anos
da Declaração Universal
dos Direitos do Homem

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Portugal,
o mais pobre da Europa
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A «Década para a Erradicação da Pobreza» (1997-2006), proclamada pelas Nações Unidas, leva já dois anos de vida. Os resultados, se existem, serão ainda incipientes para deles se fazerem manchetes de jornais. O que existe e é incontornável é o facto de, no virar do milénio, quando a riqueza do mundo chega e sobeja para uma vida digna para todos, subsistir essa indignidade que é a pobreza.

Portugal não escapa à regra. Numa altura em que empresários de venda a retalho ganham o duvidoso "mérito" de integrar a lista dos mais ricos do mundo, o País continua a ser o mais pobre da União Europeia.

Primeiro foi o «oásis» laranja, depois o «paraíso» rosa. Os governantes portugueses têm pendor para se autopromoverem com a manipulação dos números e a apresentarem como factos consumados previsões estribadas na mais pura demagogia. Nos anos 80, por exemplo, não havia discurso que não garantisse a saúde da economia e a justeza da política social que estaria a esbater as diferenças entre ricos e pobres e a debelar de vez a pobreza em Portugal. Acreditou quem quis ou quem pôde.
As fracas vozes dos especialistas na matéria dizendo o contrário foram abafadas, e os que não se deixaram iludir com as miragens do oásis ou do paraíso apontados como inimigos da modernidade.
Como quase sempre sucede, a realidade acabou por se impor. Os dados comparativos entre 1980 e 1995 revelam que não só não se esbateram as desigualdades sociais como, pelo contrário, se aprofundaram. Os ricos continuaram a enriquecer e os pobres, que representam um terço da população, estão cada vez mais pobres.
A tendência nacional reflecte o que se passa a nível internacional, e nem outra coisa seria de se esperar. Submetido às políticas da globalização da economia e sem nenhuma varinha de condão para consumo interno, a Portugal resta sofrer as consequências do que se decide em Bruxelas, Bona ou Washington.
Segundo um relatório do PNUD divulgado em finais de 1997 - suficientemente optimista para afirmar que até ao final do século três a quatro mil milhões de pessoas melhorarão o seu nível de vida, e entre quatro a cinco mil milhões passarão a ter acesso aos serviços básicos de saúde e educação - entre 1987 e 1993 aumentou em cerca de cem milhões o número de pessoas que «vive» com menos de 180$00 por dia, perfazendo um total de 1,3 mil milhões.
O que significa, nestas condições, melhorar o nível de vida? Que os 1,3 mil milhões vão passar a receber 200$00 escudos por dia?
Não é nossa intenção fazer humor negro com a vida humana, mas torna-se inevitável questionar os pseudo-defensores dos Direitos do Homem que do alto da sua crescente riqueza se congratulam com as migalhas que deixam cair da farta mesa.

Em Portugal, segundo um estudo realizado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), a proporção entre o rendimento dos dez por cento mais ricos e igual percentagem dos mais pobres era, em 1980, de 7,813. Dez anos depois, as migalhas tinham conseguido a proeza de fazer baixar essa percentagem para 7,324. O sol foi de pouca dura: em 1995, já em pleno consulado do «paraíso» rosa, a proporção passou para uns brutais 9,2.

Se se restringir a comparação aos cinco mais ricos e aos cinco mais pobres a diferença é ainda mais gritante: 10,857 em 1990, e 14,5 em 1995.

De acordo com o estudo do CIES, a metade da população com os rendimentos mais baixos cabia, em 1980, 28,4 por cento do rendimento líquido disponível; uma década depois, esse valor «ascendia» aos 29 por cento; em 1995, não ía além dos 26,8 por cento.

Enquanto isso, os ricos progrediam: em 1990, os dez por cento mais ricos arrecadavam 24,9 por cento do rendimento líquido disponível, e em 1995 já tinham chegado aos 27,6 por cento.

A conclusão é paradigmática da situação que vivemos em termos de Direitos do Homem: os dez por cento mais ricos dispõem de um rendimento superior aos dos 50 por cento dos mais pobres.

Na cauda da Europa

Com uma «progressão» tão exemplar não espanta que Portugal continue afincadamente na cauda dos seus parceiros europeus. Segundo dados de 1994 divulgados pelo Eurostat, o organismo de estatísticas da União Europeia, Portugal constava em último lugar entre os doze Estados-membros que então constituiam a UE. E isto apesar de, como refere o Eurostat, «o limiar pelo qual a pobreza é medida (cerca de 41 mil escudos mensais) ser extremamente baixo».
O estudo do CIES revela ainda que a maioria dos pobres portugueses é constituída por idosos, camponeses e assalariados agrícolas, assalariados da indústria e dos serviços menos qualificados.

Um outro dado, tão curioso quanto significativo, revela que 37,9 por cento dos pobres portugueses são empregados ou trabalhadores por conta própria. Em Portugal nem é preciso estar desempregado para se ser pobre!
O desemprego em Portugal deu origem, segundo os estudos mais recentes, ao que se tornou comum designar por «novos pobres». Estes «novos pobres» são os «mais problemáticos», porque «são capazes de colocar de forma mais visível os seus problemas». Ou seja, são capazes de incomodar o discurso oficial.

Os números do desemprego são eterna fonte de dores de cabeça para os governos. Após a explosão dramática nos finais dos anos 70, com o regresso das privatizações, o desemprego decresceu, oficialmente, até ao início dos anos 90; voltou a crescer em 1991, situando-se em meados de 1996, em termos oficiais, em 7,2 por cento: em 1992, os desempregados de longa duração ascendiam a 49 600 (28,2 por cento do total dos desempregados); em 1996 eram já 137 300 (41,5 por cento).

«Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.» Assim reza o número um do artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Pois.


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998