OE para 1999
O
final anunciado
com privilégios ao capital
O Orçamento
do Estado para 1999 foi aprovado, na generalidade, com os votos
favoráveis do PS, a abstenção do PSD e a oposição do PCP e
do CDS/PP.
Depois de três dias de debate, o documento obteve nesta fase
processual o desfecho esperado, sem surpresas, seguindo agora o
seu curso em sede de especialidade, após o que voltará de novo
a plenário para debate e votação final global no dia 10 de
Dezembro.
A história do debate, como
assinalou o líder parlamentar comunista, Octávio Teixeira, foi,
assim, a «história de um final anunciado». Tudo porque o PSD,
pela voz do seu presidente, desde Tavira, numa espécie de
«profissão de fé», independentemente dos juízos objectivos
ao seu conteúdo, cedo anunciou a intenção de viabilizar este
Orçamento.
Nem mesmo desenvolvimentos analíticos mais recentes,
considerando-o um documento inaceitável, fizeram mudar o rumo
traçado pela bancada laranja. Para tanto, e talvez para que o
descrédito não fosse total, contaram com a preciosa ajuda do
Primeiro-Ministro, logo na intervenção de abertura, quando este
se mostrou disponível para «aceitar a inclusão de uma
cláusula de garantia» que impeça o aumento de impostos para as
famílias com menos de 700 contos de rendimento por mês.
Com esta tábua de salvação - Manuela Ferreira Leite acabaria
por cometer um «lapsus linguae» chamando-lhe «cláusula de
salvação» -, estava encontrado o pretexto para o PSD não
desdizer a sua pré-anunciada viabilização, como sublinhou
Octávio Teixeira, e justificar mais esta sua cambalhota
política. Tudo, entenda-se, em nome da estabilidade política e
nunca, argumentaram, em função da qualidade ou do rigor da
proposta do Governo.
Para dar alguma verosimilhança ao número, Marques Mendes,
presidente do Grupo Parlamentar do PSD, ainda acusou o
primeiro-ministro de ter recuado na componente fiscal do
Orçamento de Estado para 1999, revelando, «tal como no ano
passado, má consciência», depois das críticas que lhe foram
dirigidas por todos os partidos da oposição.
Linha de continuidade
Mas se este é um episódio que
apenas serve para atestar o grau de manobrismo e calculismo
eleiçoeiro que animam a direita parlamentar - quando é certo,
como salientou Lino de Carvalho, que «os interesse que defende a
nova/velha aliança revêem-se obviamente no núcleo duro deste
Orçamento e desta política do PSD» - o que foi verdadeiramente
marcante no debate da passada semana foram as críticas oriundas
da bancada do PCP, quer quanto à natureza essencial do
Orçamento, quer quanto às suas orientações políticas
centrais.
Sustentadas numa sólida argumentação, as críticas dos
deputados comunistas ao Orçamento para o próximo ano incidiram
sobretudo no que Octávio Teixeira resumiu nestes termos:
«continuidade quanto à preocupação primeira e fundamental de
cumprimento dos constrangimentos ditados pela moeda única e pelo
"pacto de estabilidade", ao prosseguimento do processo
de privatizações, às orientações restritivas para os
aumentos salariais, aos privilégios fiscais aos rendimentos de
capitais, às empresas financeiras e aos grupos
económicos".
Estas, em síntese, é que são as linhas determinantes do
Orçamento, que justificaram o voto contra do PCP, e não - foi
ainda o presidente da bancada comunista a lembrá-lo - , as
alterações propostas para a tributação dos rendimentos do
trabalho dependente em IRS, as quais, embora «tímidas e
insuficientes», não deixaram de ser saudadas e acolhidas
positivamente pelo Grupo comunista.
Políticas neoliberais
O que foi vivamente criticado
pelos deputados comunistas foi o facto de estarmos em presença
de mais um OE de obediência às políticas neoliberais inerentes
ao Pacto de Estabilidade, do mesmo que condenaram as opções do
Governo que o levam, por estritas razões financeiras e
ideológicas, a prosseguir desalmadamente o processo de
privatizações, contribuíndo para uma maior centralização e
concentração do capital e para o incremento da especulação
bolsista.
Com o que o PCP não se conforma - e no debate os seus deputados
não se cansaram de o reiterar - é com o facto de os rendimentos
do trabalho continuarem a ser sacrificados, enquanto os
«rendimentos do capital prosseguem o manjar à mesa do
Orçamento». Por outras palavras, a manutenção de um sistema
fiscal profundamente injusto que penaliza os trabalhadores por
conta de outrem, ao mesmo tempo que se mantêm a evasão e fraude
fiscal, por um lado, e os benefícios fiscais para o capital, por
outro, com um valor previsto para o próximo a rondar os 300
milhões de contos.
