Novo Quadro
Financeiro Comunitário
Concertar
esforços
na defesa dos interesses nacionais
A
definição do quadro financeiro comunitário até ao ano 2006
encontra-se numa fase crucial, com a chegada ao Parlamento
Europeu de um debate que deverá estar concluído durante o
primeiro semestre de 1999. Perante os contornos que as propostas
da Comissão Europeia sobre a matéria apontam - contidas no
documento conhecido como Agenda 2000 - os deputados do PCP no
Parlamento Europeu convocaram uma conferência de imprensa para
alertar para as dificuldades que aí vêm, caracterizando a
situação como "complexa e gravosa" para Portugal.
A partir da análise detalhada de dois documentos centrais - a Agenda 2 000, há alguns tempos apresentada pela Comissão e através da qual é por esta avançada uma proposta global de despesas e respectiva repartição pelas diferentes áreas de políticas comunitárias, para os sete anos posteriores a 1999 e, mais recente, o documento, igualmente da Comissão, sobre os Recursos Próprios da União Europeia, pelo qual, pretensamente, a mesma aponta as correspondentes possíveis opções no domínio das receitas comunitárias - os deputados do PCP avisam para as consequências que estas propostas terão para o nosso país, nomeadamente ao nível da redução dos fundos estruturais e dos apoios à agricultura. E avisam: é indispensável uma concertação de esforços que permita defender eficazmente os interesses nacionais.
Para os deputados do PCP, a discussão em causa está logo à partida condicionada por dois elementos fundamentais: o respeito draconiano pelas regras restritivas de concretização do euro, em especial o pacto de estabilidade, e a perspectiva de alargamento da U.E. a mais seis países.
«O alargamento que se visa alcançar comportará inevitáveis acréscimos de despesas, seguramente muito superiores às contribuições com que esses países poderão concorrer para o orçamento comunitário. O que coloca a União Europeia perante duas únicas opções: ou a este novo objectivo se fazem corresponder meios adicionais, ou se reduz o presente nível de despesas com as diversas políticas comunitárias, para assim fazer face ao alargamento. Pronunciamo-nos claramente pela primeira opção. Mas essa não é a posição da Comissão, como decorre de forma inequívoca dos documentos que apresentou, em especial no que respeita à Agenda 2 000. A Comissão pretende manter as despesas ao nível de 1,27% do PNB comunitário ou seja, pretende, de facto, baixar o tecto das despesas, para os quinze, para um patamar da ordem de 1,13% do PNB comunitário.»
Além disso, das propostas da Comissão resulta claro que seriam os "países da coesão" (Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal) os principais sacrificados, uma vez que as Acções Estruturais seriam as únicas a ser afectadas, pois decresceriam de 37,7% do total de despesas que representarão em 1999, para 30,8% em 2 006.
Para sustentar esta tese, os deputados do PCP divulgaram dados provenientes de estudos elaborados pelo próprio governo português, segundo os quais «as incidências de uma tal proposta em Portugal equivaleriam a uma diminuição de transferências da ordem dos 500 milhões de contos no período 1999 - 2 006. Outros estudos, não menos credíveis, apontam para valores ainda mais elevados e sugerem um decréscimo médio anual de cerca de 200 milhões de contos».
Um mal nunca vem só
Como se não bastasse já o que resulta da Agenda 2 000, a Comissão apresentou mais recentemente um novo documento, desta feita sobre os recursos próprios comunitários. O documento foi qualificado pelos deputados do PCP como sendo «a todos os títulos inaceitável, quer pelo momento em que é apresentado quer, especialmente, pelo seu conteúdo, pois inquina a já difícil discussão sobre as despesas comunitárias».
No fundo, sob a capa de uma proposta sobre o sistema de receitas comunitárias, a Comissão nada de novo propõe de facto sobre esta matéria e mais não faz do que sugerir uma nova e efectiva redução das despesas. Desta vez, com a renacionalização dos custos da PAC e afectando novamente, e de forma inequívoca, os "países da coesão". O caso português é particularmente preocupante, pois trata-se de um país que tem uma das agriculturas mais débeis e que, apesar disso, tem sido não raras vezes contribuinte líquido neste domínio.
