«A droga é um dos grandes flagelos deste
final de século, um problema que atinge fortemente a
sociedade portuguesa.
A prevenção da toxicodependência implica um vasto e
integrado conjunto de medidas, que passam pela
prevenção, o tratamento, a reinserção social, a
redução de riscos, mas passam também por um decidido
combate ao tráfico de droga e ao branqueamento de
capitais que a ele está ligado.
O negócio da droga, as somas enormes que movimenta, o
poder que daí resulta, são elementos que estimulam a
toxicodependência.
Podemos mesmo dizer que enquanto o tráfico de droga
prosperar, enquanto as organizações criminosas
reforçarem o seu poder, enquanto milhões e milhões de
contos forem branqueados diariamente indo rechear os
cofres de insuspeitas empresas e instituições
financeiras, não haverá progressos significativos neste
combate.
O branqueamento de capitais tem no tráfico de droga uma
das suas principais fontes. Milhares de milhões de
contos oriundos do negócio da droga e de outras
práticas ilícitas, 75 mil milhões de contos anuais,
segundo alguns peritos, entram no circuito legal dos
negócios e tendem a envolver uma parte importante da
economia no mundo da criminalidade.
O branqueamento de capitais é um problema de amplitude
mundial, envolvendo poderosíssimas organizações
criminosas que, com as actividades e dinheiro ilícitos
minam e se interligam com o sistema económico e
financeiro e com o poder económico e político, fomentam
a corrupção, põem em causa a soberania e
independência dos Estados e comprometem a própria
democracia.
O combate efectivo ao branqueamento de capitais é uma
das formas mais eficazes de atacar o tráfico, uma vez
que não se limita à apreensão desta ou daquela
quantidade de droga, atinge os traficantes e todos
aqueles que beneficiam do tráfico naquilo que mais lhes
dói, nos seus lucros e patrimónios ilícitos, atinge o
coração do tráfico e dos interesses que dele resultam,
reduzindo e liquidando o poder económico dos indivíduos
e das organizações criminosas.
A dimensão que atingiu o tráfico de droga e o
branqueamento de capitais não acontece por acaso. A
desregulamentação e liberalização da economia e das
actividades financeiras, dominantes no mundo actual, os
paraísos fiscais, a crescente sofisticação das
técnicas e a mundialização do branqueamento, a falta
de vontade política e a insuficiência da legislação
em muitos países, têm facilitado estas práticas
criminosas e dificultam a acção para a sua prevenção
e combate.»
Poucos
processos
... e menos condenações
«O combate ao
branqueamento de capitais, cuja criminalização foi
consagrada na legislação de muitos países, incluindo
na portuguesa, tem vindo a ganhar apoios, mas sem que se
verifique uma alteração efectiva da situação.
Em Portugal a legislação foi aprovada há cinco anos e
os resultados até agora são mínimos, poucos processos,
25 até agora, e ainda menos condenações, até Março
deste ano havia apenas uma detenção e os valores
confiscados são pouco significativos. Entretanto muitos
elementos apontam para a existência de um grave problema
de branqueamento no nosso país, existindo estimativas
que apontam para um valor anual superior a 100 milhões
de contos, e apontam também para a previsão do seu
agravamento futuro, nomeadamente com a progressiva
eliminação de fronteiras e a introdução do Euro.
Esta situação de prática impunidade não pode
continuar! É preciso fazer alguma coisa mais.
No prosseguimento da intervenção do PCP, a iniciativa
que hoje promovemos é mais um alerta para este problema
e para a necessidade de dar eficácia ao seu combate.
Apresentamos hoje a
Brochura que reúne as intervenções e contribuições,
do Fórum "Droga, Branqueamento de capitais em
questão", que o PCP realizou em Maio passado
com uma importante participação nacional e
internacional.
Esta Brochura, passa a ser uma das poucas edições sobre
o branqueamento de capitais disponíveis no nosso país e
integra abordagens e informações que permitem conhecer
melhor este problema e são um elemento útil para
aprofundar a reflexão sobre as formas de o enfrentar.
Queremos mais uma vez agradecer a disponibilidade
manifestada por entidades, técnicos e especialistas que
enriqueceram o Fórum com as suas intervenções e deram
consentimento á publicação das respectivas
contribuições.
O Fórum levantou um conjunto de pistas, que foram
também abordadas em encontros que mantivemos com várias
estruturas e entidades.
É assim, no seguimento
deste trabalho e no momento em que está a decorrer a
Semana Europeia de Prevenção das Drogas e da
Toxicodependência, que o PCP entendeu oportuno
apresentar algumas ideias para levar mais longe este
combate.
