TRIBUNA
O Expresso e o PSD

Por Lino de Carvalho


É sabido que o PSD elegeu como estratégia do debate orçamental fazer passar a ideia de que, este ano, o PCP é que viabilizaria o Orçamento de Estado do Governo PS e que eles, PSD, seriam a oposição forte, certeira, ferina. Ideia que encerrava uma pequena omissão: esquecer, por detrás de tanta algazarra, que o PCP votou contra o Orçamento em todas as suas fases e o PSD, abstendo-se, viabilizou-o com o seu voto.

Percebe-se porquê. É que, independentemente de razões de ordem táctica ou de divergências menores o PSD – com o PP – partilham do essencial das opções estratégicas de um Orçamento de Estado subordinado, antes de mais, ás opções de Maastricht e do Pacto de Estabilidade com vista ao Euro: níveis de deficit e de despesa pública condicionando as alternativas de investimento e as opções de políticas públicas e implicando a redução ou contenção de despesas, designadamente nas áreas sociais, e a manutenção de elevados volumes de receitas do Estado que o Orçamento concretiza congelando ou limitando os incrementos dos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública, insistindo na política de privatizações, mantendo os impostos indirectos em níveis elevadíssimos com destaque para o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, o Imposto Automóvel ou os Impostos Especiais de Consumo. E foi com base nisto que o PSD, estando de acordo, viabilizou o Orçamento do PS, tal como no passado. Mas compreende-se que o PSD tudo faça para passar a ideia de que as suas opções são distintas do PS e encostar o PS ao PCP. Com isto procura abrir espaço nas próprias áreas socialistas e tenta lançar a perturbação no PCP e na sua base de apoio ao acusar os comunistas de "viabilizar" um Orçamento que é mau e de serem "muleta" do PS.

Para esta estratégia o PSD precisava de uma voz "credível" que ratificasse estas linhas de ataque. Encontrou-a no jornal do seu fundador através de um tal JAL. Reproduzindo, sem corar, as teses do PSD sopradas pelo seu leader parlamentar o Expresso, vejam bem, acusa o PCP de viabilizar o Orçamento de Estado, ser muleta do PS e de não ter rumo, colocando nas suas colunas de sobe e desce o leader parlamentar do PCP em baixo e, gato escondido com rabo de fora, o leader parlamentar do PSD a subir, nos primeiros lugares do ranking. Coincidências e preocupações com o PCP que nos enternecem !

Como o PSD / Expresso sabem que a maioria dos leitores só lê os fait-divers, as legendas, os títulos das primeiras e últimas páginas e a badana direita das terceiras páginas, lá montaram a operação com êxito assegurado, mesmo entre os mais pintados. Constitui um tique da nossa época comunicacional que, mesmo os mais bem informados, formem a sua opinião pelos grandes títulos e fait-divers. E mesmo os mais reputados analistas de diversas correntes de opinião (e até dirigentes políticos) escrevem, falam e formam a sua opinião em função do que está a dar, do que ouviram no primeiro noticiário da manhã ou leram nos editoriais dos alegados jornais de "referência", sem cuidarem, muitas vezes de aferir ou confirmarem as histórias sobre que discorrem. O que se passou recentemente com a novela da ida de Belmiro de Azevedo a uma das Comissões de Inquérito da Assembleia da República é um caso exemplar, um study case, que António Filipe já bem escalpelizou a semana passada no artigo que escreveu neste espaço do Avante!.

Mas voltemos ao PSD / Expresso. A operação em relação ao PCP tem ainda outras leituras. É uma evidencia que o Partido Comunista Português saiu mais credibilizado do debate e votação deste Orçamento de Estado. Porque, sabendo tirar partido das fragilidades do Orçamento, da maioria relativa do Partido Socialista e das contradições do PSD e do PP, contribuiu com as suas propostas em matéria fiscal para introduzir alguma justiça no IRS desagravando a carga fiscal para mais de 95% das famílias portuguesas tanto das de mais baixos recursos como inclusivamente de camadas de rendimentos médios, para denunciar os escândalos dos benefícios fiscais e da fraude e da fuga ao fisco, para obrigar o Governo a assumir a necessidade de analisar e apresentar relatórios e medidas nesta matéria. Apesar de muitas outras propostas do PCP terem sido rejeitadas pelos votos convergentes do PS-PSD-PP a verdade é que, como afirmou Octávio Teixeira na intervenção de encerramento do Orçamento de Estado para 1999, nestas matérias, o Orçamento tem "a marca indelével das propostas do PCP".

Foi o PS e o Governo que vieram ao encontro das propostas do PCP, aceitando-as e aprovando-as e não foi o contrário que sucedeu. Nas matérias concretas em causa foram as opções de sempre do PCP que prevaleceram e não as teses do PS e do Governo. Sem deixar de criticar o que tinha a criticar, de denunciar o que tinha a denunciar, de intervir simultaneamente no Parlamento e na vida social, fazendo aprovar propostas que introduzem mais justiça no sistema fiscal, apresentando propostas que se tivessem sido globalmente aprovadas configuravam um outro modelo para o sistema tributário em matéria de rendimentos do trabalho e do capital, o PCP voltou a demonstrar que é um Partido indispensável a um poder de esquerda sem com isso ter deixado de votar contra um Orçamento que globalmente se manteve sem dar espaço ao benefício da dúvida. E isto perturbou os analistas do sistema e aqueles que estão sempre prontos a gritar "vêm aí os comunistas". Mas também inquietou os sacerdotes do templo e baralhou os que se guiam, por mais que o neguem, pelos títulos, pelos sobe e desce, pelos editoriais e pelos noticiários da manhã. Em anos anteriores o PCP era acusado de não ser capaz de gerar consensos, de apresentar propostas credíveis, de ser um "partido sindicalista", de estar sempre no contra. Agora os mesmos acusam o PCP de ser muleta do PS. O que são é incapazes de dizer que, ontem como hoje, o PCP tem demonstrado ser um Partido coerente, que não renega os seus princípios, as suas opções, que não mete nenhum socialismo na gaveta, que não alinha com as modas neo-liberais, que combate as políticas de desvalorização das relações de trabalho e de liquidação dos direitos dos trabalhadores mas que, simultaneamente é um Partido cujas propostas, mesmo no quadro do sistema e das suas fronteiras, são sérias, credíveis, sustentadas, equilibradas, justas e que por isso se impuseram por si mesmo e, no caso, foram integradas no Orçamento de Estado e no sistema fiscal do País. O que são é incapazes de dizer que o PCP demonstrou de novo que é um partido de poder (mas não de um poder qualquer para melhor gerir o sistema), é um partido de alternativa, é um partido indispensável a um Governo de esquerda, é um Partido que assim sendo não alimenta com o seu comportamento a necessidade das teses do voto útil no PS para combater a AD. Pelo contrário. Que demonstra que o combate á direita corporizada na AD passa, sim, pelo voto útil no PCP. E isto constitui o essencial de uma estratégia clara, autónoma, de valorização e credibilização do PCP. O que é preciso é que todos compreendam isto, sem fantasmas.


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998