A execrável campanha do Não
por António Filipe



Os adversários da regionalização nada têm a propor ao país, a não ser a continuação do centralismo, das CCR's não eleitas, da desertificação e das assimetrias. Daí que a campanha do Não, não contenha uma única ideia pela positiva, e assente quase exclusivamente em deturpações, boatos e insinuações sem fundamento, destinadas a instalar a confusão e o medo entre os eleitores.

A poucos dias da realização do referendo sobre a instituição das regiões administrativas, persiste por todo o lado a ideia de que é muita a confusão entre os eleitores, são inúmeras as dúvidas sobre o processo de regionalização, e de que se mantém uma intenção enorme de abstenção perante tão enorme "trapalhada" criada pelos "políticos". Porém, são também imensos os eleitores que, contactados directamente, e elucidados sobre o que concretamente está em causa com a criação das regiões, compreendem as suas vantagens e a sua necessidade, e se dispõem a votar Sim no próximo domingo. Esta apreciação, compartilhada pela generalidade dos participantes nesta campanha, obriga-nos a intensificar, nos dias que ainda restam, o esforço de contacto e esclarecimento, por forma a anular os efeitos da campanha do Não que, sob a batuta de Marcelo e Portas, tem assumido sem quaisquer escrúpulos uma postura exclusivamente destrutiva, onde tudo tem servido para confundir os eleitores, levando-os a recusar uma reforma administrativa com que só terão a beneficiar.
Sobre essa campanha, em que ao núcleo duro dos partidos de direita (despojado de alguns regionalistas convictos que dela dignamente se demarcaram) se juntam alguns grupos ditos de esquerda e uma boa parte dos "opinion-makers" que os patrões dos media proclamaram como bem pensantes, vale a pena alinhar algumas notas, ainda que soltas:

1ª - A campanha do Não, tem sido conduzida exclusivamente pela negativa. Todos os argumentos tem servido para denegrir a regionalização, mas ainda nenhum argumento foi aduzido para explicar aos portugueses o que ganharia o país se o Não ganhasse o referendo. Perante a posição insustentável de ter de defender a manutenção de CCR não eleitas em vez de órgãos eleitos democraticamente pelo povo, e confrontados com os malefícios mais que comprovados do centralismo que pretendem manter, os detractores da regionalização não só nada propõem de positivo ao povo português, como promovem uma campanha que não assenta na crítica à regionalização tal como ela é proposta, mas que assenta quase exclusivamente na repetição de acusações que sabem perfeitamente serem falsas. É assim que, apesar de estar mais que demonstrado que não existirão governos regionais, que as regiões não podem criar impostos, que a instalação das regiões administrativas não implicará uma despesa pública a níveis superiores aos já existentes, ou que não existirão capitais regionais, ou que os futuros eleitos regionais quase não têm expressão numérica face ao universo actual dos eleitos locais, continuam a ser difundidas as maiores atoardas a este respeito, na esperança de que a mentira mil vezes repetida passe por ser verdade.

Os falsos regionalistas

2ª - Uma originalidade desta campanha do Não, reveladora de uma enorme hipocrisia, é o cortejo de personalidades e partidos de direita que, depois de durante muitos anos se terem afirmados defensores da regionalização - alguns até há bem pouco tempo - vêm agora afirmar a sua "mágoa" por não poderem concordar com "esta regionalização". E acrescentam que o mal não está na regionalização, mas no processo, no mapa, na oportunidade, ou em qualquer outro pretexto que possa servir de desculpa de mau pagador.
A verdade é que, sendo a regionalização, objectivamente, um processo de reforço da democracia e da participação popular na tomada de decisões, de descentralização da Administração Pública, de criação de melhores possibilidades de desenvolvimento regional, e sendo tais propósitos merecedores de um amplo consenso nacional, os partidos de direita nunca afirmaram, até há bem pouco tempo, as suas convicções anti-regionalistas. Enquanto a regionalização, apesar de inscrita no texto constitucional, era uma hipótese remota, os partidos de direita nunca sentiram a necessidade de se lhe opor frontalmente. Reconheciam a sua necessidade e as suas virtudes democráticas mas asseguravam a conveniente travagem do processo através da realização de debates, livros brancos e estudos (que agora afirmam não existir), tendo chegado mesmo a aprovar uma lei-quadro que nunca pensaram aplicar.

