Orçamento do Estado para 1999
As razões de um Não


O Orçamento do Estado para 1999 mereceu, em debate na generalidade, o voto contra do Grupo Parlamentar do PCP. Esta posição dos deputados comunistas radica em divergências profundas quanto à natureza do Orçamento e dos princípios e prioridades nele expressos. Interpretando-o como um documento fiel aos desígnios da moeda única e do pacto de estabilidade, para o Grupo comunista resulta ainda claro que este documento foi talhado à medida das opções ideológicas do Governo PS, facto particularmente visível no plano da economia em que são patentes as políticas em favor dos grupos económicos e dos interesses privados.

A única nota positiva, e como tal deve ser destacada, é a alteração introduzida em sede de IRS, transferindo os abatimentos para deduções à colecta e criando um novo escalão abaixo dos 15 por cento. Vindo ao encontro de soluções desde há muito por si preconizadas, tais alterações, não obstante o seu grau de timidez, foram saudadas pelo Grupo comunista.
Quanto ao mais, pode dizer-se, o panorama é desolador. Verberado pelos deputados do PCP foi, sobretudo, o facto de o Governo - como bem reflecte o Orçamento - continuar a beneficiar o capital e as operações financeiras, mantendo simultaneamente uma comprovada inércia no combate à evasão e fraude fiscal.
Significativa não deixa de ser igualmente a incapacidade revelada para promover políticas públicas capazes de salvaguardar e estimular a actividade produtiva, como recentemente sucedeu com a questão da BSE e do embargo à exportação de carne e gado bovino nacional, bem como, noutro plano, o não cumprimento de compromissos e promessas eleitorais - facilmente identificável, agora que se entrou na recta final da Legislatura - em domínios fundamentais para a vida dos cidadãos, como sejam a educação ou a saúde.
Mas a postura da bancada comunista, a exemplo do que sempre a caracterizou, não se pautou apenas pela crítica. A acompanhá-la, de um modo geral, esteve sempre uma proposta alternativa, construtiva, um cenário diferente, um rumo diverso, do mesmo modo que esteve presente uma total abertura ao diálogo, mas um diálogo profícuo, que, foi sublinhado, esteja orientado para uma política de esquerda ao serviço dos trabalhadores e do País.

São algumas dessas críticas e propostas que deixamos nestas páginas com base nas intervenções dos deputados comunistas intervenientes no debate.



As críticas

Traço significativo das opções do Governo, e contraditório com o seu discurso em defesa da moralização do sistema fiscal, é o continuado aumento dos benefícios fiscais. De 132,6 milhões de contos em 1995 estamos, no Orçamento para 1999, em 292,9 milhões de contos, mais 120,9 %. No escândalo que representam os benefícios concedidos às operações na bolsa o aumento é de 70,6 % , nas isenções temporárias ou definitivas em sede de IRC o incremento é de 359,6 % e em benefícios de IRS para OPV’s o aumento é de 2736,1 % . Aqui sim, ao contrário das despesas com a educação e com a saúde, o peso da despesa pública com benefícios fiscais sobe estrondosamente de 0,8% do PIB em 1995 para 1,44% do PIB em 1999.

Para além de todos os tacticismos eleitorais, o PSD e os interesses que defende a nova/velha aliança revêem-se obviamente no núcleo duro deste Orçamento e da política do PS. É essa convergência em interesses comuns que explica que falando o Governo tanto na necessidade da reforma fiscal e do combate à fraude e à evasão fiscal não intervenha decididamente, ou só o faça de maneira tímida, em áreas que são hoje responsáveis pela fuga de milhões de contos aos impostos, sem que se oiça uma palavra crítica do PSD/PP. Alguns exemplos: Desde 1994 que dois terços das empresas não pagam IRC. O número de sociedades a declarar prejuízo triplicou em sete anos. 64% das empresas não são colectadas e 158 sociedades são responsáveis por 59 % da receita do IRC. Os prejuízos declarados anualmente montam a um valor médio de mil milhões de contos. Se este quadro fosse real o País estaria na falência.
A brutal evasão fiscal em matéria de comércio intracomunitário constitui outro caso. Desafiamos o Governo a dizer qual o valor, estimado que seja, da fuga ao IVA ou aos Impostos Especiais de Consumo. Perguntado de outra maneira: está o Governo em condições de confirmar que as taxas de evasão fiscal, só no sector das bebidas alcoólicas, se elevam acima dos 70% atingindo valores na ordem dos 120 / 130 milhões de contos/ano ? Confirma o Governo que no plano internacional se diz que Portugal é, neste momento, um paraíso para o branqueamento de dinheiro que utiliza os circuitos dos infindáveis entrepostos fiscais criados à sombra da permissividade e do laxismo do Governo português ?
O imposto automóvel é outro exemplo, em que o Governo tem todos os elementos e soluções que lhe permitem uma alteração estrutural num imposto que todos reconhecem é injusto e faz aumentar artificialmente o preço de venda ao público das viaturas. Os estudos que o Governo entregou na Assembleia da República demonstram que é possível caminhar-se com tranquilidade para a substituição do actual IA por uma solução mista, sem perda de receita fiscal a prazo. Mas o Governo nada avança neste domínio.
Outro exemplo ainda. A criação do imposto único sobre o património, que deveria substituir a sisa, o imposto sobre as sucessões e doações e a contribuição autárquica, é uma opção que merece seguramente um largo consenso. O Governo criou uma Comissão constituída por prestigiados especialistas no sector que tem vindo, ao que sabemos, a trabalhar aturadamente nesta questão. Mas a verdade é que no despacho do Ministro das Finanças que cria a Comissão o Governo comprometeu-se a iniciar a discussão pública desta matéria no início de Outubro. Estamos em meados de Novembro e, até agora, no plano público, nenhum debate foi iniciado.