Propomos a criação do
Programa Nacional de Prevenção e Combate ao
Branqueamento de Capitais. Há legislação embora
insuficiente, existem responsabilidades atribuídas a
várias entidades, mas não tem havido e não há uma
abordagem global, integrada e avaliada nesta área. A
proposta de criação do Programa que agora apresentamos,
pode permitir uma visão de conjunto, articulada, na
definição de objectivos, na coordenação, no
acompanhamento e na avaliação dos resultados, pode
criar condições para um novo patamar de maior
coerência e eficácia na prevenção e combate ao
branqueamento de capitais.
Mas, além da criação do Programa, propomos também
como contributo do PCP para este programa, num processo
de elaboração que pensamos deve ter uma participação
alargada, um conjunto de medidas integradas em quatro
linhas de orientação visando:
- o alargamento da aplicação das normas sobre a
prevenção, criminalização e repressão do
branqueamento e o reforço da cooperação internacional;
- a adopção de mecanismos de regulamentação,
controlo, transparência e fiscalização das actividades
financeiras;
- o aperfeiçoamento da legislação portuguesa;
- o aprofundamento da acção e reforço das estruturas,
meios e eficácia das entidades que têm a seu cargo a
responsabilidade da prevenção e combate ao
branqueamento de capitais.»
Controlar
e promover a transparência
«Do
vasto conjunto de propostas destacam-se:
Defender
a participação activa do Estado Português nos
esforços das Nações Unidas para alargar ao
conjunto dos países, a aplicação da
criminalização do branqueamento de capitais,
oriundo do tráfico de droga e de outras
actividades ilícitas;
Reforçar
a cooperação entre as magistraturas, dos
vários países, designadamente com a criação
de mecanismos que permitam a ligação directa
entre magistrados;
Regulamentar,
controlar e promover a transparência e a
fiscalização das actividades financeiras, em
particular: o controlo e taxação de todos os
movimentos de capitais, nomeadamente no que
respeita às operações financeiras de curto
prazo; o desmantelamento dos paraísos
fiscais/"off-shore"; a adopção de
medidas especiais de controlo, fiscalização e
taxação enquanto não for possível o seu
desmantelamento; a proibição das empresas,
serviços e institutos públicos ou de capitais
públicos, de actuarem a partir dos paraísos
fiscais e proibição de contratos ou negócios
com o Estado ou outras entidades públicas por
parte das entidades sediadas ou com escritórios
nos paraísos fiscais; eliminação do acesso a
subsídios, benefícios fiscais ou qualquer outro
tipo de incentivos públicos a empresas que
realizem operações em "off-shore";
Aprovar
legislação de controlo dos bancos on-line, bem
como de outras formas de armazenamento,
processamento, transacção ou emissão de
valores em suportes electrónicos, incluindo
os cartões inteligentes, que tendem a processar
dinheiro ou unidades recuperáveis de valor, fora
do sistema financeiro tradicional;
Criar
mecanismos de registo eficaz e verificável de
bens, nomeadamente a integração dos
títulos ao portador no sistema escritural, com a
obrigação do registo ou depósito das acções,
de modo a tornar transparente e detectável a sua
posse, e a permitir a respectiva tributação;
Reforçar
o combate ás fraudes fiscais, designadamente
com a criminalização da fraude fiscal nos casos
em que esta atinja um montante significativo de
impostos, com práticas ou omissões
fraudulentas, prevendo a aplicação de penas de
prisão e multas até ao décuplo dos impostos
iludidos e o levantamento do segredo bancário
também em matéria fiscal;
Aperfeiçoar
a legislação, particularmente a destinada á
detecção, congelamento, arresto e confiscação
dos patrimónios ilegais (bens mobiliários e
imobiliários), nomeadamente prevendo a perda
a favor do Estado, dos bens de membros de
associações criminosas ligadas ao tráfico de
droga e/ou ao branqueamento de capitais, sobre
os quais haja, fundada suspeita de resultarem de
actividade criminosa e de que não seja provada a
origem lícita.
Alargar
ao branqueamento de capitais a moldura penal
agravada, já prevista para membros de
associações criminosas que se dedicam ao
tráfico de droga.
Melhorar
a definição do que é branqueamento de capitais
e alargar o elenco dos crimes primários
enunciados no Dec. Lei Nº 325/95 de 2/12,
designadamente ao tráfico de pessoas, tráfico
de órgãos e tecidos humanos, pornografia
envolvendo menores, tráfico de espécies
protegidas e do tráfico de produtos nucleares;
Alargar
a outras entidades, designadamente às que
intervenham como intermediárias de negócios
envolvendo montantes elevados (casas de
câmbio, advogados, conservadores, etc), os
deveres de comunicação ou notificação na
base da adopção de disposições legislativas,
administrativas e de autoregulação adequadas a
que essa abrangência seja inequívoca;
Alargar
o prazo de duração da suspensão de operações
bancárias suspeitas, previsto no Artigo 11º
do Dec. Lei 313/93 de 15/9;
Consagrar
a possibilidade de o recurso sobre a
decisão do juiz de primeira instância, relativa
ao levantamento do segredo bancário, não ter
efeito suspensivo dessa decisão;
Criar
uma estrutura de coordenação e avaliação da
prevenção e combate do branqueamento de
capitais envolvendo as entidades de supervisão e
controlo e as estruturas da área da
investigação e da justiça (Banco de
Portugal, Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários-CMVM-, Instituto dos Seguros de
Portugal, Inspecção Geral de Jogos, Inspecção
Geral das Actividades Económicas,
Administração Fiscal, Procuradoria Geral da
República, Polícia Judiciária).
