A TALHE DE FOICE
Compromisso


«Com a censura, não podia escrever o que pensava. Agora, com o pensamento único, não posso pensar o que escrevo». Pouco importa nesta citação o quem, o onde ou o quando. O que importa é que tenha sido levada ao V Encontro Ibero-Americano de Jornalistas, esta semana realizado na Póvoa de Varzim, porque sintetiza de algum modo as preocupações que durante três dias estiveram no centro da reflexão levada a cabo por organizações que se preocupam com a essência da missão dos jornalistas e do seu papel social.

Reflectir sobre a informação nesta era da globalização, é falar de uma realidade tão vasta como «a globalização dos meios, concentrados em poucas mãos», da «globalização da interpretação da realidade, impondo à força mudanças profundas na ética da profissão, ao limitar cada vez mais o papel dos jornalistas ao de instrumentos falantes, ao converter o público em simples consumidor e ao transformar em mercados todos os espaços da cultura», como lembrou Tubal Paes, presidente da União de Jornalistas de Cuba, numa intervenção em que lembrou que a maior riqueza de um povo é a sua cultura. Num momento em que o país celebra com justa alegria e orgulho a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago, faz sentido perguntar, como fez Tubal Paes, «que se passa com o mundo quando 50 por cento dos filmes, 75 por cento das séries de televisão, 70 por cento dos vídeos, 70 por cento dos satélites, 60 por cento das redes mundiais e 75 por cento da Internet são norte-americanos?»
Faz sentido perguntar, num forum de debate sobre o papel dos jornalistas, «de que diversidade de opinião ou de liberdade de expressão se pode falar quando apenas três transnacionais controlam 80 por cento das notícias que se divulgam no mundo?».
Neste contexto, faz igualmente sentido falar, como o presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas, da «angústia quotidiana de quem se interroga permanentemente sobre o que faz aqui», uma angústia que obviamente não afecta «os que aceitam colocar o jornalismo no suposto terreno da neutralidade», pois «basta-lhes transformarem-se em simples veículo acrítico do que as mais poderosas fontes de informação lhes enviarem:acríticos porque se dispõem a redifundir tudo o que recebem, sem seleccionar; acríticos porque se recusam a procurar informação alternativa». Que essa neutralidade não é, nem pode ser, neutral, é por demais evidente. «Ela é apenas a demissão do jornalista enquanto cidadão activo e a sua transformação num simples meio ao serviço de quem o comanda», porque «não há jornalismo neutral».
Em vésperas da cimeira Ibero-Americana que nos próximos dias se vai realizar no Porto, é reconfortante saber que profissionais da imprensa, sindicalistas, sintam necessidade de dizer, como o fez Diana Andringa, que «em tempos de globalização, marcados pelo domínio de uma só superpotência, cujo domínio não é apenas económico e militar, mas também tecnológico, cultural e informativo», é preciso o combate aos que nos dizem que «face à injustiça, à profunda desigualdade que divide o mundo, não há senão que baixar os braços e esperar que o mercado remedeie tudo».
Cabe aos jornalistas uma responsabilidade social. Essa é uma responsabilidade que assumimos plenamente. Não somos, nem queremos ser, neutrais. — Anabela Fino


«Avante!» Nº 1298 - 15.Outubro.1998