo o documento, para a formação comunista é já claro que a natureza do Orçamento não permite "conceder-lhe o benefício da dúvida". Isto mesmo afirmou Octávio Teixeira, sustentando a sua posição nos conteúdos que marcaram os três Orçamentos anteriores, bem como no facto de este ser o primeiro Orçamento sob o signo do «pacto de estabilidade».
Ainda assim, observou - embora recusando "alimentar quaisquer virtuais cenários de crise política em torno da votação do Orçamento - ,os deputados comunistas não deixarão de intervir no processo com o habitual "sentido de responsabilidade", apresentando, nomeadamente, "as propostas que entendam necessárias e úteis para o desenvolvimento do País, a melhoria das condições de vida das populações e uma maior justiça social".
Claramente inscritas nestes objectivos estão três propostas concretas já divulgadas por Octávio Teixeira no final das Jornadas. Incidindo todas elas em matéria de IRS, uma das propostas resume-se à isenção dos rendimentos colectáveis até 300 contos, após aplicação do coeficiente conjugal, o que significa a isenção de todos os rendimentos brutos de um casal até cerca de 1800 a 2000 contos, abrangendo assim cerca de 25 por centos dos actuais contribuintes de IRS.
Outra proposta diz respeito, como explicou o líder parlamentar comunista, à "substituição efectiva dos abatimentos ao rendimento bruto em deduções à colecta, com a aplicação de igual taxa de conversão média a todos os escalões de rendimento, o que significa eliminar um forte factor de degressividade no IRS, que tem beneficiado, em termos relativos, os escalões de mais elevados rendimentos".
Quanto à terceira proposta, não menos importante do ponto de vista da justiça fiscal, trata-se da "tributação efectiva das mais-valias financeiras e o englobamento pleno desses ganhos no rendimento do seu titular para efeitos de determinação e tributação do rendimento colectável".
A reter das Jornadas - agora no plano das iniciativas legislativas a apresentar em breve pelo Grupo Parlamentar do PCP -, destaque também para um projecto de lei que institui um "programa de redução dos gastos com medicamentos", onde se inscrevem diversas medidas de combate aos gastos desnecessários, de cuja aplicação, como garantiu Octávio Teixeira, "não resultará qualquer prejuízo para os utentes" e que "significará uma poupança de dezenas de milhões de contos no Orçamento do Serviço Nacional da Saúde".
Nota de realce merecem, por último, os problemas registados pelos deputados comunistas nos diversos contactos por si estabelecidos durante estes dois dias no distrito de Setúbal, os quais se constituem em forte motivo de preocupação, nomeadamente, a situação laboral no distrito onde se eleva a mais de 40 mil o número de desempregados, a situação dos trabalhadores da SODIA (ex Renault), a anunciada saída da Ford do projecto da Auto-Europa, o alegado processo de reestruturação naval visando o favorecimento do Grupo Mello e a não diversificação da actividade produtiva.

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Carlos Carvalhas nas Jornadas Parlamentares
Sobre a corrupção:
"Investigue-se tudo até ao fundo"

«Quem seguir com atenção os trabalhos parlamentares e quem fizer uma apreciação isenta, não pode deixar de reconhecer que o que mais caracteriza a nossa intervenção é a resposta aos problemas, às aspirações e reivindicações das populações.
Procuramos dar voz aos mais carenciados e fragilizados e levantar os problemas mais sentidos e vivos na sociedade.
Combatemos as injustiças e as prepotências e exercemos uma cuidada acção fiscalizadora.
Apoiamos e procuramos potenciar tudo o que de positivo vem do governo (infelizmente pouco) e combatemos com determinação tudo o que é negativo (infelizmente muito).
Assumimos uma oposição de esquerda ao governo PS, oposição à sua política neoliberal, à sua política de concentração de riqueza e de desregulamentação, flexibilização e liquidação de direitos dos trabalhadores.
Creio que esta é a intervenção que prestigia as instituições a democracia e o regime democrático e não a gritaria oposicionista sem conteúdo e sem verdade, para disfarçar a concordância que têm com o essencial da política seguida e apenas para ter efeitos mediáticos.

O não cumprimento das promessas, o ter-se uma prática na oposição e outra no governo, a politiqueirice, a falta de transparência, a promiscuidade entre o poder económico e o poder político, a acentuação das desigualdades e as políticas de dois pesos e duas medidas aumentam o número dos desiludidos e dos desencantados e dos que se afastam da intervenção cívica e política.

