A Regionalização
e o combate aos fantasmas

por Luís Sá



A UNIÃO EUROPEIA acaba de editar o volume sobre Portugal da versão portuguesa da sua série sobre o "Retrato das Regiões". Aí aparece como tal a área correspondente às cinco comissões de coordenação regional com as suas desigualdades relativas e no seu próprio seio. Basta analisar alguns projectos do PIDDAC para 1999, o acompanhamento do actual Quadro Comunitário de Apoio, ou a preparação do próximo para ver o grande papel destas estruturas. Esse é o grande desejo dos centralistas: manter uma administração regional poderosa ainda que desconcentrada, com centenas de cargos regionais nomeados centralmente, que possam ser demitidos pelo poder no caso de serem demasiado reivindicativos em vez de serem demitidos pelo povo em eleições no caso de serem de menos.

Tudo serve de pretexto para o centralismo, porque este joga com o medo, com a falta de informação, com a existência de dados que não estão completamente definidos.

Temores das "senhas" que se teria de apresentar nas fronteiras regionais, dos hospitais que se teria de deixar de frequentar, das Universidades fora da região que se teria de abandonar, de tudo apareceu um pouco. Não falando já de impostos, gastos, conflitos e outras invenções.

A falta de argumentos do "Não" no debate sobre a regionalização transformou-o num campo para a imaginação e manipulação das consciências. Por mais que alguém pretendesse centrar-se exclusivamente nas vantagens de órgãos regionais eleitos para a vida pública democrática ou para um desenvolvimento mais harmonioso, seria obrigado a tentar - com meios desiguais - demonstrar as invenções dos adversários da regionalização. E sabe-se como é difícil combater fantasmas e não realidades palpáveis.

As capitais e os capitais

Há, por vezes, situações que exigem cuidados e equilíbrios especiais. É o caso das capitais. É um problema que foi debatido em diversas regiões, tendo sido concluído que deveriam ser adoptadas soluções "polinucleadas" ou desconcentradas. Verificaram-se, por exemplo, sucessivos exemplos dessa orientação nos Congressos do Alentejo e noutras iniciativas partidárias e não partidárias. Não é nenhuma novidade, atendendo ao caso açoreano e até à solução para a União Europeia, em que os órgãos e o seu funcionamento se repartem por Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. A direita apegou-se às capitais para cuidar dos capitais. Noutras situações, onde quis participar na resolução de problemas de equilíbrio entre centros urbanos, conseguiu fazê-lo.

O mapa das diversas regiões pode igualmente colocar dificuldades, que foram sendo sucessivamente enfrentadas com diversas soluções.

Mas, noutras ocasiões, o PCP apresentou mapas diferentes e foi sempre constante ouvir dizer que estaria bem regionalizar "desde que o mapa fosse outro" - incluindo aquele que é actualmente. Nestas condições, e sendo divergentes as opiniões científicas acerca do mapa geográfico - o que não significa que não haja aspectos comuns - foi justo a Assembleia da República apelar a que as assembleias municipais se pronunciassem e, em geral, respeitar a sua vontade. É grotesco ver o PSD agarrar-se na campanha do referendo a casos como o de Pombal ou Feira, de que é o único responsável, porque fez com que as assembleias municipais não emitissem uma opinião capaz de contribuir para satisfazer a vontade das populações durante a consulta que foi realizada pela instituição parlamentar.

Actualmente é fácil ver, por exemplo, que a representação das regiões portuguesas no Comité das Regiões da União Europeia exclui Trás-os-Montes e a Beira Interior. Regiões como Lisboa e Vale do Tejo são representadas pelos Presidentes de Lisboa e Oeiras, deixando de lado o Ribatejo, Leiria e outros

O caso dos funcionários públicos

Ao longo dos anos o PCP sempre defendeu os interesses dos trabalhadores da função pública. Através de uma luta constante foram obtidas sucessivas conquistas. Uma, desde logo, foi a equiparação total entre o estatuto dos trabalhadores da Administração Central, Regional e Local. Esta matéria foi considerada suficientemente importante para obter consagração constitucional (artigo 269º). Hoje, e devido ao trabalho autárquico em parte, não se pode considerar que os trabalhadores da administração local autárquica tenham um estatuto social diminuído, da mesma forma que não é diminuído o seu estatuto remuneratório. Outros, que agora se armam em grandes defensores e espalham os mais diferentes e infundados boatos, atentaram claramente contra os seus direitos sempre que tiveram oportunidade.

Registaram-se sucessivas criações depois do 25 de Abril de diferentes "entidades públicas", o que levou muitos trabalhadores da função pública a serem transferidos do Estado para entidades da administração indirecta e para a administração autónoma, sem prejuízo de direitos, remunerações e regalias.

Estas transferências, muitas vezes, procuravam fugir a regras de contabilidade e fiscalização pública e outras, e por isso nunca o PSD as combateu ou se lhes opôs, antes as defendeu e executou.

Noutros casos, os mais diferentes serviços públicos foram transformados em empresas privadas de capitais públicos, com a satisfação e o aplauso da direita e com mudança do estatuto dos trabalhadores.

No caso das regiões, não é concebível que as eventuais deslocações de trabalhadores não tenham carácter voluntário e não sejam acompanhadas de diversos incentivos materiais e de carreira. E haverá o supremo incentivo, sobretudo para a juventude, que poderá ser um trabalho mais motivador e criativo.

Note-se que o Projecto de Lei do PCP nº 51/VII sobre as Transferências de Serviços e Património para as Regiões Administrativas, tem exactamente a preocupação de estabelecer que não haverá perda de remunerações ou regalias (artigo 2º/3) e de estabelecer que o Governo deve proceder à criação de "estímulos" à fixação de funcionários e agentes.

No conjunto, e sempre - obviamente - na base voluntária, a pertença ao quadro das regiões pode ser um contributo para valorizar o estatuto do trabalhador da função pública em causa e a sua ligação às comunidades a que pertence.

Nem são os que sempre defenderam os trabalhadores da função pública que vão agora deixar de os defender, nem os que nunca os defenderam que o vão passar a fazer.

Hipocrisia mascara o centralismo

Nunca, noutras ocasiões, a direita se empenhou em valores que agora diz defender.

Atacou os municípios tanto como agora ataca a hipótese de regiões. Impediu as associações de municípios de terem quadro de pessoal privativo e se desenvolverem. Apresentou um conjunto de propostas tecnicamente mal elaboradas, ditas de reforço dos municípios, como alternativa à regionalização, que não podem convencer quem quer que seja que pretenda um debate e soluções minimamente sérias.

Custa a compreender a razão que justificaria que as autarquias fossem vantajosas ao nível da freguesia ou do município e deixassem de ser ao nível da região. Ou que a democracia sirva ao nível da nação, do município e da freguesia e passe a "dividir" e a "trazer conflitos" ao nível regional (tal como foi dito, antes do 25 de Abril, que traria conflitos a nível nacional).

Independentemente do resultado do próximo Domingo, a situação actual é demasiado absurda para eternizar-se. Por isso, as populações hão-de conquistar o direito de auto-administrar uma determinada esfera de interesses regionais. Neste como noutros casos a boa solução é a coerência e a firmeza nas convicções.
«Avante!» Nº 1301 - 5.Novembro.1998