A TALHE DE FOICE
Beduínos
Ao que parece, a grande notícia dos
últimos dias é a da série de fusões de gradessíssimas
empresas, não apenas do sector petrolífero mas também no
sector químico e afins. Os casamentos são muitos e todos de
espavento. A Exxon e a Mobil juntam os trapinhos, a Petrofina
leva a Total para casa, a Hoechst e a Rhône-Poulenc vão ao
altar em Aventis, na França.
Os dotes que cada uma das mega-empresas leva para a megafusão é
considerável e conta-se em milhares de milhões. A Exxon,
petrolífera norte-americana, que já era a primeira no país do
Tio Sam, leva a Mobil por 76,2 mil milhões de dólares - em
escudos a coisa ficou-lhe por mais de 13 mil milhões de contos;
a Total, que adquiriu a Petrofina, funda nova família, a Total
Fina, com um futuro feliz à sua frente, prevendo-se que realize
vendas superiores a 52 mil milhões de dólares, cerca de 9 mil
milhões de contos.
Tudo em grande, com números impressionantes.
A «nova» Exxon Mobil Corp ficará à frente das maiores
petrolíferas do mundo, e uma capitalização bolsista de mais de
42 mil milhões de contos. A Total Fina passa a constituir o
sexto maior grupo petrolífero do mundo e a liderar as outras
famílias francesas do ramo, ultrapassando a Elf Aquitaine que
também se dizia pretendente ao casório com a Petrofina. A
capitalização bolsista da «nova» Total Fina aproxima-se dos 8
mil milhões de contos.
Estes números são
uma alegria, mas parece não encantarem as bolsas da generalidade
dos países. Após sete semanas de subidas, a Wall Street
recomeçou a escorregar e, na segunda-feira passada, o índice
Dow Jones perdeu nada menos de 2,3 por cento. Abaladas, as suas
manas tropeçaram. Frankfurt desceu logo 4,95 por cento e o
desgosto espalhou-se - Paris registou uma descida de 4,03 por
cento; Madrid, 3,17; Londres, 3,6; Hong Kong, 4,1 por cento. Em
Lisboa, o feriado atrasou a consternação.
Mas nada impede, por enquanto, o são optimismo do capital, pelo
menos em declarações dos seus representantes, que afirmam
tratar-se de «uma correcção salutar», derivada do «senso
comum» dos investidores.
Na avassaladora
felicidade dos números que, no caso das megafusões, aponta para
o engrandecimento do capital e atira a «sã concorrência» às
urtigas, provando que a concorrer se vai ao longe na
concentração de poder, outros números quase desaparecem na
euforia. São os números dos desempregados que a concentração
provoca.
Se a concentração dá a ganhar ao capital - por exemplo a Exxon
e a Mobil vão poupar quase 500 milhões de contos em custos - os
trabalhadores vêem a coisa feia. Embora se anuncie que o
«novo» grupo passará a ser o «maior empregador do sector» -
quase 123 mil pessoas em todo o mundo - a novidade custará cerca
de 9 mil postos de trabalho. Uma verdadeira poupança, dirão os
investidores. Os trabalhadores, esses...
O mundo transforma-se. Fica mais global e «limpo». Em breve parecerá um asséptico deserto, com alguns oásis onde os beduínos do capital levam o seu gado a beber. Quando se esgotam ali as pastagens, levanta-se a tenda. Distribuem-se umas gorgetas aos guardas, vestidos com o rigor dos ministros. E ala para novo oásis onde outros ministros os aguardam com mais benesses e frescuras. Assim têm feito em Portugal grandes empresas sem pátria, arrecadando fundos para montarem as tendas, sugando com pressa o trabalho nacional até surgirem melhores condições «políticas e laborais» noutros jardins.
São assim os beduínos do capital. Para eles, os trabalhadores são menos importantes que os camelos. Leandro Martins