LTCM:
Chicos-espertos,
compadres e padrinhos


Há 2 meses, foi notícia fugidia nos jornais, submersa nas sucessivas ondas do turbilhão financeiro, a quase-falência duma prestigiada firma dos EUA, o LTCM - Long Term Capital Management. Trata-se de um hedge fund, sofisticado tipo de empresa financeira que tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos. Em teoria, o seu objectivo é fornecer garantia a investimentos de risco; na prática, os "hedge funds" tornaram-se dos mais arriscados agentes da especulação. Cada fundo "hedge" (vedação) é limitado a menos de 100 sócios grandes investidores - escapando por isso a qualquer regulamentação prudencial e entidade de controlo. Praticam por isso as mais secretas e aventurosas operações. E dão enormes lucros aos seus donos e clientes. Usando o chamado "efeito de alavanca", erguem sobre um diminuto vértice de capitais próprios monstruosas pirâmides financeiras invertidas.

Exemplifiquemos com o LTCM: em início deste ano, os capitais próprios eram apenas de 4,8 mil milhões de dólares; com eles obteve dos maiores bancos mundiais, seus clientes, empréstimos de 200 mil milhões; e com eles movimentava uma enorme massa de "produtos" ditos "derivados", estimados em 1.250 mil milhões de dólares! Um estremeção no topo, e a pirâmide desmorona-se. Mas o LTCM dava aos seus clientes, depois de ter retido para si uma grossa fatia (comissões de 3% e 25% dos lucros), miríficos rendimentos da ordem dos 40%. Com tão chorudos lucros, não faltavam conspícuos banqueiros a emprestar aos especuladores do LTCM. Em Setembro deste ano, com a baixa da cotação dos títulos e obrigações do Tesouro dos EUA, devido ao afluxo de capitais fugidos dos "mercados emergentes" em "busca de qualidade" - a pirâmide estremeceu, esmagando o vértice, e o colapso tornou-se iminente.

Não se pense que os gestores do LTCM eram uns quaisquer aventureiros. Aventureiros sim, mas quaisquer é que não. John Meriwether, um dos sócios da célebre Salomon Brothers, que dela saiu com aura de feiticeiro das finanças, fundou a LTCM e dirigia um "board" que contava com um ex-vice presidente da Reserva Federal, David Mullins, e Myron Sholes e Robert Merton, ambos Nóbeis de Economia em 1997 precisamente pelos seus sábios trabalhos neste domínio, à cabeça de um staff altamente qualificado de matemáticos e outros peritos bolsistas e financeiros. Com tantas sumidades juntas, afinal, em poucos anos se revelaram uns chicos-espertos, vítimas das próprias feitiçarias. "Vítimas" que afinal se safaram muito bem, porque nestes negócios há sempre compadres e padrinhos - todos cúmplices.

O caso era mesmo sério. Os bancos credores eram os nomes mais sonantes da grande finança mundial. Por isso o circunspecto FED - o Banco de Reserva Federal dos EUA, pôs-se de imediato em campo, reuniu a 23 de Setembro a fina-flor financeira, e em poucas horas juntou 3,65 mil milhões de dólares para injectar no doente em coma e salvar o LTCM da falência virtual. O padrinho, os compadres e os chico-espertos puderam respirar de alívio - e continuar com o negócio! Como se justificou o Sr. Greenspan, chairman do FED, perante o Congresso dos EUA, se não se tivesse agido, a bola de neve da falência, além de arrastar as os trutas da banca, poderia "ter arruinado as economias de muitas nações, incluindo a nossa própria" (F.T., 2/10).

Para terminar, duas breves observações. 1ª) Há ainda empresas too big to fail (grandes demais para deixar falir), mas virão (há já!) empresas too big to save (grandes demais para poderem ser salvas) - e aí o caso vai ser mais sério, e quem se lixa é sempre o mexilhão, os povos. 2ª) Quem foi que apontou o dedo acusador àqueles "asiáticos incivilizados", Japão, Coreia & Cª, em que a banca era só mãos largas para os compadres, os negócios não eram transparentes, não se observavam as regras de prudência, não havia controlos independentes, e os dinheiros públicos, via Estado, apadrinhavam (que horror) os privados? Onde não floresce nestes tempos o crony capitalism - o capitalismo dos compadres? — Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1303 - 19.Novembro.1998