Criar
um organismo independente encarregado de
controlar, as actividades financeiras, nomeadamente
as transferências entre instituições
financeiras, as transferências electrónicas de
e para off-shores e entre off-shores que passam
pelo nosso país, com a possibilidade de acesso
ás estruturas informáticas das instituições
financeiras sempre que for necessário proceder a
investigações;
Aprovar
medidas especiais, relativas ao branqueamento de
capitais, no âmbito da introdução do Euro;
Utilizar
eficientemente os meios colocados á disposição
do Ministério Público e da Polícia Judiciária
optimizando estruturas, capacidades técnicas e
humanas, e concretizar o seu anunciado reforço,
de modo a garantir uma investigação eficaz dos
grandes canais, processos e acções de
branqueamento de capitais, aos quais deve ser
dada uma atenção prioritária.
Concretizar
as medidas de formação específica das
magistraturas nesta área.
Estabelecer
a obrigatoriedade de uma informação anual à
Assembleia da República sobre a situação
em matéria de branqueamento de capitais e as
medidas tomadas para a prevenção e combate a
este fenómeno da responsabilidade das
entidades de fiscalização, supervisão,
controlo, investigação e combate ao
branqueamento nas várias áreas de intervenção.»
_____
Êxito
depende da vontade política
«No
âmbito da sua acção política e em iniciativas
legislativas o PCP formalizará estas orientações e
propostas, com o objectivo de prevenir a
criminalização da economia e do sistema financeiro,
combater o narcotráfico, fazer recuar a
toxicodependência e para defender a própria democracia.
A concretização da resposta política que a
dimensão do problema do branqueamento de capitais e a
perspectiva do seu agravamento impõem, exige
orientações, iniciativas e medidas ajustadas, mas
depende acima de tudo da vontade política.
No mundo de hoje o salto qualitativo que se impõe
para combater o tráfico de droga e o branqueamento de
capitais implica profundas alterações no sentido de uma
nova e mais justa ordem internacional.
A promoção da actividade produtiva, o controlo,
redução e reorientação socialmente útil do capital
especulativo, o aprofundamento da democracia e da
participação popular, o combate contra o pensamento
único, são elementos essenciais nesta direcção.
O êxito na luta contra o tráfico de droga e o
branqueamento de capitais depende igualmente da
capacidade e vontade internacional, na promoção duma
política de cooperação efectiva com os países menos
desenvolvidos, que passe por uma economia de
substituição e controlo da cultura de plantas base de
produção de estupefacientes, pela implementação de
planos de desenvolvimento sustentável, que lhes
permita romper o ciclo da pobreza e subdesenvolvimento, e
pela anulação da dívida externa, autêntico garrote ao
seu progresso económico e social.
O PCP pioneiro na abordagem da prevenção do
branqueamento de capitais no nosso país, tem intervido
regularmente sobre esta questão. Dessa intervenção
destacamos, este ano, além do Fórum Droga:
Branqueamento de capitais em questão e da iniciativa
para a criação do Programa Nacional de Prevenção e
Combate ao Branqueamento de Capitais agora divulgada,
a proposta de uma Audição Parlamentar com entidades e
especialistas sobre o branqueamento de capitais, que já
foi aprovada pela Assembleia da República. Audição
cuja rápida concretização é de grande importância
para, passados cinco anos sobre a legislação relativa
à criminalização do branqueamento de capitais,
permitir um mais profundo conhecimento da situação e da
resposta necessária.
Queremos aqui anunciar também a realização de uma reunião
do Grupo Unitário da Esquerda Europeia/Esquerda Verde
Nórdica, aberta à participação de outros deputados,
consagrada à análise da situação, ao reforço da
cooperação entre os vários países e à consideração
de propostas a apresentar, para o combate ao
branqueamento de capitais, em particular ás
associações criminosas.
O PCP continuará a assumir as suas responsabilidades,
contribuindo para um mais profundo conhecimento destes
problemas, criticando, apontando caminhos e propondo
medidas para prevenir e combater a droga e o
branqueamento de capitais, no quadro da luta por uma nova
e mais justa ordem internacional e por uma alternativa
global de sociedade.
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