"O governo em diálogo"
Anda "o governo em diálogo" país
fora, segundo se diz para se inteirar da realidade nacional.
Intento estranho este, vindo de um governo que, já com três
anos de vida e cheio de vontade de os prolongar ao máximo, era
suposto saber de cor e salteado tudo o que sobre a matéria há
para saber. É claro que a aproximação das eleições há-de
ter muito a ver com esta sede de "diálogo" que se
traduz em uma inauguração aqui, uma promessa de obra acolá, a
confirmação da necessidade de obra acoli ... tudo isto regado,
e bem regado, de bem organizados "banhos de multidão",
de gestos e falas de seriedade cuidadosamente ensaiada, de palmas
e de "vivas" à maneira, enfim, de todos os
ingredientes e condimentos que compõem a postura governamental
em tempo de caça ao voto.
Paralelamente a esta democraticíssima exibição de uso do
poder, a esta popularuchíssima demonstração de capacidade de
"descer ao Povo" - e complementando-as - as sondagens
de opinião prosseguem o papel de pescadinhas de rabo na boca que
lhes está destinado.
"O governo em diálogo" é, assim, o
lema da actual fase da campanha eleitoral do PS a partir do
elenco governamental e, dada a acumulação de experiências e
saberes existente nesta matéria, é de presumir que venha a
assumir profícuos desenvolvimentos.
Assim sendo, e para assegurar que, ao contrário do que é
hábito dizer-se, santos de casa fazem milagres, o Primeiro
Ministro começou por onde devia ter começado, ou seja, pela sua
terra, ou, dizendo com mais rigor, pelo círculo eleitoral que o
há-de eleger. Além disso, e tendo em vista os objectivos
integrais da visita, e confirmando que não brinca em serviço, e
sabendo que homem prevenido vale por dois, fez-se acompanhar pelo
número dois da sua lista...
Tudo correu como estava previsto: o Primeiro Ministro mostrou-se,
simultâneamente, afável, simpático, generoso e modesto.
"Beijou crianças e senhoras idosas", foi cumprimentado
por pessoas que ele não conhece mas que o conheceram miúdo,
"traquinas como não havia outro", e que garantem que
ele era, então, "uma criança muito inteligente" -
enfim, tão predestinado como em tempos nos foi dito que o era
Cavaco Silva. Em paga, distribuiu sorrisos e apertos de mão ao
ritmo a que o Pai Natal distribui as suas prendas, inaugurou
obras, inaugurou a intenção de fazer obras e prometeu.
No rol do inaugurado e do prometido,
contam-se estradas, vias férreas, gases, electrificações ... e
a meticulosidade da operação eleitoralista foi ao ponto de
providenciar para que, uns dias antes da chegada à Covilhã, ter
sido anunciada a Faculdade de Ciências Médicas para aquela
cidade.
É claro que o Primeiro Ministro não andava am campanha
eleitoral, longe dele tal ideia, e quem afirmar o contrário ou
está cheio de más intenções ou não o ouviu em Manteigas, por
exemplo, na cerimónia de apresentação do projecto de
despoluição do Alto Zêzere - obra que se anuncia estar pronta
lá para o ano 2001. Comentando, com o sentido de humor que o
caracteriza,a acusação que o PSD lhe faz de andar a inaugurar,
como se fossem suas, obras feitas pelo governo anterior, o
Primeiro Ministro observou que também ele não sabe se, daqui a
três anos, terá a honra de inaugurar a obra ali acabada de
anunciar ... porque não sabe se nessa altura ainda ocupará o
cargo actual dependente, como toda a gente sabe, dos resultados
das próximas eleições legislativas... "Quem eu garanto
que fará a inauguração são as duas bandas que estão a tocar
lá fora" - rematou, de vertente popular inflamada e cheio
de filarmónica confiança no futuro.
Enquanto isto, as sondagens de opinião
prosseguem a sua científica missão eleitoral. Aliás, as
sondagens são um instrumento eleitoral a tempo inteiro e
permanente , tal como os órgãos de informação (estes através
da inteligenciação analítica produzida por um determinado
núcleo de comentadores políticos devidamente encartados e
credenciados), com os quais formam uma parelha imbatível.
O esquema utilizado é, mais ou menos, este: durante o tempo que
julgarem necessário, esses comentadores políticos dizem ao povo
o que o povo pensa; depois partem os sondageiros a ouvir o povo
dizer-lhes o que pensam os comentadores políticos, e assim se
fecha o ciclo da formação de opinião que se repete e repete e
repete. Esta eficiente parelha dispõe ainda de outras
enormíssimas vantagens: por um lado tem assegurada a ampla
divulgação dos resultados do seu trabalho; por outro lado, para
ela, todo o tempo é tempo de campanha eleitoral. Com efeito, mal
fecham as urnas e se apura o resultado de um escrutínio, já
eles têm não só opinião apurada sobre os resultados do
próximo como a respectiva sondagem pronta a divulgar (e
divulgada) nessa mesma noite, para além de uma série de outras
em carteira para as semanas, os meses, os anos seguintes. Depois
trata-se apenas de irem anunciando os resultados, apresentados
como factos consumados, nas primeiras páginas dos jornais e dos
telejornais, e de perguntar a umas tantas personalidades o que
pensam deles. Assim, por exemplo: "PS ganha maioria
absoluta" (Diário de Notícias de 27.3.98). Ou: "PS
sobe e alcança maioria absoluta" (DN de 27.11.98) - e, no
dia seguinte, o inquérito: "Como explica a subida do PS nas
sondagens?"...
Escreve Jacques Decornoy ("Les sondages, reflet de l'opinion
ou des médias?"): "Quando a informação se quer dar
ares de científica, apoia-se no instrumento pretensamente
matemático das sondagens de opinião", as quais "têm,
pelo menos esta função: mostrar, para além da mitologia de que
são portadoras, que o direito à informação continua por
conquistar".
Está, então, mais uma operação eleitoral
em marcha: "o governo em diálogo" e as "sondagens
de opinião", de braço dado, passeiam-se pelo País,
invadem as casas e as mentes dos eleitores, empurram-nos para a
urna certa...
E a resposta séria a esta lavagem de cérebros está no
despertar nas memórias dos cidadãos outros semelhantes filmes
que eles já viram ; está, em resumo, no apelo ao seu bom senso
e à sua inteligência.