Prisioneiros do seu passado "regionalista", não encontraram muitos defensores do Não outra saída, que não fosse a afirmação da sua condição de "regionalistas" contra a regionalização. Rejeitam este mapa sem propor qualquer alternativa. Apelidam o processo legislativo de negociata porque se abstiveram de participar nele. Dizem que o povo não foi consultado porque instaram os seus eleitos municipais a não se pronunciar. Procuram justificar a sua recusa das regiões administrativas com o argumento de que não votam contra a regionalização mas contra esta regionalização. Só não explicam, porque não podem, que regionalização avançaria se o Não ganhasse o referendo. Obviamente, nenhuma. Alguém acredita que quem nada fez no passado para que a regionalização avançasse e tudo faz no presente para que a regionalização não avance, queira alguma vez avançar para a regionalização no futuro após um resultado referendário de sentido negativo? E será que os argumentos terroristas utilizados pelos defensores do Não, de divisões, rivalidades, despesas e perigos para a Nação decorrentes da criação das regiões, só seriam utilizáveis contra "esta" regionalização?

3ª - Uma terceira linha de contestação às regiões administrativas baseia-se numa suposta "tradição municipalista". Aqueles que fizeram da sua governação do país, ao longo de muitos anos, um permanente ataque ao municipalismo, não cumprindo a lei das finanças locais, impondo limitações legais à autonomia e à acção dos municípios, procurando fazer recair sobre o poder locais o máximo de encargos com o mínimo de contrapartidas, têm agora o supremo descaramento de invocar as suas convicções municipalistas para contrariar a criação das regiões. Desonestidade total, dado que quem assim fala, não ignora que a Constituição proíbe expressamente a transferência de competências dos municípios para as regiões. A regionalização não só não se opõe aos poderes municipais como, pelo contrário, entre as competências atribuídas às regiões se conta precisamente o apoio aos municípios.

«Chiquelinas para aqui e para acolá»

4ª - À medida que a campanha tem avançado e que na razão directa do esclarecimento dos cidadãos têm vindo a cair pela base os argumentos em defesa do Não, o argumentário contra as regiões começa a atingir níveis de baixeza inacreditáveis. Primeiro foi a campanha do PP destinada a fazer crer que a regionalização representaria mais tachos, mais impostos e mais corruptos. Depois vieram as confusões criadas a respeito das supostas capitais e as tentativas de fomentar divisões artificiais, insinuando que a cidade X passaria a ficar dependente da cidade Y, ou imagine-se, lançando boatos que por aí correm, quanto a eventuais limitações à circulação de pessoas ou de bens em virtude da criação de regiões. Há poucos dias, uma socióloga em voga, cuja fama de inteligente lhe permite o acesso às páginas dos jornais, afirmava em tom de manifesto a sua oposição às regiões por, entre outros argumentos, nunca votar ao lado do general Eanes, numa manifestação de boçalidade que só é ultrapassada pelos tão divulgados autocolantes da juventude do PP que vêem na regionalização a "entrega do Alentejo aos comunistas". Este argumento, que não é exagerado qualificar de fascizante, revela afinal que o que os jovens "populares" receiam é o veredicto popular e que se opõem ao funcionamento das instituições democráticas. Se os alentejanos votam em comunistas, há que impedi-los de votar. E neste panorama nada edificante, só faltava aquele dirigente do PSD de Coimbra que comparou a actuação de Marcelo neste processo a uma faena, descrevendo-a como segue: "Entram todos nesta praça de touros em grande barafunda...e vossa excelência sozinho a tentar tourear. E foi toureando, era chiquelinas para aqui e para acolá...e vai sair da praça em ombros". Esta comparação tauromáquica não deixa de ser reveladora do baixo nível de seriedade com que os próprios dirigentes do PSD qualificam a actuação política do seu próprio leader. Só não esclareceu tão inspirado dirigente se a saída da praça em ombros iria ser em triunfo ou em consequência de uma valente e bem merecida colhida.
«Avante!» Nº 1301 - 5.Novembro.1998