CIMPOR
A realidade
por detrás dos milhões
Com lucros líquidos em Portugal no ano de 1997 na ordem dos 15 milhões de contos, com vendas de 9,5 milhões de toneladas de cimento, com um volume de negócios de 111 milhões de contos, com um total de investimentos realizados no nosso país, desde 1976, de 217 milhões de contos, o Grupo Cimpor conquistou uma imagem de marca, de prestígio e de credibilidade nos mercados financeiros nacionais e internacionais, situando-se entre os dez principais grupos cimenteiros europeus.
Provou também que
ser empresa pública não é sinónimo de dar prejuízo. Pelo
contrário. Tornou-se, por isso, alvo apetecível do grande
capital nacional e estrangeiro. Os sucessivos governos, do PSD e
agora do PS, e as sucessivas administrações por eles
escolhidas, encarregaram-se da sua privatização e hoje o Estado
detém apenas 10% do capital.
A redução de efectivos, o aumento dos ritmos de trabalho e o
ataque aos direitos são hoje uma realidade na Cimpor
privatizada. A dimensão social foi obviamente secundarizada.
A fábrica de Alhandra, por exemplo, tem hoje cerca de 250
efectivos, número idêntico ao do princípio do século. Só que
então produzia 6 mil toneladas de cimento por ano. Hoje produz
2,4 milhões.
Àqueles trabalhadores efectivos há que somar uma centena de
precarizados que diária e regularmente trabalham na fábrica,
por conta de empreiteiros ou empresas sub-contratadas. Executam
trabalhos de conservação, reparação, manutenção e limpeza.
São serralheiros, electricistas, lubrificadores, carregadores,
operários fabris, vigilantes, encarregados. Trabalham à hora,
à semana, ao mês, muitas vezes sem contrato, geralmente sem
descontos para a Segurança Social, sem condições de higiene e
segurança, com horários de 8, 12, 16 e às vezes 24 horas
seguidas. Muitos deles são jovens. Sem direitos e absolutamente
explorados.
O mesmo se passa na generalidade das outras fábricas: com a
redução de trabalhadores efectivos aumentou o recurso ao
trabalho precário. Uma realidade que o Balanço Social da
empresa não mostra mas que salta aos olhos como a imagem mais
marcante quando se entra numa fábrica de cimento.
A ofensiva
Com as rescisões,
reformas antecipadas, cedências internas, transferências, com o
desmembramento, a privatização e a reestruturação, de um
total de cerca de 2500 efectivos, a Cimpor Indústria tem hoje
cerca de 900 trabalhadores e uma redução de 20,8% nos custos
com o pessoal, de 1996 para 1997.
Centena e meia de administrativos, na sede, foram transferidos
para outras empresas do Grupo, através de contratos de
"cedência ocasional", não previstos no ACT e com
graves lacunas na lei.
A média actual de idades é de 44 anos. E a antiguidade média
é de 17 anos. O que mostra que uma parte significativa dos
actuais trabalhadores entrou para a empresa já nos anos oitenta.
A geração anterior, com maior consciência social e política,
lutadora e conquistadora dos direitos actuais, foi, na sua
generalidade, arredada das fábricas e serviços, através das
sucessivas rescisões e reformas, antecipadas ou não, fomentadas
e incentivadas pela empresa de forma criteriosa e planeada nos
últimos dez anos.
Entretanto e devido às sucessivas inovações tecnológicas e
constantes automatizações, em conjugação com o aumento da
produção e a redução substancial do número de efectivos, a
produtividade global cresceu 40% !
Nesta mesma década, a fuga da empresa à contratação colectiva
foi sistemática, com aumentos salariais processados por acto de
gestão, sem reposição do poder de compra e sem contrapartida
pela riqueza criada pelos trabalhadores. A polivalência de
funções e as violações de direitos e garantias contratuais
acentuaram esta ofensiva.
Em simultâneo, a empresa implementou unilateralmente um sistema
de prémios à margem do ACT, destinado a penalizar o exercício
de direitos. Por exemplo, um designado «prémio complementar»
que ronda a média dos 8 mil escudos mensais, só é atribuído
se o trabalhador obtiver mérito na avaliação do desempenho e
não faltar mais de 15 horas por mês, seja devido a doença com
baixa, ou acidente com baixa, parto, faltas justificadas sem
retribuição, greves, maternidade/paternidade, licença de
adopção, actividade sindical e da comissão de trabalhadores,
assistência à família, trabalhador-estudante, licença de
parto da esposa, requisição oficial, lei eleitoral/candidatos,
horas de aleitação, eleitos locais, casamento, atrasos
superiores a 10 minutos, etc., num total de 34 motivos.
Os beneficiados pelas profundas transformações e gravosas
alterações ocorridas na empresa foram aqueles que para elas
mais contribuíram: os administradores, que acumulam privilégios
e fortunas pessoais; os empreiteiros, que enriquecem à custa da
exploração de uma mão-de-obra barata e não reivindicativa;
alguns quadros superiores e dirigentes que crescem em quantidade,
em poder e benesses; e acima de tudo o grande capital, nacional e
estrangeiro, que detém o poder e que recebeu de bandeja, das
mãos do Governo do PS, um império empresarial colossal, com
mais de 80 empresas participadas, com fábricas em Espanha,
Brasil, Marrocos, Moçambique e Tunísia, vendido a preços de
saldo por 220 milhões de contos!
