Preço europeu


A comunicação adoptada na semana passada pela Comissão Europeia a respeito do mercado único dos produtos farmacêuticos constitui uma matéria que, pelos seus impactos sociais e económicos, necessita de ser acompanhada com a máxima atenção.
Sobre a indústria farmacêutica europeia importa referir que ela representa cerca de 40% da produção mundial e uma facturação anual de cerca de 18 mil milhões de contos.E que um reduzido número de multinacionais, entre as quais se encontram algumas das empresas mais lucrativas do mundo,dividem entre si e controlam o grosso deste negócio.

Culminando os porfiados esforços que o comissário europeu sr. Bangemann tem vindo a desenvolver nos últimos anos -- recorde-se a realização de "mesas redondas" em Dezembro de 1996 e de 1997 entre os Estados membros da União Europeia e os representantes da própria indústria e o anúncio de uma terceira "mesa redonda" para o próximo dia 7 de Dezembro em Paris – o passo que a Comissão Europeia veio agora dar com a sua comunicação significa que a tentativa de imposição de uma convergência dos preços dos produtos farmacêuticos no mercado único entrou na ordem do dia.
O documento da Comissão Europeia reconhece que "é inegável que a estratégia (de controle dos preços) aplicada até agora permitiu à União Europeia assegurar à sua população um nível de protecção elevado, tanto no plano social como no da saúde" . Mas logo de seguida assume abertamente os interesses das multinacionais ao afirmar que "é pouco provável que o facto de deixar agora a situação evoluir livremente (sic!) seja suficiente para restabelecer a competitividade do sector farmacêutico europeu no plano mundial ". E não deixar a situação evoluir " livremente" significa, numa primeira fase , em distinguir os diferentes segmentos do "mercado" e em começar pelos "sectores propícios à convergência de preços", como o dos produtos farmacêuticos de "venda livre" ou o dos genéricos...

É evidente que quando as multinacionais falam no " mercado único dos produtos farmacêuticos " e na "convergência dos preços", o que elas têm em vista não é alinharem os preços praticados nos diversos países pelo nível mais baixo, mas sim imporem os valores mais elevados. É para a concretização desse propósito que necessitam aliás de desarticular os sistemas públicos de controle dos preços dos medicamentos existentes na maioria dos países europeus.
Sem dificuldade se poderá imaginar, por exemplo, o impacto desta orientação num país como Portugal , onde os preços dos medicamentos se situam cerca de 30 pontos abaixo da média dos países da União Europeia (apesar de, mesmo assim, serem lucrativos para a indústria...).

Não é significativo que a Comissão Europeia "ignore" que as diferenças sensíveis dos preços dos medicamentos nos diferentes países resultam fundamentalmente dos diferentes padrões de vida neles existentes? E que mande às malvas o "princípio da subsidariedade" quando se trata de promover os interesses das multinacionais? — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1305 - 3.Dezembro.1998