Reivindicaram, por isso, medidas de combate à evasão e fraude
fiscal, como exigiram a eliminação dos benefícios fiscais ao
capital. Da mesma maneira que defenderam, determinados, o
desagravamento fiscal dos contribuintes com rendimentos mais
baixos e rendimentos médios, subscrevendo, para o efeito, um
conjunto de propostas de alteração no âmbito da fiscalidade,
consideradas manifestamente razoáveis e com sustentabilidaede
financeira no Orçamento.
Foi, pois, com este enquadramento que a bancada do PCP se
posicionou no debate. Sem perder de vista que na base das suas
críticas e propostas, como explicou Octávio Teixeira, estavam
motivações e um sentido claro: «porque defendemos mais
salários, mais justiça social, mais dignificação e
valorização dos que trabalham»
_____
A palavra dos deputados
(...) O senhor
Primeiro-Ministro verá o seu Orçamento para 1999 viabilizado
pelo PSD, e provavelmente pelo PP. Mas isso não altera a
natureza essencial do Orçamento, as suas orientações
políticas centrais, que, sem subterfúgios, sustentam o voto
contra do PCP.
Como V. Exa. expressamente o reconheceu, "o Orçamento de 99
vem numa linha de perfeita continuidade em relação aos três
Orçamentos anteriores". Continuidade quanto à
preocupação primeira e fundamental de cumprimento dos
constrangimentos ditados pela moeda única e pelo "pacto de
estabilidade", ao prosseguimento do processo de
privatizações, às orientações restritivas para os aumentos
salariais, aos privilégios fiscais aos rendimentos de capitais,
às empresas financeiras e aos grupos económicos.
São estas as linhas determinantes do OE para 1999. Não as
alterações propostas para a tributação dos rendimentos do
trabalho dependente em IRS.
Estas últimas são, sem dúvida, como já o afirmámos e não
temos pejo em repeti-lo, alterações de sentido positivo que,
aliás, há muito o PCP defende e reivindica. Mas são propostas
tímidas e insuficientes. São uma gota no copo de água da
reforma fiscal que o Governo e o PS prometeram mas não
cumpriram.
Porque se aquelas alterações vão no caminho da justiça
relativa entre os tais senhores A e B que pagam IRS, a verdade é
que em nada combatem a profunda injustiça, que permanece, entre
estes e aqueles outros senhores C e D, quer eles sejam pessoas
singulares ou empresas, que continuam a evadir-se ao fisco ou
são obsequiados à mesa do Orçamento com isenções e outros
chorudos benefícios fiscais.
(E em relação a isso, tal como em relação às privatizações
e ao pacto de estabilidade, é evidente que o PSD não poderia
votar contra).
Por isso as propostas de alteração que, no âmbito da
fiscalidade, o PCP já apresentou. E esperamos que o facto de o
Governo ter agora, se tal ainda não tivesse, a certeza absoluta
de que o seu Orçamento passará de qualquer maneira, não leve o
Grupo Parlamentar do PS, qual cego rolo compressor, a recusar,
pura e simplesmente, todas as benfeitorias que publicamente
apresentámos. Pela nossa parte, podem o Governo, os senhores
Deputados e os portugueses, ter a certeza que por elas nos
bateremos no debate e votação na especialidade. (...) Octávio
Teixeira
Este é o último
Orçamento desta legislatura, o último orçamento deste Governo
do Partido Socialista. É, pois, legítimo, que façamos aqui
não somente a leitura crítica do Orçamento de Estado para 1999
mas, nas áreas em que isso já é possível, se faça uma
leitura comparada entre as promessas e compromissos do PS, no seu
contrato de legislatura, e os resultados alcançados.
Na educação, que o Primeiro-ministro, Engº António Guterres,
elegeu como a sua paixão, o compromisso do PS era, de no final
da legislatura, a despesa pública ter crescido 1% no PIB. A
verdade é que em 1995 o total consolidado da despesa pública
com a educação era de 5,2% do PIB e em 1999 será de 5,7%. Do
1% prometido, afinal, ficamo-nos por 5 décimas. Metade do
prometido !!! A saúde era outra das áreas onde o PS fez grandes
promessas. Mas também aqui, a despesa pública, que era de 4,4%
do PIB em 1995 está, hoje, nos mesmos, 4,4%. (...)
Mas se viajarmos até às funções económicas o panorama não
é melhor. O esforço da despesa pública do Estado na
dinamização e vitalização de sectores económicos que pela
sua fragilidade estrutural mais necessitariam do impulso das
políticas públicas também diminuiu seriamente nesta
legislatura. Globalmente há uma diminuição de 2,6% para 2,4%
da Despesa Pública, em percentagem do PIB, nas funções
económicas do Estado. A agricultura e as pescas, o sector
industrial e energético bem como o sector de transportes e
comunicações, todos eles sofrem os efeitos da
desresponsabilização crescente do Estado traduzida numa
diminuição da despesa pública nacional em percentagem do PIB.