Na constante procura de novas fontes de receitas, as cimenteiras
e o Governo, em estreita ligação, «descobriram» um novo
filão, um autêntico «maná»: a queima de resíduos
industriais perigosos, que se apresenta como combustível
secundário alternativo, com um lucro estimado em 30 contos por
tonelada!
A actual discussão pública, na qual o PCP já tomou posição,
é viciada à partida, pois os argumentos apresentados são todos
«pró» e com pouca informação, cabendo um importante papel
às populações e aos trabalhadores na apresentação de
argumentos «contra», em relação a uma matéria pioneira no
nosso país, mas com experiências e efeitos adversos noutros.
Tanto mais que a fiscalização governamental em matéria de
saúde pública, numa empresa privada, tenderá a ser muito menos
eficaz do que numa empresa pública, com a consequente
sobreposição dos interesses económicos e financeiros sobre os
sociais e ambientais.
O ataque à contratação
Conseguida a
redução de efectivos por parte da empresa, o «trinco» seria a
revisão global do Acordo Colectivo de Trabalho e com ela a
retirada efectiva dos direitos conquistados com a
nacionalização.
Apesar desta lenta mas brutal ofensiva, com inevitáveis
consequências no grau de consciência, organização e
mobilização dos trabalhadores, os objectivos da empresa não
foram totalmente alcançados, pois os trabalhadores e os seus
representantes nunca deixaram de ter um papel interventivo,
reivindicativo e de denúncia dos atropelos.
As estruturas internas, delegados sindicais, CT e sub-CTs
mantiveram a sua organização, sendo eleitos em processos
eleitorais que contaram com votações na ordem dos 70% dos
efectivos. O movimento sindical unitário e a CGTP predominam,
com uma taxa de sindicalização que ronda os 60% do total dos
trabalhadores. Iniciou-se recentemente um novo processo de
intervenção e sindicalização dos trabalhadores precários,
que já começou a dar resultados, na melhoria das condições de
trabalho.
O Partido continuou a contar com um núcleo essencial de
camaradas nas células dos maiores locais de trabalho e que, nas
alturas cruciais da vida da empresa, sempre tomaram posição e
mantêm uma ligação permanente aos trabalhadores.
A defesa do ACT começou há mais de um ano, através do
esclarecimento, da discussão em plenários gerais e sectoriais e
da disposição de enveredar pela greve, como forma de luta, caso
a administração teimasse na tentativa de rever o ACT e na
retirada de direitos contratuais.
A administração recuou mas não desistiu.
A tomada de consciência, por parte de muitos trabalhadores, de
que estavam ameaçados direitos fundamentais, que têm
directamente a ver com as suas condições de vida e de trabalho,
criou condições para a possibilidade de desenvolver formas de
luta.
A proposta de Acordo de Empresa apresentada pela empresa é
avassaladora. Dela ressaltam:
- a possibilidade de atribuição de categoria profissional diferente das previstas no AE, por acordo entre empresa e trabalhador, «sempre que o desenvolvimento tecnológico ou a organização do trabalho o justifiquem»;
- a retirada da proibição do «1ock-out»;
- a introdução do regime da comissão de serviço nos cargos de direcção;
- a introdução do regime de cedência ocasional de trabalhadores, mediante acordo entre empresa e trabalhador;
- a introdução do trabalho a tempo parcial, «cumpridas as formalidades legais», por acordo entre empresa e trabalhador;
- a possibilidade de retirada do subsídio de turno, quando o trabalhador se encontrar temporariamente no regime de horário geral;
- a redução dos descansos compensatórios pelo trabalho suplementar (remetendo para a lei geral);
- a retirada do direito de descanso na prestação de trabalho em regime de prevenção em dias semanais, sábados e feriados, à excepção do domingo:
- a introdução da possibilidade de desempenho de outras actividades, não compreendidas no objecto do contrato «quando o interesse da empresa o exija» (polivalência desregrada);
- a dependência da atribuição do subsídio de refeição a 4 horas de serviço efectivo consecutivo por dia (para facilitar o recurso ao trabalho a tempo parcial);
- a não garantia dos complementos de pensões para os futuros trabalhadores.
Pretende ainda
extinguir 36 categorias profissionais e substituí-las por apenas
12, com alteração de funções, através do aumento de tarefas
e das responsabilidades acrescidas dos trabalhadores sem a
correspondente subida de nível profissional ou possibilidade de
evolução de carreira.
É notória a semelhança entre as intenções da Administração
da Cimpor na contratação colectiva e as propostas do Governo do
PS no actual pacote laboral.
Umas e outras pretendem fazer regredir as relações de trabalho
a níveis de há muitas décadas atrás. Em nome da
«competitividade», da «modernização» e até do
«desenvolvimento». À custa e com o sacrifício de quem
trabalha e produz a riqueza.
Mas tudo tem o seu tempo.
Quando são já os próprios limites da liberdade individual e da
dignidade a serem postos em causa, os trabalhadores já
demonstraram ter a coragem e a força bastantes para travar a
batalha. Ela está aí. Na Cimpor, noutras empresas e na luta
mais geral.
Os trabalhadores cimenteiros sempre puderam contar com o PCP nos
bons e maus momentos. Continuarão a contar com o Partido nestes
tempos de resistência e de luta, pois «atrás dos. tempos, vêm
tempos e outros tempos hão-de vir». J.M.