Guiné-Bissau
Acordo de paz assinado em Abuja

Cronologia

O presidente João Bernardo Vieira e o general Ansumane Mané, em representação do Governo da Guiné-Bissau e da Junta Militar, assinaram na madrugada de segunda-feira um Acordo de Paz, que consagra a retirada total das tropas estrangeiras estacionadas no país e a criação de um Governo de unidade nacional.

Reunidas em Abuja, na Nigéria, no quadro dos esforços da 21ª sessão da Conferência dos Chefes de Estado e do Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), as duas partes em conflito reafirmaram o «acordo de cessar-fogo assinado em 26 de Agosto de 1998 na Cidade da Praia», e concordaram na «retirada total da Guiné-Bissau das tropas estrangeiras», a efectuar em simultâneo com o «envio de uma força de interposição da ECOMOG (o braço armado da CEDEAO) que substituirá as tropas retiradas».
Segundo o texto do Acordo, anteontem divulgado pela Lusa, a «força de interposição garantirá a segurança ao longo da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal, manterá as partes separadas e permitirá às organizações e agências humanitárias o livre acesso às populações civis afectadas».
O texto prevê a abertura imediata do aeroporto internacional Osvaldo Vieira e o porto de Bissau, bem como a «criação de um governo de Unidade Nacional», que «comprenderá, entre outros, os representantes da auto-proclamada Junta».
O documento fixa ainda a «organização de eleições gerais e presidenciais o mais tardar até fim de Março de 1999», supervisionadas por observadores da CEDEAO, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da comunidade internacional.

Reacções

Para o (ainda) presidente «Nino» Vieira considera que o acordo alcançado em Abuja «é uma vitória do povo» da Guiné-Bissau, o único que, na sua opinião «perdeu com a guerra». Quanto ao seu próprio futuro político, «Nino» considera que «ainda é cedo» para se pronunciar quanto a uma eventual recandidatura à presidência. Em aberto está igualmente a escolha do futuro primeiro-ministro do «governo de unidade nacional». A decisão deverá ser tomada, segundo afirmou em conferência de imprensa, numa «reunião com os partidos políticos e com a Junta, para se escolher uma pessoa de confiança».
«O novo governo vai ser aberto a todos os partidos, e também à Junta Militar», garantiu o presidente guineense.
Também o presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, manifestou a esperança de que se tenha atingido o final do conflito na Guiné-Bissau, declarando que o seu país nunca pretendeu participar numa força militar, e por isso conseguiu assumir um papel de neutralidade que permitiu um desenvolvimento das acções diplomáticas. «Acredito na diplomacia, que foi a principal arma para a resolução do conflito», disse o presidente da Gâmbia. Quanto à questão de Casamança, o dirigente gambiano considera que a paz naquele território «é da exclusiva responsabilidade do Senegal», salientando que a força militar da Ecomog, aprovada em Abuja, vai funcionar apenas como uma linha de fiscalização e segurança, não tendo portanto qualquer acção de intervenção. Uma posição não partilhada de todo pelo Senegal. Congratulando-se com o acordo de paz, o ministro do Interior senegalês, Lamine Cissé, não deixou de manifestar a esperança de que a força de interposição venha a ter um papel determinante na resolução do problema de Casamança.
Por seu lado, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, classificou o acordo como «um passo decisivo na direcção certa», garantindo que Portugal está disposto a «continuar a contribuir para o progresso económico e social da Guiné-Bissau».
Cronologia

