A pobreza no mundo



Foram impressionantes as imagens e chocantes os comentários que o programa do Financial Times da RTP 2 transmitiu, há poucos dias, sobre a pobreza na Ásia. Neste imenso continente, o número de pobres cresceu em flecha com a crise financeira. Duplicou na Tailândia que foi um dos mais famosos "tigres asiáticos". Enormes massas humanas dependem - segundo os 2 cenários apontados pelo FT - da caridade ou da mendicidade ("indústria do peditório" como hipocritamente referia o citado programa). Insultuoso e indigno por parte dos responsáveis da crise face às suas principais vítimas. Mas também revelador da incapacidade do capitalismo em inverter a situação de miséria para que atirou milhões e milhões de seres humanos em todo o mundo.

Com efeito a pobreza cresce e expande-se a (e em) todos os países. Disso nos dá conta o recente "Relatório do Desenvolvimento Humano de 1998" do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Ao abordar a evolução do consumo no mundo - que duplicou relativamente a 1975 - e o crescimento da pobreza ("bem mais de mil milhões de pessoas estão privadas das necessidades de consumo básico") o relatório é bem elucidativo quanto às gritantes desigualdades - de acesso a bens essenciais e aos extraordinários progressos tecnológicos dos nossos dias - entre os países ricos do "Norte" e os do "Sul" pobre, e dentro de cada país. Revela-nos, nomeadamente: enquanto 1/5 da população mundial que vive nos países mais ricos distribui entre si 86 % do consumo, apenas 1,3 % do consumo mundial vai para 1/5 dos que vivem nos países mais pobres. Mas este fosso é ainda mais espectacular e injusto: as 3 pessoas mais ricas do mundo detêm fortunas superiores ao PIB dos 48 países mais pobres; e seriam necessários apenas 4% da riqueza acumulada pelos 225 maiores multimilionários para resolver os problemas essenciais do conjunto das populações dos países em via de desenvolvimento. A prosperidade e a opulência para uns poucos e a luta pela sobrevivência para a imensa maioria.

Mesmo nos países mais desenvolvidos, e de elevados PIB per capita, a pobreza é um fenómeno assustador: 7% de pobres na Suécia, 8% na França e Grã Bretanha, 16,5% nos EUA! (onde vivem 60 dos já referidos multimilionários). E se compararmos alguns consumos supérfluos, concentrados no conjunto desses países, com algumas necessidades mínimas de sobrevivência ficamos escandalizados: só os gastos com perfumes na Europa e nos EUA aproxima-se da verba necessária para garantir a nutrição e saúde básica da população mundial! Este exemplo de consumismo contrasta com as condições de vida degradantes de muitos milhões de homens, mulheres e crianças de todos os continentes.

O avanço da pobreza acompanha a evolução da situação internacional. As políticas neoliberais dos últimos 20 anos, de orientação antilaboral e antipopular, são as grandes responsáveis pela gritante degradação social dos nossos dias, que inclui pobreza e exclusão social. E as derrotas do socialismo, com a passagem desordenada e caótica para o capitalismo, nos países do leste da Europa provocaram/originaram uma mancha de 150 milhões de pobres (nº do PNUD, segundo DN 1.11.98). Também a agressão ambiental, a espoliação das riquezas naturais, os conflitos, o militarismo são geradores de pobreza. O relatório do PNUD tudo isto comprova. Mas é irrealista no seu Plano de Acção. Porque se abstrai do caracter explorador e desumano do sistema.

Assim, há quem procure que a pobreza seja encarada como algo de banal do nosso quotidiano. E até inevitável - "sempre houve ricos e pobres". Para assegurar a resignação, como complementaridade do "salve-se quem puder". Atitudes absolutamente necessárias à ideologia dominante do "pensamento único" e do "fim da história". Mas a solução, ainda que distante, para a eliminação da pobreza será imposta pela luta dos trabalhadores e dos povos. E da sua solidariedade de classe. Porque a solidariedade/caridade e a invocação dos direitos humanos está provado que não chega.

Manuela Bernardino
«Avante!» Nº 1301 - 5.Novembro.98A