Apesar de entenderem como «necessário e possível» um debate sério e profundo sobre os recursos próprios comunitários e sobre a comparticipação de cada Estado membro para o orçamento comunitário, os deputados do PCP consideram que tal debate exige a «clarificação prévia» de algumas questões:
« A solidariedade comunitária deve cumprir-se quer no âmbito das receitas quer no contexto das despesas.
Os recursos comunitários deverão ser fixados em função dos objectivos a atingir, não podendo admitir-se que, ao invés, os últimos sejam condicionados por uma prévia e restrita definição dos meios financeiros.
E, fundamentalmente, os aspectos financeiros - que não são o cerne do processo de integração - não podem desligar-se da respectiva contextualização económica e de uma perspectiva de justiça redistributiva e de solidariedade comunitárias.
São, aliás, os
próprios Tratados que fixam a coesão económica e social como
objectivo prioritário da União Europeia».
Além disso, frisaram, «uma análise correcta dos custos e
benefícios do processo de integração para cada Estado membro
não pode resumir-se a uma simples verificação dos respectivos
saldos líquidos financeiros. Em nossa opinião, um sistema de
recursos próprios progressivo, fundamentalmente baseado na
riqueza relativa de cada Estado membro - e, portanto no
respectivo PNB - afigura-se como o único que pode dar seguimento
adequado às referidas questões.»
Além dos cerca de 25-30 milhões de contos de pagamentos
adicionais que Portugal teria de suportar no período referido e
por esta via (valor que decorre do documento da Comissão e que
se afigura subestimado), alguns outros efeitos perniciosos que
decorreriam de uma orientação pela qual seria transferido para
o âmbito nacional o ónus da co-financiação das despesas
agrícolas (apontando a Comissão para um co-financiamento
nacional de 25%, mas havendo já propostas, no PE, que elevam
essa comparticipação para os 50%). Dela decorreria, antes de
mais, que os Parlamentos nacionais seriam confrontados com a
inscrição orçamental obrigatória destas despesas e perderiam,
consequentemente, competências decisivas que hoje detêm neste
contexto, isto apesar de não participarem na definição das
políticas correspondentes.
«Por outro lado, e não menos importante, de uma tal
renacionalização de custos adviria um inevitável acréscimo
das disparidades actuais, em prejuízo das agriculturas mais
débeis, já que, em geral, elas correspondem aos Estados membros
também com maiores debilidades orçamentais e, portanto, com
maiores dificuldades no apoio interno aos respectivos
agricultores».
PAC, Fundo de Coesão e Fundos Estruturais
Posteriormente, os deputados comunistas procederam à análise separada de cada uma das áreas em causa na discussão sobre a Agenda 2000.
No que concerne ao
futuro da Política Agrícola Comum foi sublinhado que
«as orientações fundamentais não são alteradas em relação
ao passado recente, pretendendo-se levar a cabo uma reforma
baseada no aprofundamento da de 1992».
Ou seja, uma reforma de que resultará o «aprofundamento de
desequilíbrios entre produções, produtores e países, para
mais feita num contexto que tem por pano de fundo o alargamento e
as futuras negociações da Organização Mundial do Comércio
(1999) tendentes a proceder a novas liberalizações do comércio
de produtos agrícolas».
Relativamente ao Fundo
de Coesão, o relatório em discussão na plenária do PE
«aprova a proposta da Comissão apresentada no quadro da Agenda
2000 relativa à manutenção do Fundo para os países cujo PNB
permaneça inferior a 90% da média comunitária,
independentemente de pertencerem ou não à UEM. Trata-se de um
princípio que sempre defendemos como inquestionável e não
passível de qualquer tipo de negociação independentemente da
instância comunitária onde esta questão se coloque».