É uma evidência, constatada nos próprios dados dos Orçamentos
de Estado a que recorremos, que este recuo das políticas e da
despesa pública em áreas essenciais para o progresso social e
para o reforço sustentado da nossa economia é o resultado
conjugado de duas variáveis: a aplicação dos critérios de
Maastricht e do Pacto de Estabilidade e as opções ideológicas,
de modelo de sociedade, do Governo. A redução do deficit
resulta sobretudo da diminuição dos juros da dívida pública,
das receitas das privatizações e da contracção relativa da
despesa pública nos sectores que sublinhei. Sacrificam-se assim
as políticas públicas de progresso social e de reforço
estrutural da economia à moeda única e aos constrangimentos
impostos no quadro do Pacto de Estabilidade. (...) Lino
de Carvalho
As Grandes Opções
do Plano e o Orçamento de Estado para 1999, no que se refere ao
mundo do trabalho e à Segurança Social, seguem e perspectivam o
aprofundamento da política neoliberal que vem sendo praticada
pelo Governo do PS, continuadora, aliás, da anteriormente levada
a cabo pelos Governos do PSD.
Logo na caracterização da evolução rece\nte da economia
portuguesa e em relação à política salarial se afirma que, em
1997 e 1998, "a evolução salarial tem-se mantido
moderada".
E nas perspectivas para 1999 admite-se "que a economia
portuguesa continue a crescer ... a um ritmo elevado (entre 3,5%
e 4%)"; contudo, e cito de novo: "Os aumentos de
salários não deverão ultrapassar o ritmo de 1998...".
Isto é, continua a defender-se a moderação salarial para
manter uma cada vez maior acumulação de lucros e de riqueza à
custa dos trabalhadores.
Para isso e para cumprir o todo-poderoso "Pacto de
Estabilidade", aponta-se uma taxa de inflação de 2% - que
a previsão da União Europeia (2,4%) descredibiliza - e
considera-se aquela taxa como o factor determinante para os
aumentos salariais.
Tudo isto, quando se sabe que o nosso país é, na União
Europeia, aquele que atribui ao factor trabalho a menor
percentagem do rendimento nacional e, apenas para manter essa
percentagem, os salários terão de ser anualmente acrescidos com
a soma da taxa de inflação e a da produtividade. Mas o
Relatório Geral do Orçamento reconhece expressamente que, em
1998, "a taxa de variação estimada para as remunerações
por trabalhador ... mantém-se ... inferior ao crescimento
estimado para a produtividade" e que houve "uma
desaceleração do crescimento dos custos unitários do trabalho,
devido à moderação dos salários".
A propósito, será sacrilégio falar em moderação dos lucros?
E por que é que não se toma como objectivo a inversão da
injusta situação actual, em vez de a continuar e agravar ?
Para esse efeito podia desde já aproveitar-se o actual processo
de negociação salarial com os Sindicatos da Função Pública.
(...) Alexandrino Saldanha
Ano após ano a
situação repete-se. As verbas orçamentadas para a saúde não
chegam para pagar as despesas existentes. A dívida aumenta,
mesmo quando os prazos de pagamento são alargados. A situação
chegou a tal ponto que o Governo já apresenta como grande
vitória a diminuição da taxa de crescimento da dívida.
Note-se bem: não é a dívida que diminui; nem deixa de crescer;
apenas cresce percentualmente menos, o que não significa sequer
que os valores absolutos em dívida tenham aumentos pouco
significativos.
Mas o problema maior não é sequer o aumento da despesa. Que a
despesa pública com a saúde aumentasse seria até desejável,
para pôr fim ao crónico subfinanciamento e à falta de recursos
que causam muitas das dificuldades hoje existentes no Serviço
Nacional de Saúde. O problema é que o aumento da despesa não
tem levado nem a mais nem a melhores cuidados de saúde. O grande
problema é que estes recursos adicionais não servem para
engrossar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde; antes se
esvaiam para os bolsos ávidos dos que acumulam lucros colossais
à custo do Orçamento de Estado e à custa da saúde dos
portugueses.
A verdade é que cada milhão de contos, cada escudo consumido
nesta voragem não controlada é um escudo que se retira, que se
desvia do que devia ser o seu fim - aumentar e melhorar os
cuidados de saúde.
(...) O Orçamento da saúde tem por um lado que acabar com a
sub-orçamentação das despesas - tem de ser orçamentado aquilo
que realmente se vai gastar; e por outro tem que haver rigor e
honestidade nas receitas previstas, não inscrevendo ano após
ano montantes que acabam sempre por ficar acima das receitas
efectivamente cobradas, o que aliás volta a acontecer este ano.
O Orçamento da saúde só será ele próprio saudável quando
disciplinar as despesas desnecessárias e parasitárias que
impedem que uma boa parte dos recursos se apliquem na melhoria
dos cuidados de saúde. (...) Bernardino
Soares