30 Janeiro - Ansumane Mané, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, é suspenso das suas funções, acusado pelo Governo de incúria na segurança dos paióis militares em Brá, onde foi descoberto um roubo de armas, alegadamente traficadas para os independentistas de Casamança (sul do Senegal).
5 Junho - «Nino» Vieira demite Ansumane Mané, substituindo-o pelo brigadeiro Humberto Gomes.
7 - Começa a revolta militar.
8 - Militares do Senegal e da Guiné-Conakry são vistos pela primeira vez junto das forças governamentais guineenses, em Bissau.
9 - Ansumane Mané divulga um comunicado exigindo a demissão do presidente, do Governo e eleições livres em Julho. O ministro português Jaime Gama apela às duas partes para um cessar-fogo. Chegam a Bissau 1.300 soldados do Senegal, com blindados. Milhares de pessoas abandonam Bissau, onde começam a faltar alimentos e combustíveis.
11 - O Cargueiro português «Ponta de Sagres» recolhe cerca de 2.250 refugiados no porto de Bissau e segue para Dacar. O Senegal encerra fronteiras com Guiné-Bissau.
14 - Os presidentes da Gâmbia, Yahya Jammeh, e da Líbia, Muamar Khadafy, oferecem-se para mediar o conflito em Bissau.
17 - Chega a Bissau o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Gâmbia, Sidat Jobe, para mediar a crise.
18 - Vieira considera a revolta militar em Bissau «um complot político» e exige que os revoltosos deponham as armas. Marcolino Moco, secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) diz estar pronto a deslocar-se a Bissau para estabelecer contactos com as duas partes. Fracassa a mediação da Gâmbia.
21 - O Embaixador da França, François Chappellet, nega envolvimento de tropas francesas no conflito em Bissau.
22 - Junta Militar acusa a França de conivência com o Senegal e a Guiné-Conacry na intervenção militar destes países em Bissau e defende solução negociada.
24 - Junta Militar divulga «Programa de Acção» e volta a exigir a demissão de Vieira e a realização de eleições gerais antecipadas.
27 - Jaime Gama e Venâncio Moura, MNE de Portugal e Angola, chegam a Bissau, onde se encontram com «Nino» Vieira e Ansumane Mané, numa tentativa de resolução pacífica do conflito.
29 - Em Lisboa, o Comité Permanente da CPLP reúne-se de emergência, e apoia esforços da mediação luso-angolana.
30 - Mediação a bordo da fragata «Vasco da Gama» não adianta nada em relação às posições anteriores.
1 Julho - Denunciados casos de tortura de civis guineenses pelas tropas senegalesas em Bissau. Reunião dos MNE's dos 16 países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), para definir eventual envio de uma força de interposição ou de manutenção de paz.
3 - Relatório dos chefes dos Estados Maiores das Forças Armadas da CEDEAO indica que 90 por cento dos soldados guineenses aderiram à Junta Militar. CEDEAO aprova princípio de envio de força militar, mas mantém negociações. Os Embaixadores da CPLP em Lisboa reúnem-se de emergência e pedem abstenção de medidas que aumentem a internacionalização do conflito. Senegal continua a enviar reforços militares para a Guiné-Bissau.
4 - CEDEAO condena rebelião e promete ajudar «Nino» Vieira.
5 - «Nino» Vieira acusa Portugal de não ter tomado posição firme em relação à revolta militar.
16 - O navio «Ponta de Sagres» descarrega material humanitário em Bissau. Cimeira da CPLP lança mediação com grupo de contacto. 24 - Grupo de Contacto em Bissau inicia negociações.
26 - Assinatura de memorando de entendimento entre as partes beligerantes que leva a um cessar-fogo.
25 Agosto - O cessar-fogo é assinado pelas duas partes na Cidade da Praia.
16 Setembro - Ronda de negociações em Abidjan termina em impasse.
18 Outubro - Cessar-fogo violado em Bissau.
21 - Junta toma Bafatá. «Nino» Vieira decreta cessar-fogo unilateral num discurso à Nação.
23 - Junta decreta cessar-fogo temporário, «até à clarificação do discurso» de «Nino» Vieira e saída de tropas estrangeiras.
24 e 25 - Jaime Gama, em Bissau, fala com «Nino» e Mané, que aceitam encontrar-se.
29 - Encontro de «Nino»-Mané em Banjul (Gâmbia).
30 - Conversações prosseguem em Abuja (Nigéria), no âmbito da cimeira da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
2 Novembro - Assinatura de um acordo geral de paz.
«Avante!» Nº 1301 - 5.Novembro.1998