A intenção de dar início à alteração da estrutura do IRS, contribuindo para melhorar a justiça fiscal e a progressividade do imposto, constitui uma medida positiva que vem ao encontro de soluções desde há muito preconizadas pelo PCP. Tais propostas, contudo, são insuficientes e revelam demasiada timidez.

As divergências globais do PCP relativamente ao Orçamento de Estado para 1999 assentam no facto de toda a sua orientação estar subordinada aos ditâmes do Pacto de Estabilidade e da moeda única e a uma visão da sociedade em que às políticas públicas é concedido um lugar marginal e quase sempre de suporte aos interesses privados. A este respeito, os exemplos multiplicam-se, nalguns casos com graves implicações para sectores da actividade produtiva e para a saúde. É o caso da BSE e do embargo decretado pela União Europeia à exportação de carne e gado bovino nacional. Este embargo é hipócrita, desproporcionado e injusto para os produtores portugueses, a maioria dos quais tem o seu gado indemne. Mas esta decisão - resultante também de um determinado modelo de construção europeia com ingerências crescentes na área de soberania de cada Estado - só foi possível porque, deste lado, o Governo português, este Governo, na sequência do que já tinha feito o Governo do PSD, agiu de forma irresponsável e ligeira, desvalorizando a gravidade da situação e dos avisos que se iam acumulando, ignorando as sugestões e propostas da Assembleia da República, da comunidade científica e dos múltiplos serviços do Ministério da Agricultura. A Assembleia já condenou com severidade o comportamento da Comissão Europeia e do Governo português. Mas quando se discute o Orçamento de Estado e quando este é criticado por sacrificar os interesses nacionais aos constrangimentos de Maastricht e do Pacto de Estabilidade, isto tem expressão concreta nesta questão tão importante que foi a de não terem sido aprovadas e postas em práticas medidas de controlo da doença, das explorações e das fábricas de alimentos compostos para animais e de subprodutos, dando margem de manobra á Comissão Europeia, porque, entre outras razões, não havia disponibilidades financeiras para suportar as despesas inerentes a essas medidas. Esta é também a expressão concreta de se sacrificarem no Orçamento de Estado as verbas destinadas a políticas públicas em nome da redução do défice e da Moeda Única. Expressão concreta que se estende ao facto de o Orçamento não prever as verbas necessárias para pôr em prática as medidas recente e tardiamente anunciadas – e que são necessárias para reduzir ao máximo o prazo do embargo - nem para compensar os produtores e toda a fileira pecuária das quebras de rendimentos e prejuízos resultantes de um embargo para o qual os agricultores portugueses não foram tidos nem achados. Como não prevê também as verbas necessárias à compensação dos prejuízos resultantes dos acidentes climatéricos deste ano.


As propostas

Eliminação dos benefícios fiscais a rendimentos e actividades financeiras, nomeadamente no âmbito das operações de Bolsa e das empresas bancárias e seguradoras.
A tributação efectiva das mais-valias financeiras.
A eliminação das taxas liberatórias para residentes, obrigando ao englobamento de todos os rendimentos, característica básica de um sistema de imposto único.
Maior penalização do regime fiscal das despesas confidenciais.

O Governo deverá entregar à Assembleia da República, até 31 de Março de 1999, um relatório sobre a situação da evasão fiscal no sector das bebidas alcoólicas e propostas de medidas a adoptar para a combater e para a controlar em sede do comércio intracomunitário.

A isenção de imposto de todos os rendimentos colectáveis até 300 contos, o que na prática significa a isenção de imposto para todos os casais com rendimentos brutos entre os 1700 e os 2000 contos anuais, isto é, cerca de 25% dos contribuintes em IRS.
O aumento de 25% para 30% a taxa de conversão dos abatimentos em deduções à colecta para as despesas sociais, como a saúde, a educação e a habitação, eliminando o limite à dedução nas despesas de saúde e aumentando os tectos para 101,5 contos nas despesas com educação e para 94,3 contos nas despesas com habitação.
O aumento do limite superior do escalão sujeito à taxa nominal de 25%, de 2560 contos para 2750 contos, com vista a evitar o agravamento fiscal dos rendimentos médios e médios-altos.
O aumento do limite da dedução específica pelos rendimentos do trabalho de 71% para 75% de doze vezes o salário mínimo nacional.
A autonomização das deduções à colecta relativa às quotizações sindicais, com a taxa de conversão normal de 25 por cento.
Este conjunto de propostas traduz-se num forte desagravamento da carga fiscal para os rendimentos até cerca de 550 contos mensais por casal, que constituem cerca de 95% dos contribuintes do IRS, e permitem ainda algum desagravamento de contribuintes com rendimentos médio-altos até cerca de 1000 contos mensais, por casal, contrariamente ao que resulta da proposta do Governo.

O Orçamento do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas deverá assegurar as verbas necessárias para fazer face aos prejuízos dos agricultores em resultado dos acidentes climatéricos ocorridos na campanha agrícola de 1997/1998, bem como às quebras de rendimento dos produtores pecuários em consequência da proibição de importação de carne bovina nacional decidida pela Espanha e do embargo decretado pela Comissão Europeia e aos encargos decorrentes das medidas de combate e controlo da BSE.


«Avante!» Nº 1303 - 19.Novembro.1998