Chile
Grã-Bretanha
retira imunidade a Pinochet
O Comité Judicial da Câmara dos Lordes retirou a imunidade diplomática a Augusto Pinochet. Com três votos contra a protecção a Pinochet e dois a favor, a sentença foi anunciada durante a semana passada e vem abrir as portas à extradição do antigo ditador para Espanha para ser julgado pelos crimes de genocídio, terrorismo e tortura. A última palavra cabe ao ministro do Interior, Jack Straw, que irá revelar a sua decisão até ao próximo dia 11.
A Grã-Bertanha
anulou a imunidade diplomática de Pinochet, concedida no passado
dia 28 de Outubro pelo Alto Tribunal de Justiça. A decisão,
tomada no passado dia 25, foi fruto de uma votação entre os
juízes do Comité Judicial da Câmara dos Lordes, por maioria de
três contra dois.
O lord Johan Steyn, que votou pela retirada da imunidade,
afirmou que «quando Hitler ordenou a solução final a
sua actuação poderia ser considerada como um acto oficial
derivado do exercício das suas funções como chefe de Estado.
Este é o raciocínio a que conduz inexoravelmente o Alto
Tribunal de Justiça. O advogado de Pinochet alegou que esta
conclusão é o resultado inquestionável do que se diz no
estatuto.»
Steyn acrescentou que os próprios advogados do antigo ditador
«expressaram e admitiram correctamente que este tipo de crimes
não pode ser classificado como actos oficiais realizados em
exercício das funções de chefe de Estado».
O próximo passo será dado pelo ministro do Interior. Jack Straw
tem até dia 11 de Dezembro para decidir se Pinochet será
extraditado para Espanha para ser julgado pelos crimes contra a
humanidade de genocídio, terrorismo e tortura.
A Amnistia Internacional pede ao Governo britânico para dizer
simplesmente «que há que iniciar a extradição, em coerência
com a decisão adoptada pelos lordes. Nada mais que isso. Uma
declaração neutra, mas a favor do início do procedimento.»
O medo dos militares chilenos
Até ao dia 11, o
Ministério do Interior receberá documentos de organizações
dos direitos humanos e de representantes do Governo chileno. O
ministro dos Negócios Estrangeiros do Chile, José Miguel
Insulza, já se encontrou com o seu homólogo britânico para
solicitar o regresso de Pinochet ao seu país natal.
«Expliquei-lhe que a próxima etapa do processo de extradição
prevê uma decisão do secretário do Ministério do Interior,
que actuará independentemente de acordo com as suas
responsabilidades legais, e que esta não é uma questão de
discussão colectiva dos ministros. Assegurei ao senhor Insulza
que nem a prisão inicial nem os passos seguintes foram motivados
por razões políticas», declarou Robin Cook, ministro dos
Negócios Estrangeiros britânico.
O Governo chileno encontra-se sob grande pressão das Forças
Armadas e dos partidos de direita. A sua estratégia é mostrar
que Pinochet deve regressar ao Chile pela sua idade e pelo seu
estado de saúde e que poderá ser julgado pelas instâncias
chilenas.
Os militares defendem a posição mais extremista: a ruptura das
relações diplomáticas do Chile com a Grã-Bertanha e a
Espanha, caso Pinochet não seja libertado. No dia do anúncio da
decisão da Câmara dos Lordes, as Forças Armadas chilenas
afirmaram que o levantamento da imunidade provocou «em toda a
família militar uma profunda frustração, indignação e
inquietude».
Inquietude é, de
facto, a melhor palavra para caracterizar o estado de espírito
dos militares. Eduardo Santos, presidente da Comissão de Defesa
do Partido Democrata Cristão, referiu a preocupação que reina
entre alguns chefes e oficiais, em especial entre aqueles que
participaram na Direcção de Inteligência durante a ditadura e
que estiveram implicados nas violações de direitos humanos.
«O que mais os preocupa é não poder sair do país, com medo de
serem detidos. Acreditam que, depois de Pinochet, eles podem ser
os seguintes», afirmou Eduardo Santos.
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Esquerda defende reformas políticas
No sábado, a coligação governamental chilena - composta por partidos de esquerda - recusou a proposta apresentada pela direita de enviar para Londres uma delegação multipartidária liderada pelo presidente do Senado.
Os socialistas só
aceitam o regresso de Pinochet , se forem introduzidas algumas
reformas políticas que transformem o Chile num país plenamente
democrático, nomeadamente com leis que resolvam os problemas dos
direitos humanos.
Para o deputado socialista Juan Pablo Letelier, é fundamental
dar credibilidade à Justiça. «Sempre dissemos que preferimos
que (Pinochet) seja julgado no Chile. Talvez agora nos escutem».
«Quem tem a palavra é a direita. Há que ver a importância que
Pinochet tem para eles. Até agora, a julgar pelo seu
comportamento, queimando bandeiras britânicas e espanholas e
fazendo saudações nazis nas suas manifestações, parece que
vale pouco», acrescentou.
Os apoiantes de Pinochet não têm cessado os protestos contra os
juízes britânicos, envolvendo-se em lutas com os familiares dos
«desaparecidos» durante a ditadura militar. Registe-se ainda
duas ameaças de bomba, ambas falsas, contra a Fundação
Salvador Allende e a sede do Congresso.
Os Estados Unidos são ou não a favor do julgamento dos tiranos como Pinochet? A pergunta está a ser colocada na imprensa norte-americana, em artigos de opinião que sublinham a duplicidade e hipocrisia da Casa Branca sobre a matéria. O
comentarista Alexander Cockburn, escrevendo no Los
Angeles Times, considera que a prisão de Pinochet é um
sinal de que «existe uma lei para as nações poderosas
e outra para as restantes». Garantindo ter saudado a
decisão britânica de não ceitar a impunidade de
Pinochet, Cockburn não deixa de colocar algumas
questões. Também o
director da organização de direitos humanos «Human
Rights Watch», Kenneth Roth, num artigo de opinião no
Washington Post intitulado «Justiça para os tiranos»,
afirma que os Estados Unidos têm sido «ambivalentes
sobre as mudanças que estão a ocorrer na justiça
internacional», sublinhando o facto de o país ser um
dos sete que não apoiou a criação de um tribunal
internacional e que não se manifestou durante o processo
jurídico em Inglaterra envolvendo Pinochet. Como diz Cockburn, «as hipocrisias são demasiado óbvias». |