Até ao último dia



Chega de todos os lados a confirmação daquilo que cada um de nós - participantes activos na campanha pelo "sim" - observa e constata todos os dias: onde chega o esclarecimento sério sobre o que é e que objectivos tem a regionalização, onde chega o desmascaramento das mil e uma falsificações e mentiras espalhadas pelos defensores do "não", o "sim" ganha sempre novos adeptos. E ganha adeptos quer entre eleitores que, porque confundidos e às vezes atemorizados com o argumentário primário e terrorista dos adversários da regionalização, se inclinavam para a abstenção; quer entre muitos dos que, influenciados pela vaga desinformativa amplamente difundida e valorizada pela generalidade da comunicação social, se inclinavam para votar "não". Nuns casos e noutros -e especialmente quando se trata de pessoas da área da esquerda ou próxima dela - a viragem para o "sim" é, regra geral, fortemente ajudada pela natural repulsa em, com a sua abstenção ou com o seu voto contra a regionalização, estarem, ao fim e ao cabo, a juntar a sua voz à voz e ao voto e aos objectivos dos Marcelos, dos Portas, dos Cavacos, dos Barretos, dos Jardins, dos Sousas Tavares, enfim, de todo um conjunto de personagens que, diga-se em abono da verdade, da higiene política e do decoro democrático, não são propriamente companhia de voto aconselhada nem desejada por quem se situa na área da esquerda ou com ela simpatiza.

Poderá dizer-se que também entre os defensores do "sim" se encontram figuras da família política das acima referidas. E é verdade. Só que, enquanto no primeiro caso, o núcleo essencial e dirigente da campanha pelo "não" é constituído, como não podia deixar de ser, pelas forças da direita organizada, a qual logra, por vezes, atrair às suas posições algumas pessoas provenientes de áreas políticas outras (por vezes oriundas, até, de áreas situadas nos antípodas dos objectivos direitistas); no segundo caso, ocorre exactamente a situação inversa e os "forasteiros" que, por razões as mais diversas e às vezes até contraditórias, aderem à campanha pelo "sim", estão, de facto, a apoiar, no caso concreto da regionalização, posições e objectivos que integram o património reivindicativo e de luta da esquerda. E há que reconhecer que a diferença entre a primeira e a segunda situação não é de somenos importância.

Na verdade, a regionalização é um objectivo e uma bandeira da esquerda e não é por acaso que a iminência da sua concretização constitui um autêntico e infernal pesadelo para a direita. Veja-se, a título de exemplo, o despudor, o desbragamento, o vale tudo a que recorrem os inimigos da regionalização para tentar impedir a consumação desta importante reforma administrativa que tenderá a reforçar a democracia... E lembremo-nos dos gritos de vitória do PSD e do CDS/PP quando o PS, numa das suas múltiplas convergências com a direita, concordou com as suas exigências em relação à obrigatoriedade da realização do referendo. Com efeito, sabe quem sabe que regionalizar é descentralizar e democratizar poder, aproximando-o mais das populações e abrindo novas e maiores possibilidades à participação e intervenção destas nas decisões que lhes dizem directamente respeito. Ora, num tempo em que se pretende, cada vez mais, reduzir o cidadão à condição de espectador passivo da realidade, à condição de objecto descartável que apenas serve para ser utilizado em tempo de caça ao voto (situação que é de primordial importância para os objectivos...não só da direita, é certo, mas também e essencialmente da direita), é óbvio que a concretização da regionalização, susceptível que é de atenuar, por pouco que seja, essa situação constitui para a direita uma perigosa, demoníaca invenção. Daí a já referida campanha terrorista levada a cabo pelos inimigos da regionalização, a vaga de falsidades difundidas, a hipocrisia insultuosa que percorre todo o seu discurso eleitoralista.

A título de exemplo - mais um a juntar aos vários justamente sublinhados nesta edição do "Avante!" - atente-se no texto produzido por Miguel Sousa Tavares no "Público" da passada sexta-feira. Aproveitando o lugar cativo de que dispõe naquele jornal, Tavares achou por bem matar dois coelhos com uma singular e hipócrita cajadada. Indignado com aquilo a que, ao que parece sem corar, chama "desigualdade de tratamento por parte da imprensa em relação às posições em confronto, e em prejuízo do lado do 'não'", este assanhado inimigo da regionalização decidiu "abrir uma excepção" na postura isenta, segundo ele, da sua "coluna semanal" - a qual, sempre segundo o próprio, se tem posicionado, por "elegância", "ao abrigo da disputa em curso". Aberta a "excepção" e fechada a "elegância", eis-nos perante um texto muito ao jeito, ao estilo e ao conteúdo típicos do autor - ou seja, lastimável. Mas que tem a grande vantagem de exemplificar em concreto os métodos, as práticas, os golpes, as baixezas de que é feita a campanha da direita.

No livro,recentemente publicado, "As regiões administrativas. Democracia e desenvolvimento" - da autoria de Luis Sá, Ana Serrano e Daniel Branco - sublinha-se, a dada altura, a importância de, nesta batalha e neste contexto, "levar tão longe quanto possível o debate e o esclarecimento". E acrescenta-se: "As oportunidades são desiguais aos mais diversos níveis, tais como a escolha de participantes em debates, a selecção dos comentadores e dos líderes de opinião; importa, porém, que aqueles que pensam que as questões relacionadas com o Estado, a administração pública, a democracia e os interesses das populações devem ser objecto da intervenção de todos, não deixem de travar os combates que consideram fundamentais e que não sejam os efeitos de modas, de temores infundados e de uma intensa falsificação de dados e intenções a determinar as escolhas fundamentais dos cidadãos". Assim deve ser, de facto. E se esta é uma campanha na qual, como a experiência mostra, são visíveis os resultados do diálogo esclarecedor, da intervenção serena, da argumentação séria e verdadeira, então vale ainda mais a pena empenharmos nela todos os nossos esforços e capacidades. Até ao último dia.
«Avante!» Nº 1301 - 5.Novembro.1998