O "trabalho" no poder


Sabemos, porque disso fomos informados aqui há tempos, que Belmiro de Azevedo é um autêntico mouro de trabalho. Para ele não há fins de semana, nem férias, nem outros tempos livres: o tempo todo da sua vida, exceptuando as poucas horas de sono a que se condena, é dedicado a trabalhar, a trabalhar, a trabalhar. Foi graças a essa vocação laboral que o patrão da Sonae logrou posicionar-se em 154º lugar no ranking das maiores fortunas mundiais e há-de ser devido à quase generalizada calanzice planetária que o fosso entre ricos e pobres cresce todos os dias em Portugal e no Mundo e que, todos os anos, dezenas de milhões de pessoas morrem de fome e centenas de milhões vivem em condições sub-humanas. Ou seja: se todos esses milhões seguissem o nobre exemplo de trabalho e suor protagonizado por Belmiro também eles ocupariam lugares destacados no tal ranking e veríamos concretizado, na Terra, o Paraíso de abastanças e bem aventuranças que depois da morte nos está garantido, no Céu, se formos bem comportados.

Tomando Belmiro como referência exemplar, forçoso é concluir que as fortunas existentes por esse mundo fora estão na proporção directa do trabalho desenvolvido pelos seus possuidores. E se a isto somarmos esta outra realidade que é a de os detentores de tais fortunas serem, de facto, os donos do poder - cada um no seu país de origem e todos no Mundo - é caso para dizer que a palavra de ordem "o trabalho ao poder!" se encontra plenamente concretizada...
Ora, como quem tem o poder é quem manda, Belmiro e os seus colegas de ranking mandam. E como quem manda por ter poder fá-lo, em regra, de forma arrogante, autoritária e insolente eis-nos condenados às chibatadas constantes dos donos disto tudo em geral e de Belmiro em particular.

Estamos lembrados da arrogância insolente com que Belmiro tratou a Assembleia da República, aqui há uns meses, quando se tratava de averiguar presumíveis favorecimentos especiais concedidos pelo governo de Guterres no âmbito do processo de privatizações. Lembramo-nos também de que na altura Belmiro se afirmou conhecedor de favorecimentos semelhantes praticados pelo governo de Cavaco Silva. Chamado a esclarecer a Comissão Parlamentar sobre o que disse que sabia, o patrão da Sonae recusou deslocar-se à Assembleia da República, alegando que, afinal, não sabia o que disse que sabia. E face à desfaçatez da Comissão em insistir na sua presença (chegando nesmo ao cúmulo, vejam bem!, de marcar o encontro para o dia 2 de Dezembro), Belmiro "volta a dar tampa aos deputados" alegando outros compromissos já assumidos para esse dia. No entanto, num gesto de boa vontade à sua maneira, propôs que a reunião - que não passa de uma "formalidade inútil" visto que ele não sabe nada sobre o que disse saber tudo - se fizesse no dia seguinte de manhã cedo ... porque é seu hábito começar a trabalhar "às oito da manhã" e porque tem de regressar "ao Porto no avião das 11horas".

Eis o poder do "trabalho" no poder: eis o poder a marcar a hora para aos quesitos dizer nada. — José Casanova


«Avante!» Nº 1305 - 3.Dezembro.1998