Sobre
a nossa Festa
e nós
Por Sérgio Ribeiro
Da
última Festa do "Avante!" saí, ao fim dos três dias,
com uma enorme vontade de escrever algo sobre muita coisa que por
lá me foi feito sentir, nas voltas e nos encontros de que a
Festa é feita.
Muito tempo (relativo) passou, já muito escrevi entretanto, em
cumprimento de tarefas ou de compromissos, por catarse e gosto de
escrever. Mas, curiosamente, quando agora me coloquei face ao
teclado para ocupar a Tribuna que me está reservada no
"Avante!", é sobre a Festa, sobre o que dela me ficou
por dizer, que tenho de escrever. Como se fosse ontem que a
tivesse vivido, com a (desejada) vantagem de ter passado mais de
um mês de sedimentação.
Sobre a nossa Festa e nós tenho de escrever, sem mitificar ou
mistificar. Mas à minha maneira, pessoal e intransmissível, de
viver a Festa. E o Partido.
Antes de mais,
comecei por reter uma impressão muito funda relativa ao ambiente.
Como sempre nas festas, mas mais nesta do que em nenhuma outra,
senti-me bem. Ponto final. Mas parágrafo:
Havia qualquer coisa no ar, que pó não era porque pó deixou de
andar pelo ar... Havia, sim, uma atmosfera que nos ajudava a
sentirmo-nos bem. Ao ar festivo, juntava-se uma tranquilidade e
uma segurança - leram bem, escrevi segurança - que noutras
festas não senti tanto, ou a teria visto demais como
naturalmente teve de ser dados antecedentes de anos anteriores.
Para esse ambiente, por mim assim respirado, contribuíram, e
decisivamente, as melhorias no terreno da Festa que fizeram com
que os visitantes - e eu como um deles - se sentissem bem.
Benfeitorias que justificariam - se entre nós fosse prática
como talvez devesse ser - um agradecimento muito caloroso a todos
os camaradas obreiros do que se vai transformando e que, ano
após ano, vai fazendo daquele nosso espaço um lugar agradável,
onde nos sentimos cada vez melhor.
Tudo isto, o que senti como ambiente, o que objectivamente
provocou o que senti, coexiste com a insatisfação, com o desejo
de melhorar, de continuar a melhorar, com a necessidade de mais
sombras, por exemplo.
Depois, (?) a juventude. Como também vem sendo verificado
ano após ano, a Festa vai rejuvenescendo. Os jovens deixaram de
ser uma "atracção" da Festa, e a Festa deixou de ser
uma atracção para os jovens. A Festa é, também, os jovens e
os jovens são, também, a Festa. Passou a existir uma relação
íntima, intrínseca, que é (diria) dialéctica. Houve tempo,
isto é, houve festas em que se sentia - em que eu sentia - os
jovens como corpos estranhos à Festa que era a minha. Fui-me
habituando a eles, a senti-los não na mas da
minha, da nossa Festa.
Para poupar
palavras, para não gastar o espaço que é sempre escasso para
se dizer tudo o que dizer se quer, lembro uma cena desta Festa
que representou, para mim, o final de um processo, deste
processo.
Descia a avenida central, trocando saudações e alguns muitos
abraços, quando, ao passar, mais uma vez, a fronteira do espaço
da Jota, dos jovens, por onde costumo fazer incursões rápidas
de amizade e camaradagem, embora com algum distanciamento
(etário, pelo menos...), deparo com um debate insólito.
Era o Jerónimo a falar da luta, dos salários, da segurança
social, das reformas, com aquele seu aspecto e convicção de
metalúrgico, do deputado que não era nem doutor nem engenheiro.
Na frente dele, um auditório diferente do que os temas
pareceriam pedir. Um auditório atento. À (sua) maneira. De uma
maneira muito particular.
Alguns dos jovens, com os seus fatos e os seus cabelos, estariam
à espera que o Jerónimo acabasse para recomeçarem a Festa não
interrompida mas entre parênteses, num outro registo. Não
perturbavam os que queriam ouvir e participar, ou estes não
deixavam que a exposição e o debate fossem perturbados. Estes,
os outros, quase todos, a fazerem daquele momento mais um momento
da Festa, sem hiatos, da Festa como a estavam a curtir. Também
uma Festa de aprender e ensinar. De troca de experiências de
vida.
Na "minha Festa, na Festa que é também só minha por via
do sortilégio de ser de todos e de cada um de per si, esta de
1998 teve um sabor especial, para além dos sabores sempre
renovados. Um sabor a encontros e debate.
O que houve de novidade foram algumas conversas. Preocupadas,
sérias. Sobre o Partido. Dando-me a enorme satisfação pessoal
de saber que o aqui venho escrevendo é lido e faz reflectir.
Como é a sua única finalidade.
Ter, na Festa, encontros que começavam pelo agarrar do meu
braço, por ser puxado para um espaço onde se pudesse conversar,
onde, no tempo possível, concentrado, tenso, se comenta um
escrito, uma opinião, se procurasse ver esclarecida uma dúvida,
foi experiência nova. Por repetida, por fazer diferente esta
Festa. A de 1998.
Senti-me feliz. Feliz e preocupado, felizmente preocupado ou
preocupadamente feliz. Sempre quis sublinhar, e quero agora
reiterar o sublinhado, a minha invejável qualidade de militante
de base e que, responsavelmente irresponsável, procuro ser o
Partido que somos.
Na Festa, fui abordado e tive muitas conversas que noutros
lugares já tivera ou só iniciara. assim vivi, na Festa, o
grande colectivo que somos. Que está atento, que reflecte, com
um potencial de participação que tem de ser aproveitado e
alargado.
Alargar. É o verbo. Temos de alargar a nossa presença e
influência. A todos os níveis da sociedade portuguesa. À
medida da Festa, fazendo a Festa ainda mais festa e levando-a
para além da Atalaia.
Mas, na Festa, fui, primeiro, acarinhando e, depois, enraizando
uma ideia: é sobretudo urgente alargar para baixo.
Desculpar-me-ão a
facilidade da imagem botânica mas se não aprofundarmos as
raízes, se não as mergulharmos no húmus dos nossos valores e
princípios, se não formos mais marxistas e mais de classe,
dificilmente as copas alargarão e darão sombra. E muitas folhas
secarão.
Não há incompatibilidades, dir-me-ão. E eu respondo,
solidário e convicto, claro que não! Mas acrescento que essas
raízes, as nossas, mergulham no que a Festa me trouxe como
enraizamento (pois!...) e confirmação: são os jovens!
Dito de outra maneira, como se estivesse fazendo glosas fáceis:
somos e seremos o que os nossos (e os outros) jovens nos fizerem.
Com a Festa a ajudar.
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P.S.: Verifico, agora, que se tivesse escrito logo após a Festa teria ocupado muito tempo e espaço com a vergonhosa campanha que este ano foi feita contra a Festa, contra nós. Com veemente indignação o teria feito. Assim, passado este tempo de sedimentação, mudou a indignação em desprezo, passou a nota de pé-de-página em tipo mais miúdo. Relevando o sinal que essa campanha indigna revela: estamos insuportavelmente vivos. E em Festa!