Na via
dolorosa
do capital financeiro
Por Manoel Lencastre
De perplexidade, de indecisão e nervosismo, de uma terrível expectativa, foram os dias que se viveram, e as noites, no mundo económico-financeiro global após a falência de facto do LTCM (Long Term Capital Management). Pode dizer-se que esse mundo, inventado pelos grandes Fundos, efectivamente mudou. O capitalismo financeiro paralisou. E enquanto os representantes governamentais de 182 países se encontravam em Washington para a reunião anual do FMI e do Banco Mundial, reconhecia-se que certas baixas de taxas de juro anunciadas em determinados países não passavam de simples expedientes numa situação geral de tal gravidade que os Bancos deixaram de emprestar uns aos outros.
Foi bonito,
entretanto, assistir às teatrais explicações dos dois
principais delegados portugueses àquela reunião. Segundo o
governador do Banco de Portugal e o nosso inédito ministro das
Finanças, a severa, dramática conjuntura que estamos a viver é
assunto
meramente pertencente ao campo da psicologia.
Igualmente, na Grã-Bretanha, as espectaculares indecisões do
governo de Blair, especialista em grandes «shows» de variedades
mas que não estava nada preparado para estes acontecimentos,
feriram a imaginação do país. Qualquer inglês comum
pergunta-se: «Então o Mr. Blair não percebe nada disto?» Mas
os conservadores, reunidos em congresso na cidade de Bournemouth,
no sul do país, não são os últimos a revelar um
estranhíssimo torpor que é filho da sua evidente falta de
respostas para uma crise cujo fantasmagórico crescimento,
através de 18 meses, só não viu quem não quis ver.
Bonita, igualmente, foi a entusiasmada reacção dos meios
bolsistas portugueses, aliás, tornada mais vibrante e segura
pelos porta-vozes do capitalismo que nos lêem os noticiários em
todas as televisões, ao corte das taxas de juros que se
verificou em Espanha. Dois dias depois, todavia, todas as
recuperações disso resultantes estavam perdidas,
irremediavelmente perdidas. Quem edita os noticiários nas
televisões portuguesas? Jornalistas? Especuladores? Lacaios?
Digam, ao menos, a verdade.
A guerra comercial
vai agudizar-se
Com os valores do
«Nikkei» tocando já os 12 000 pontos foi-nos impossível
deixar de recordar certas previsões, certos avisos que faziam
fé absoluta há três anos, apenas. Segundo os melhores
observadores da cena económico-financeira internacional e os
especialistas em questões nipónicas, toda a banca japonesa
estaria falida, automaticamente, se o índice principal da Bolsa
de Tóquio alguma vez caísse abaixo dos 14 000 pontos. Como
se sabe, o capital dos principais bancos está constituído, em
boa parte, pelo valor de acções que possuem nas grandes
empresas industriais e de exportação. Ora, caídos os valores
de todas essas acções, cai, igualmente, o capital dos Bancos.
Caído já ele anda, nas ruas da amargura, desde há anos
Mas o capitalismo possui imensa imaginação. Agora, pretende
ensinar-nos a viver sob uma situação de falência técnica
generalizada e garantida enquanto eles guardam o que resta. Que
futuro espera os países e os povos?
Alan Greenspan, o homem do momento, presidente do Federal
Reserve, anunciou durante o discurso pronunciado perante a
Assembleia do FMI e do Banco Mundial constituída por milhares de
banqueiros que «a economia dos Estados Unidos se havia
deteriorado significativamente como resultado do tumulto que
está a viver-se». E acrescentou: «Nunca vi nada comparável ao
que está a acontecer, actualmente, nos mercados financeiros. As
nossas esperanças de que o contágio da febre asiática se havia
desvanecido, estavam erradas. A grande ameaça para a economia
dos Estados Unidos vem do sector financeiro e parece-me óbvio
que as nossas possibilidades para 1999 enfraqueceram. Estamos,
claramente, a enfrentar um conjunto de forças que poderão
conter o progresso da nossa economia até um limite que
desconhecemos.»
Outros especialistas americanos garantem que o grande perigo
reside na possibilidade de que a desordem estabelecida nos
mercados financeiros provoque ainda mais perdas no valor das
acções das principais companhias, leve à erosão da confiança
pública e à fuga dos consumidores. Os receios destes
economistas estão a realizar-se. Basta que olhemos a evolução
dos preços do papel accionista das principais empresas
americanas: a General Electric, a de maior valor de mercado em
todo o mundo, caiu em 24%; a Boeing perdeu 43%; desde Abril, o
preço das acções dos banqueiros J. P. Morgan desceu para
metade. A carnificina estendeu-se, rapidamente, a outros
sectores; à Coca-Cola (-29%); à Gillette & Co. (-29%); ao
American Express (-40%); à Walt Disney (-41%).