Assim, reforçou-se a ideia de que «a manutenção do Fundo de
Coesão para Portugal se limitará a dar seguimento a uma
proposta que é juridicamente conforme com as disposições do
Tratado da UE» e que, por isso mesmo, «não poderá , em caso
algum, constituir contrapartida admissível para cedências
noutras áreas - caso dos Fundos Estruturais - ou noutras
políticas - caso da política agrícola - e, por maioria de
razão, não poderá ser elegida em vitória negociadora do país
para, eventualmente, dar cobertura ou esconder reais perdas
nessas áreas ou políticas».
Por seu lado, os Fundos Estruturais são aqueles que, no fundamental, são atingidos por esta diminuição tão drástica e profunda preconizada pela Comissão.
Neste quadro, «a referência fundamental que deve fazer-se diz respeito ao facto do relatório que o PE discute sustentar de forma directa a proposta da Comissão, e de forma indirecta, a proposta financeira global da CE relativa ao plafond de 1,27% do PNB para o período de 2000 a 2006. Esta posição é, pelas razões já apontadas, inaceitável para Portugal já que ela poderá representar uma diminuição de fluxos financeiros no III QCA que poderá atingir muitas centenas de milhões de contos».
Uma luta nacional
Perante este quadro,
em que se depara um processo negocial difícil, os deputados do
PCP apelaram ao conjunto dos que intervêm em nome do país, que
o façam com «um redobrado empenhamento». «No que nos
respeita, deputados do PCP no Parlamento Europeu, temos procurado
seguir atentamente e de forma interveniente todo este processo; e
é nossa intenção continuar por este mesmo caminho. Cooperando
com todos os que entendam igualmente segui-lo.»
No entanto, a ocasião foi também aproveitada para referir que
«nem todos aqueles que poderiam e deveriam agir em defesa dos
interesses nacionais o fazem de forma empenhada, continuada e
consequente».
«Não insistimos já na falta de acompanhamento destas questões
por parte de deputados de outras forças políticas e,
consequentemente, da ausência de cooperação que infelizmente
distancia os deputados portugueses de outros da generalidade dos
outros países, particularmente numa fase em que, naturalmente, a
dinâmica nacional se sobrepõe à dinâmica de famílias
políticas.
Mas já não podemos deixar de sublinhar e lamentar a
completa inacção do Comissário Deus Pinheiro nesta matéria,
cuja actividade global é, de resto e a todos os níveis, uma
verdadeira incógnita.
A relevância e acuidade do que presentemente se discute concede,
porém, uma particular gravidade política a esse seu
comportamento.
Como, especialmente, não podemos deixar de criticar com
veemência a ausência de uma estratégia negocial por parte do
governo e a sua completa passividade relativamente a estas
questões.
Desconhecemos qual o ministério que efectivamente lidera este
processo.
Os contactos com os deputados são reduzidos ao mínimo, apesar
de se não se desconhecer a influência que o Parlamento Europeu
exerce e as competências de que hoje já dispõe.
Não se entende qual ou quais os aliados que escolheu para esta
batalha negocial.
Não se lhe conhece uma única proposta ou sequer uma só
reacção relativamente aos documentos em apreço ou a alguma das
suas partes.
Pior, tememos que se predisponha a aceitar passivamente o tecto
de 1,27% das despesas e o co-financiamento da PAC, a limitar as
suas tímidas reclamações a um estatuto de transição para a
Região de Lisboa e Vale do Tejo e a aguardar o anúncio
previsível da manutenção do Fundo de Coesão para vir então,
para mero consumo interno, cantar vitória.
O governo do eng.º
António Guterres, à semelhança dos que o antecederam, parece
assim conformar-se com as poucas migalhas que possam vir a
sobrar, sendo certo que mesmo essas estão a ser contabilizadas
no presente processo.
Tudo indica, assim e uma vez mais, estarmos em presença de um
governo "bem comportado", quando o país bem
necessitaria de um governo firme, exigente e com propostas
claras.» Daniel do Rosário