Para que não fique tudo na mesma


Com pompa e circunstância e exibindo aquele ar simultâneamente severo, solene e dramático que pratica melhor do que ninguém, o Primeiro Ministro divulgou o seu "plano de combate à corrupção". Fê-lo num encontro com a Comunicação Social e através de um texto lido e sem direito a perguntas. Disse António Guterres estarmos, a partir de agora, a entrar num "novo ciclo" no qual "está em causa não apenas combater actos isolados de corrupção, mas criar um sistema global que vá à raiz dos problemas". A declaração de intenções do Primeiro Ministro, nascida na sequência das revelações do General Garcia dos Santos sobre "alegados actos de corrupção" praticados na Junta Autónoma das Estradas, é bem vinda e merece que nos congratulemos com ela . Esperemos, pois, pela sua concretização.

Diz-nos a SIC que nenhuma das medidas apresentadas por António Guterres é novidade, na medida em que todas elas já haviam sido anunciadas pelo Ministro João Cravinho. Se assim é, afigura-se-me algo insólita a informação do engenheiro Guterres e despropositado todo o aparato mediático que a rodeou: melhor teria sido resumir essa intervenção à conhecida, curta e simples frase: faço minhas as palavras do orador antecedente. E se, como informa a RTI, "o anúncio do pacote anticorrupção" ocorreu "depois de um dia de autêntica maratona de reuniões" para debater a matéria em questão e chegar às conclusões anunciadas, então tudo se torna ainda mais incompreensível. Porque se as coisas se passaram assim, teremos que concluir que o Primeiro Ministro gastou, em reuniões, um dia do seu precioso tempo para concluir e anunciar o que o Ministro João Cravinho já concluira e anunciara há uma semana.
De qualque maneira, tudo isto vale nada se as intenções expressas na declaração de Guterres não cairem no saco roto que tem constituido o mais eficaz instrumento de trabalho da política de direita.

A questão do financiamento dos partidos e campanhas eleitorais foi também abordada pelo Primeiro Ministro. Como se sabe a Assembleia da República aprovou já algumas medidas nesta área e pena foi que, nessa altura, a proposta do PCP no sentido de que os partidos políticos não pudessem receber contribuições das empresas não tivesse sido aprovada...De qualquer forma, o que então se passou no Parlamento - especialmente os votos do PSD e do PP contra as medidas aprovadas pelo PCP, PS e PEV - retira toda a credibilidade à agitação saltitante que se apossou, nomeadamente , do professor Marcelo e que o faz andar por aí a assobiar para o ar no que toca às posições tomadas pelo seu partido no Parlamento.

"Tudo deve ser esclarecido até às últimas consequências", sublinhou Octávio Teixeira. Dito isto, está tudo dito. Para que as necessárias medidas de combate à corrupção no futuro, não levem quem de direito a considerar questão menor a necessidade de levar até ao fim o combate à corrupção no passado e no presente. Ou seja: para que não fique tudo na mesma. — José Casanova


«Avante!» Nº 1298 - 15.Outubro.1998