Ciência
& Tecnologia
Clarificar
o que é público
Na quarta-feira passada, em nota à comunicação social (que a seguir se transcreve), a Comissão para as Questões da Ciência e da Tecnologia do PCP, considerou «inaceitável» o pacote legislativo para a Ciência & Tecnologia e afirma que o Governo está a chamar a si «matéria de grande transcendência» que deveria ser debatida e aprovada pela própria Assembleia da República.
Com o considerável
atraso de cerca de um ano sobre os compromissos assumidos
publicamente pelo Governo, o Ministério da Ciência e da
Tecnologia tornou público um pacote legislativo incidindo sobre
matérias fundamentais do sistema científico e tecnológico
nacional.
Infelizmente a demora não jogou a favor da adequação à
realidade dos projectos de decreto-lei apresentados e da
qualidade que lhes era exigível à luz das necessidades de
desenvolvimento de um sector que é estratégico para o futuro do
país.
Nos projectos do Ministério da Ciência e da Tecnologia,
prevalece um figurino neoliberal em relação às instituições
de investigação e ao seu financiamento. É favorecida a
promiscuidade entre as instituições públicas e as privadas. E
a instabilidade e o trabalho sem direitos são erguidos em
verdadeiros critérios de gestão dos recursos humanos.
O interesse e a oportunidade de um diálogo com os investigadores
e com as instituições, como condição prévia para a
aprovação de um pacote legislativo com implicações tão
profundas no sector, esvaem-se na recusa oficial de conceder um
mínimo de tempo para o debate público. E a apressada
"consulta" formal às organizações sindicais não
disfarça a indisponibilidade para a desejável confrontação de
ideias, num quadro mais amplo do que o do limitado círculo
ministerial.
Instituições de investigação
Ao pretender
legislar por decreto-lei em relação ao regime jurídico das
instituições de investigação, o Governo chama a si uma
matéria de grande transcendência que haveria todo o interesse
em ver debatida e aprovada pela própria Assembleia da
República. Recorde-se que era esse, aliás, o entendimento que o
próprio Governo tinha, há dois anos, quando informou a
Assembleia de que no ano seguinte iria propor a "revisão da
Lei n.º 91/98 sobre Investigação Científica e Desenvolvimento
Tecnológico" e apresentar uma "proposta de lei sobre
Laboratórios do Estado".
Acresce que o projecto de decreto-lei sobre o regime jurídico
das instituições de investigação, pelo seu propósito
uniformizador do ponto de vista organizativo e pelo seu
esquematismo jurídico, se revela profundamente inadequado em
relação à realidade, complexa e multifacetada, e às
necessidades de desenvolvimento, do sistema científico e
tecnológico nacional. Se for levado por diante poderá
transformar-se, a curto prazo, numa autêntica camisa de forças.
Suscita também fundadas dúvidas a abrangência do projecto de
diploma, quer pela diversidade das instituições que pretende
abarcar, quer por colocar as instituições públicas de
investigação e as instituições particulares num plano de
igualdade, dessa forma abrindo caminho para o financiamento
público "normal" das actividades de investigação
desenvolvidas no domínio privado.
Não se ignora que entre as instituições particulares há
muitas IPSFLs que possuem de facto natureza pública. Mas quando
seria de esperar, por parte do Ministério da Ciência e da
Tecnologia, uma política de clarificação da situação herdada
de governos anteriores e de assunção das responsabilidades do
Estado, assiste-se a um processo de sentido inverso, de
consolidação de uma situação que nasceu no essencial como uma
solução de recurso para contornar dificuldades resultantes da
má gestão do sistema e que deu origem a uma erupção sui
generis de entidades para-públicas, com muitos
inconvenientes.
Por isso se defende, ao contrário do que faz o projecto de
decreto-lei do Governo, a necessidade de ser clarificado o que é
público e o que não o é, e de ser regulado aquilo que é
público pela via legislativa adequada, consagrando-o com a
vocação e o destino que esse carácter público
inalienavelmente lhe confere.
Carreira de investigação
Quanto aos projectos
de decreto-lei relativos ao estatuto da carreira de
investigação científica e ao estatuto do bolseiro de
investigação científica, são de sublinhar duas reclamações
prévias. A primeira, quanto ao carácter absolutamente
imperativo do debate público e com tempo suficiente destes
projectos, pelo conjunto das suas implicações científicas e
profissionais. E a segunda, a necessidade de ser congelada
qualquer definição legislativa do estatuto da carreira de
investigação, até que seja ultimada a negociação do estatuto
da carreira docente universitária, actualmente em curso, pelo
risco de se poder verificar um afastamento destas carreiras
quando importa assegurar a sua aproximação.
Em relação ao estatuto da carreira de investigação
científica e sem prejuízo de ulterior e mais detalhada
apreciação, são de destacar algumas modificações de fundo em
relação ao estatuto actual que nem correspondem a aspirações
dos investigadores nem a necessidades da actividade das
instituições de investigação. É o caso da supressão das
categorias de formação da carreira, de estagiário e de
assistente de investigação. É a figura de habilitação, tal
como é definida, e que não responde às expectativas dos
investigadores que se veriam obrigados a uma segunda
apresentação de um programa de investigação original e de
concepção pessoal. São também as medidas transitórias e os
processos de recrutamento propostos, que configuram uma
situação de dois pesos e duas medidas, para quem já se
encontra na carreira e para quem chega de novo, potencialmente
geradora de conflitualidade e injustiças. E é ainda a não
consagração de quadros circulares, com dotações globais e
não por categorias, que representa um retrocesso em relação ao
que já é praticado em algumas instituições.
Discussão parlamentar
A Comissão para as
Questões da Ciência e da Tecnologia do PCP manifesta, por
último, o seu interesse e disponibilidade para contribuir para
um alargado processo de debate em torno dos problemas do sistema
científico e tecnológico nacional e dos decretos-lei anunciados
pelo Governo.
E torna público o propósito do PCP, caso o Conselho de
Ministros precipite a aprovação desses decretos-lei sem o seu
prévio e efectivo debate público, de chamar esses diplomas à
apreciação por parte da Assembleia da República.