anos
da Declaração Universal
dos Direitos do Homem

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Homens ricos,
povos pobres
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A riqueza mundial aumentou, mas os povos estão mais pobres. A constatação não é nossa; foi feita em Copenhaga, na «Cimeira da Esperança», onde não se pouparam palavras para garantir o integral cumprimento dos Direitos do Homem. As boas intenções ficaram no papel e continuam a não passar disso.

A radiografia do mundo feita em Conpenhaga é bastante realista. No domínio dos progressos registados em alguns campos do desenvolvimento social e económico salienta-se:

• A riqueza global das nações tornou-se sete vezes maior nos últimos 50 anos e o comércio internacional aumentou de forma ainda mais espectacular;
• A esperança de vida, a alfabetização, o ensino primário e o acesso aos cuidados básicos de saúde, incluindo o planeamento familiar, aumentaram na maior parte dos países e a taxa média de mortalidade infantil diminuiu, mesmo nos países em desenvolvimento;
• Deu-se uma expansão do pluralismo democrático, das instituições democráticas e das liberdades civis fundamentais. Fizeram-se grandes avanços em matéria de descolonização, sendo a eliminação do apartheid um marco histórico.

Estas são as boas notícias, só que contemplam um número ínfimo da população. Não o ignoravam os Chefes de Estado e de Governo que em Copenhaga se sentiram na obrigação de afirmar: «(...) Sabemos que a pobreza, a falta de emprego produtivo e a exclusão social consituem uma ofensa à dignidade humana. Sabemos também que interagem negativamente, conduzem a um desperdício de recursos humanos e constituem uma manifestação de ineficácia de funcionamento dos mercados, das instituições e dos processos económicos e sociais.»

Não se trata portanto de uma questão de ignorância. Conhecedores da realidade, conscientes da ineficácia dos mecanismos políticos e económicos que conduziram à situação que eles próprios definem como «uma ofensa à dignidade humana», que fizeram os responsáveis pela política mundial? Insistiram no caminho traçado, transformando a liberalização do comércio e a mundialização da economia a qualquer preço nos monstros sagrados dos tempos modernos.

Mundializar custos
privatizar lucros

O Fundo Monetário Internacional (FMI) define economia mundial como «a interdependência crescente do conjunto dos países do mundo, provocada pelo aumento do volume e da variedade das transacções transfronteiriças de bens e serviços, assim como dos fluxos internacionais de capitais, e simultaneamente pela difusão acelerada e generalizada da tecnologia».

É um facto que a tecnologia tornou a mundialização possível: entre 1970 e 1997, por exemplo, o número de países que aboliram os controlos das trocas respeitantes a importações de bens e serviços passou de 35 para 137.
Mas a questão que se coloca não é a de saber se a mundialização tem ou não vantagens, ou sequer se é ou não inevitável, mas a quem serve esta mundialização da economia que está a ser implementada segundo as regras do capital.
Os benefícios para os 358 multimilionários que detém uma riqueza equivalente à de metade da população do planeta poderão ser inquestionáveis.
Mas que dizer de um país como Moçambique, onde um quarto das crianças morrem de doenças infecciosas antes de atingirem cinco anos de idade, enquanto as autoridades são constrangidas a consagrar duas vezes mais verbas ao serviço da sua dívida externa do que às despesas com a saúde e a educação?
Como conciliar as boas intenções e os caminhos traçados para a economia mundial com as palavras de um responsável do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, segundo o qual «se prosseguir a tendência actual, as disparidades económicas entre países industrializados e países em vias de desenvolvimento passarão do estado de desigualdade para o estado de desumano»?

Indiferença

A insistência em «soluções» que mais não têm feito do que agravar as profundas desigualdades existentes no planeta arriscam, por outro lado, que o próprio conceito de democracia seja posto em causa, mesmo que por democracia mais não se entenda do que o direito ao voto para a escolha dos poderes públicos.
Nos Estados Unidos, apenas 48,8 por cento dos potenciais eleitores foram às urnas em Novembro de 1996, a mais baixa taxa de participação desde 1924. Na generalidade dos países Europeus, incluindo Portugal, a abstenção - ou indiferença popular - tem vindo a crescer de tal forma que já há quem a equipare a um verdadeiro acto de desobediência civil.
Num mundo que se pretende «condenado» aos supremos valores do «mercado» e rendido ao «pensamento único», a crise que ameaça as democracias representativas radica na constatação de que a generalidade das forças políticas - as que se convencionou classificar como tendo «vocação do poder» - se assemelham tanto que se tornou indiferente escolher. Os casos recentes do Reino Unido, Portugal, Alemanha, Itália, para citar alguns exemplos, aí estão para o provar.
Se os eleitores optam cada vez mais pela abstenção, há no entanto quem veja nisso um sinal de modernidade. Comentando as eleições na Grécia e a vitória do Partido Socialista conotado com os meios financeiros, o «Washington Post» não hesitou em afirmar: «Foi a primeira eleição verdadeiramente moderna da história do país onde nasceu a democracia. (...) No essencial, os dois partidos estão de acordo na generalidade das questões importantes.»
Resta pouco espaço nesta modernidade para os Direitos do Homem, velhos de 50 anos apesar de nem terem chegado a ser estreados enquanto direitos universais, indivisíveis e interdependentes.


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998