TERCEIRA VIA
de Blair


O livro de Tony Blair acerca da Terceira Via está na "berra". E naturalmente li-o com todo o interesse, que foi sendo inversamente proporcional ao avanço na leitura. Na verdade chega-se ao fim do livro e fica-se com a sensação de um enorme vazio. Direi que a sensação é a de se estar a ler páginas de um homem que faz de conta que enfrenta o mundo actual, fala de alguns problemas, mas no fundo quer que tudo fique mais ou menos como está.
Que é para Tony Blair a Terceira Via? Uma série de lugares comuns do género... " uma social democracia modernizada, apaixonada no seu compromisso com a justiça social... mas flexível, inovadora, com visão de futuro... com democracia, liberdade, justiça, compromisso mútuo e internacionalismo... para transcender a velha esquerda "."...não é uma intenção de assinalar as diferenças entre a direita e a esquerda... ". Ocupa-se dos valores tradicionais de um mundo que mudou... constitui uma terceira opção dentro da própria esquerda..."
Com ideias e formulações como estas até os liberais mais liberais as podiam assinar de olhos fechados. Na verdade , conceitos como justiça, liberdade, democracia, compromisso, naturalmente valem muito e não valem nada. Valem muito se têm por baixo outros elementos que os integram, como sejam os elementos socio-económicos onde assentam.

Quando se fala de democracia fala-se de um valor em si mesmo, mas esse valor pode ter por base muitos outros. A democracia, no final deste século, deve ter conteúdo social, económico, cultural e político. Não se opõe à democracia representativa, mas o seu aprofundamento deve dar aos cidadãos a possibilidade de a exercerem naqueles níveis. Sobre esta matéria Blair não diz palavra. Umas tantas preocupações, bem menores que as de um qualquer dirigente de uma associação de beneficência.
Blair defende que " os mecanismos do mercado são essenciais para cumprir os seus desígnios políticos e que " o zelo empresarial promove a justiça social "...e "as novas tecnologias representam uma nova oportunidade". Que dizer deste maravilhoso mundo de fadas? Na verdade são os mecanismos de mercados, tal como existem, responsáveis pela crise brutal que vive a Humanidade e o Planeta. É a crise provocada pelo sistema capitalista incapaz de resolver os mais simples problemas humanos como sejam o da nutrição e o da saúde, problemas que não existem para a Terceira Via.
Blair está feliz com o mundo actual. Defende-o habilidosamente e receita algumas aspirinas para aliviar tensões em sectores que sofrem de doença aguda. Quanto ao resto é a favor do mercado único, da moeda única, da supranacionalidade, do emprego precário, da flexibilidade, da globalização, do alargamento da NATO, das forças rápidas de intervenção, da UEO, dos subsídios ao sector privado, das privatizações e de todo o rol de medidas que têm seguramente o apoio do grande capital transnacional, que são responsáveis da crise actual.

O livro é uma enorme "chachada" envernizada pelo poder dos "mass media". As poucas ideias que ressaltam são ideias de direita que Blair pretende integrar na " esquerda". O livro representa um novo passo para a direita no Partido Trabalhista. Com esta política em Londres ou noutras capitais europeias , os povos, os cidadãos terão ainda mais dificuldades em optar, pois, entre o cinzentão e o muito cinzento que diferença há? Os sociais-democratas, devido à existência da URSS, de fortes sindicatos e influentes partidos comunistas, ajudaram a criar o Estado Providência , que a Terceira Via quer hoje desmantelar.

O livro é um ajuste de contas dentro do trabalhismo inglês e da Internacional Socialista. A Terceira Via pretende enterrar componentes de esquerda da Internacional Socialista e encetar um novo caminho mais centrista. Segundo Blair a caminho do Partido Democrático dos EUA... pare ele só há uma política e dois protagonistas: a Terceira Via e os liberais. É um modo para aproximar a Europa dos EUA e reduzir o espectro político ao bipartidarismo, deixando os cidadãos e os povos mais pobres nas suas opções. Blair ao cabo e ao resto está já muito perto do Partido Democrático dos EUA. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1305 - 3.Dezembro.1998