De facto que julgamento poderão fazer os cidadãos que condenaram a política do PSD, dos "jobs for the boys", dos tachos para os amigos e que agora viram o PS a trilhar o mesmo caminho?
Como se pode levar a sério aqueles que afirmavam que não usariam o aparelho de Estado para fins partidários, quando agora até se ouve o General Garcia dos Santos afirmar que, quando foi para a JAE lhe disseram que esta instituição tinha beneficiado uma determinada força política e que a partir daí era preciso inverter a situação?
A opinião pública não tem o direito de saber quem eram essas forças políticas? Não tem o direito de saber em quem é que se traduzia tais benefícios?
Como se pode entender que haja, como se afirma, quadros técnicos na JAE que sejam simultaneamente consultores de empresas privadas de obras públicas? Admiti-lo é o mesmo que admitir que houvesse por hipótese, quadros técnicos da Direcção Geral da Contribuição e Impostos que fossem consultores de empresas privadas...
A morosidade da justiça, a prescrição de processos e neste caso, "os equívocos" da Inspecção Geral de Finanças que não envia o "Relatório" ao Procurador Geral da República, não pode deixar na opinião pública as maiores interrogações e perplexidades...
Como diz o ditado, «depois de casa ... trancas à porta...».
Agora o Governo diz que o combate à corrupção é prioridade e o PSD até já veio dizer que o PCP tinha razão, que de facto a Lei de Financiamento dos partidos não deve permitir o financiamento por empresas. E no seu frenesim mutativo Marcelo Rebelo de Sousa até fez um chamamento ao Sr. Presidente da República para que convença o Eng. Guterres a mudar a Lei do Financiamento dos Partidos. É caso para nos interrogarmos porque é que o Presidente do PSD não pediu ao Presidente da República para convencer o próprio Marcelo Rebelo de Sousa a ter aceite o projecto do PCP quando há cinco meses este foi discutido na Assembleia da República. Tinha-se poupado tempo e folclore... Mas nós acrescentamos que é também necessário diminuir os limites para as despesas eleitorais que são escandalosos...
Neste furacão há quem seja tentado a meter tudo no mesmo saco. Não alinhamos nestes artifícios de diversão nem alimentamos as teses que procuram atirar as culpas para o Regime Democrático.
Investigue-se tudo até ao fundo, tomem-se as medidas necessárias para prevenir o mais possível os benefícios ilícitos e as práticas ilegais, separe-se o trigo do joio, e deixem-se de teorias abstractas e globalizantes sobre os partidos políticos, as políticas e os políticos.
Os manuais do fascismo (da "Organização Política e Administrativa da Nação") também diziam que as culpas de todos os males que atingiram Portugal se devia aos partidos e aos políticos e que tinha sido a ditadura que tinha salvo o país. Como aliás se viu...


Corrigir injustiças

Nos próximos meses na Assembleia da República e fora dela devemos empenharmo-nos para que sejam corrigidas injustiças em relação aos reformados, para que diminua o peso fiscal que recai sobre os assalariados e sobre as famílias de menores recursos, para que se reforcem os direitos dos trabalhadores e não façam vencimento às medidas gravosas do pacote laboral, já aqui referidas, para que seja melhorado a distribuição do Rendimento Nacional.

É inaceitável que o Rendimento Nacional continue a penalizar, ano após ano, os rendimentos de trabalho. Na União Europeia Portugal não só está no pelotão da frente como detém até a camisola amarela das desigualdades sociais.
A relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de 7,1, enquanto, por exemplo, na Dinamarca é de 3,1!
Sei que também temos em reflexão neste Encontro medidas a apresentar na Assembleia da República no campo da saúde e do Orçamento que serão de grande importância para a eficácia dos gastos públicos e a justiça social...
Estas jornadas que nos permitem fazer um ponto da situação dos nossos trabalhos e definir prioridades, têm também lugar num quadro de uma profunda crise financeira mundial, e a poucas semanas do referendo sobre a Regionalização.
Permitam-me que me detenha, ainda que com brevidade sobre estas duas questões .
A chamada "crise financeira" já fez cair mitos e veio pôr a nú algumas das tretas do integrismo neoliberal.

A treta ou o mito do "menos Estado". Quando se tratava de o "peixe grande comer o pequeno", o Estado não deve intervir nem regulamentar. Deve imperar a lei da selva.
Quando se trata de com o dinheiro dos impostos pagos, no essencial pelos assalariados, salvar da falência os bancos vítimas da própria especulação então o Estado já deve intervir. É o que está a acontecer em vários países e designadamente no Japão com a defesa da nacionalização de vários bancos, tal como já tinha acontecido nos EUA em 1989 com a crise das caixas de poupança...
A situação é de tal maneira escandalosa que um teólogo do neoliberalismo, já aconselhou comedimento porque, pasme-se, se estava a dar argumentos aos que afirmam que mais uma vez se estava a privatizar os lucros e a nacionalizar os prejuízos...
E em tom de lamento o "Washington Post" afirmava : «As regras que nós pensávamos ter como certas parece não se poderem aplicar mais...».

Uma outra treta ou mito que cai com esta crise é a do "modelo asiático", baseado nos baixos salários, na desregulamentação e na liquidação dos direitos dos trabalhadores...
Os tigres asiáticos tão propalados, tão apresentados aos povos como modelos a seguir, afinal estoiraram. Tinham pés de barro e estão mergulhados numa profunda crise social. Hoje já ninguém ousa falar do "milagre asiático", nem destes países como exemplos. Já ninguém enaltece os «dragões» ou os NPIS (Novos Países industrializados).