As perdas dos investidores no papel accionista destes grandes
nomes do mundo industrial, económico e financeiro, atingem a
soma de 1,5 biliões de dólares. Entretanto, como medida
defensiva clássica, os americanos começaram a instigar a queda
do valor da sua própria moeda, o dólar, para fazerem valorizar,
automaticamente, o «yen» e o marco alemão. Assim, as
exportações germânicas e nipónicas para o mercado dos Estados
Unidos (facturadas em dólares) tornar-se-ão mais caras e
acabarão por reduzir os lucros do país e das empresas de
exportação enquanto o próprio crescimento económico americano
perderá.
Na longa, interminável «Via Dolorosa» onde penetraram, os
dirigentes dos países capitalistas não conseguem entender-se.
Mas, Blair, o mais ignorante de todos os sábios, possui uma
resposta: «Bombardeie-se o Kosovo!» Clinton, hesitante, vive em
pleno desespero. O fim da sua estrada, vislumbra-se, inevitável,
negro, dramático. E depois? Kenneth Starr, que julgava trabalhar
para vingar-se de tudo o que aconteceu a Richard Nixon, verá que
a sua vingança vai alargar-se a todo o mundo. E depois?
Banqueiros, cujas instituições pareciam sólidas, ainda ontem,
mostram-se impotentes perante a incompreensível aproximação do
fim dos seus universos, e desabafam: «Chamem o Shakespeare! Para
que nos explique o drama que estamos a viver». Mas o grande
William está longe, na Eternidade. Não pode ouvi-los. Não quer
ouvi-los. Entretanto, um grito, só um, parece fazer sentido no
momento actual. E esse, o grito da realidade, já não podem
contê-lo. «Trabalhadores e povos de todo o mundo, uni-vos!»
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«Salvar» o Brasil
O que explica a esperada falência do Brasil?
Naturalmente, é a falta de dinheiro. O Estado deixou de possuir
recursos para atender ao seu funcionamento normal, ao serviço
das instituições, ao pagamento dos empréstimos financeiros em
curso, ao das suas obrigações mais naturais. Por outro lado, os
principais meios de produção em todo o país pertencem ao
estrangeiro pagam poucos ou nenhuns impostos, só investem
a título precário e repatriam os lucros. Os chamados
investidores profissionais, os fundos, os capitalistas, os
bancos, preferem operações financeiras especulativas e fogem
com todo o capital logo que aparece no horizonte uma sombra
ténue de instabilidade. O Estado, assim, procura novos
empréstimos, sempre mais onerosos, para substituir os
anteriores.
Desta vez, porém, esses novos empréstimos parecem difíceis de
concretizar porque o FMI, nas condições actuais, perdeu a
capacidade de intervenção que lhe fora destinada. Michael
Camdessus, o seu presidente, anda há meses a tentar negociar um
adiantamento por parte do governo dos Estados Unidos. Mas,
note-se que esse governo é o mais endividado entre todos os que
existem à face da Terra. Por isso, a Câmara dos Representantes,
de maioria republicana, impôs condições para que os
miseráveis 18 000 milhões de dólares que vai autorizar não
sofram o destino dos 157 000 milhões que o FMI dissipou ao
tentar socorrer países cujas economias jaziam na fogueira do
inferno financeiro.
Quando o governo brasileiro bate à porta dos credores
estrangeiros, sabe muito bem que o sistema do mercado global não
pode permitir-se uma repetição na América do Sul de tudo o que
aconteceu na Ásia. As reservas do Brasil eram de 75 000 milhões
de dólares quando os especuladores decidiram proceder ao assalto
das mesmas. Agora, depois de levantamentos realizados por
«investidores», estão reduzidas a metade. O governo de Cardoso
implora que lhe emprestem mais 21 000 milhões até ao fim do
próximo ano. Para que os especuladores possam continuar a
levantar e a transferir para o exterior. Para poder aguentar o
mais instável dos equilíbrios cambiais. «Salvem o Brasil!»
exigiu-se em Washington. Mas a «salvação» do Brasil significa
mais miséria, mais ruína, mais sofrimento. Que estranha maneira
de pretenderem salvar um país
Bancos e banqueiros
Todo o mercado
financeiro está a acompanhar com alguma ansiedade a situação
dos bancos espanhóis que, tendo saído, corajosamente, do seu
tradicional isolacionismo, se aventuraram nos tradicionais
mercados da América do Sul. É o caso do Banco de Santander, o
maior do país vizinho, cujos 3000 milhões de dólares
investidos em países da América Latina não oferecem garantias
de reprodução ou retorno à base. Estão, por consequência, em
sério perigo.
Também, segundo o insuspeito «Herald Tribune», o segundo banco
espanhol, o Bilbao-Vizcaya, está a ser observado como achando-se
perto de ter de absorver importantes valores adiantados para
aqueles mercados com a finalidade de comprar bancos locais ou
formar sociedades com eles.
Todos sabemos que estes bancos espanhóis estavam imensamente
activos no mercado português. Parece, porém, que se calaram.
Calados, igualmente, estão todos os bancos portugueses. E alguns
dos banqueiros mais conhecidos em Lisboa temem, profundamente,
sabêmo-lo, terem de revisitar um certo passado que viveram.
Julgaram ter regressado em glória, assim parecia, mas o futuro,
o futuro