Todos contra a 202/VII !


Iniciou-se a 8 de Outubro e termina no próximo dia 6 de Novembro o prazo de apreciação pública de três das peças do pacote laboral do Governo, entre as quais se destaca pela sua gravidade a proposta de lei nº 202/VII que "define o regime jurídico do trabalho a tempo parcial e estabelece incentivos à sua dinamização".
Trata-se de uma peça cuja aprovação - a consumar-se - não irá apenas atingir trabalhadores a tempo parcial, mas que significa e acarreta um profundo desequilíbrio do conjunto (já globalmente bastante desequilibrado contra os trabalhadores) das relações laborais.

Atente-se, nomeadamente, na possibilidade de um trabalhador a "tempo completo" poder transitar para o regime de "trabalho a tempo parcial" a título definitivo ou por período determinado. E nesta última eventualidade da "entidade empregadora poder celebrar contrato a termo para substituição parcial". Não é isto um mecanismo, - beneficiário, aliás, de grandes incentivos - para transformar massivamente trabalhadores efectivos em trabalhadores precários?
Quando está previsto, por exemplo, que o trabalho a tempo parcial "possa ser prestado em todos ou alguns dias da semana", não é evidente que é o sábado e o domingo, como dias normais de descanso semanal, que vão por água abaixo?
E quando se proclama a flexibilidade horária e a possibilidade de prestação obrigatória de trabalho suplementar, não representa isto, afinal, a transformação dos trabalhadores a tempo parcial, de facto, em trabalhadores com direitos parciais?

Muito mais e de mau se poderia anotar nesta proposta de lei nº 202/VII sobre o trabalho a tempo parcial.
Para aliciar os trabalhadores a passar a "tempo parcial" a proposta acena-lhes, por um período máximo de três anos, com a redução para 6% da taxa contributiva para a segurança social. E incentiva principescamente as entidades empregadoras a celebrarem outros contratos a "tempo parcial", com a dispensa do pagamento de contribuições ou com generosas reduções das taxas contributivas, e por um período que em nenhuma das modalidades excede também os três anos.
Ora quando a tendência prevalecente, em relação à reforma da segurança social, é o estabelecimento de uma relação directa entre as contribuições reais dos trabalhadores e as prestações que virão a receber da segurança social, não seria mais sério dizer aos trabalhadores aliciados que eles irão ser prejudicados no futuro Ou existirá o propósito de transferir o pagamento da factura dos incentivos ao "trabalho parcial" para as costas dos restantes trabalhadores que integram o regime geral?

Por último: quando o país se prepara para celebrar o 25º aniversário do 25 de Abril, não é motivo da maior perplexidade que haja um governo que pretenda fixar em lei que "serão apreciadas e, sempre que possível, eliminadas, no quadro da negociação colectiva (sic !), as disposições que dificultam ou limitam o acesso ao trabalho a tempo parcial"?
Será caso de reincarnação, na equipa legislativa, de algum "ministro das corporações" do antigamente? — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1298 - 15.Outubro.1998