Um outro mito neoliberal é o da livre circulação de capitais como factor de desenvolvimento e prosperidade geral, agora posto em causa, pelos próprios especuladores fazendo caminho a tese de que alguma regulamentação e controle é necessário antes que um dia "se venha a acordar com uma crise sistémica e em espiral incontrolável". Afinal a prosperidade geral induzida pela livre circulação de capitais e a globalização capitalista nunca se verificou.
E quando hoje se ouvem ou se lêem alguns dos grandes arautos do neoliberalismo parece que até ontem nunca tinham defendido a total desregulamentação e que o resultado desta não tem sido a de uma formidável concentração de riqueza.
Quando agora clamam pelo alargamento dos mercadores e pelo aumento do consumo interno, como meio de responder à sobre-produção é caso para lhes perguntar o que é que andaram a fazer a dizer e a preconizar, quando os comunistas e as forças coerentes de esquerda denunciavam a economia de casino e o subconsumo das massas que ficavam à margem do crescimento económico. A crise é grave e a desconfiança de tal ordem que nem mesmo resultou a velha e desumana técnica dos despedimentos para impulsionar uma subida bolsista, com a ilusão de que a redução de custos se traduz numa maior percentagem de lucros...
Vários Bancos e grandes empresas nestas últimas semanas anunciaram grandes despedimentos, mas as cotações continuaram em baixa, porque os mercados bolsistas estão a ver nestas medidas uma confirmação do agravamento da crise.
A globalização capitalista, com a concentração da riqueza e a globalização da pobreza, do desemprego e do trabalho precário, com os trabalhadores à margem do crescimento económico e com as suas instituições de dominação (FMI, Banco Mundial, OMC, G7, OCDE...) entrou numa profunda crise cuja extensão é imprevisível, mostrando mais uma vez que o feitiço do neoliberalismo e da exploração desenfreada se virou contra os feiticeiros...


Novo rumo para a União Europeia

A economia da União Europeia e o emprego não estão imunes à crise que se vai alastrando aos vários continentes. O alto nível de desemprego, o não alargamento do mercado interno, as políticas deflacionistas assentes nos dogmas de Maastricht potenciaram o alastramento da crise. É cada vez mais necessário mudar de rumo, flexibilizar pelo menos o Pacto de Estabilidade, e dar primazia à convergência real das economias, ao nivelamento por cima das conquistas sociais e à concretização do princípio de "coesão económica e social".
A poucos meses da complexa passagem ao euro com taxas de juro praticamente idênticas, o dogmatismo do Banco Central Alemão com vistas a criar um Euro forte, e a baixa do dólar vem ainda debilitar mais o crescimento dos países com economias mais fracas.
É bom que as lições do crash bolsista de 1987 não sejam esquecidas. No Parlamento Europeu, com uma importante intervenção qualificada do nosso Grupo, temos colocado na ordem do dia as medidas para enfrentar estas questões que são da máxima importância para os trabalhadores e para os povos.
Continuam a ser preocupante os desenvolvimentos sobre a Reforma da PAC, e as negociações produto a produto que nos são desvantajosas, bem assim como a Agenda 2000.
Pela nossa parte tudo faremos para defender o interesse nacional, para potenciar o poder negocial do nosso país, que no Conselho necessita de ter uma posição firme e não claudicante.


A batalha da regionalização

Os troca tintas no PSD e no PP continuam na sua campanha de invencionices e de falsidades deixando cada vez mais claro que o que os move não é o mérito da regionalização mas apenas puros cálculos político-partidários. O PSD não consegue explicar porque é que recusou apresentar na Assembleia da República os seus projectos alternativos para concretizar a regionalização, nem consegue explicar porque é que votou favoravelmente no ano passado na revisão constitucional de novo a consagração da regionalização...
O PSD e o PP também não conseguem esclarecer o que é que pensam das actuais Comissões de Coordenação Regional que têm mais de 1 500 funcionários e que gastam em burocracia mais de 67 milhões de contos.
Marcelo Rebelo de Sousa fala agora nos barões que querem ser os futuros presidentes das Juntas Regionais.
Vê a regionalização pela escala dos barões dos seu partido. Só que os Presidentes das Juntas Regionais terão de ser eleitos, enquanto os actuais presidentes da CCR’s são nomeados pelo Governo. Aí é que há tachos bem pagos para os boys e barões.
Não podemos deixar de dar resposta a estas mistificações, mas na nossa campanha devemos procurar sobretudo, com verdade, mostrar o que é a regionalização, para que serve e quais os seus limites.
Tal como a defendemos ele é um instrumento de mais democracia, de mais desenvolvimento, de mais descentralização. É uma nova autarquia, de âmbito regional que favorece a transparência, a participação das populações nas opções que lhe dizem respeito e potencia a superação das profundas desigualdades espaciais existentes no país.
Tudo devemos fazer para que no dia 8 de Novembro cada cidadão vote com informação verdadeira, pensando pela sua própria cabeça, sem se deixar intimidar por fantasmas e por uma campanha trauliteira dos que querem confundir regiões administrativas, com regiões autónomas ou regiões políticas. Vale a pena votar duas vezes sim para viabilizar uma importante reforma do Estado em que os portugueses e as portuguesas e todas as regiões podem ganhar.»


«Avante!» Nº 1298 - 15.Outubro.1998