Suíça
e União Europeia

A propósito do acordo bilateral

Por Manuel Beja


Foram necessários quatro anos de difíceis negociações, férteis em embaraçosos entraves, recuos e jogos de caprichos para se encerrar o acordo bilateral entre a Suíça e os quinze Estados membros da União Europeia. E, como é natural nos grandes eventos, a emoção não faltou, para bem de todos nós, através das objecções políticas colocadas pela delegação portuguesa. Um sobressalto de momento procurando, talvez, assinalar que Portugal é um país Europeu, está no pelotão da frente e se interessa pelas condições de vida dos seus emigrantes (?)

Salvando a honra e a tranquilidade da família apareceu a Áustria, tal como lhe competia, a provocar um encontro de imediato com o primeiro-ministro português e, assim, as dificuldades foram ultrapassadas. Por isso se afirma que a tempestade não durou o tempo necessário para nos convencer. Segundo notícias vindas a público estava em causa a chamada cláusula de preferência para a mão-de-obra Suíça no acesso ao mercado e trabalho, válida durante os dois primeiros anos da vigência do acordo e a questão relacionada com os subsídios de desemprego aos imigrantes originários da UE, no caso de regresso aos países de origem antes do fim dos seus direitos aos fundos do desemprego. Na lista de assuntos de última hora, apresentada pela delegação portuguesa, constava igualmente o prestígio internacional do vinho do Porto e a sua comercialização. É evidente que nenhum lusitano que se preze pode aceitar de ânimo leve que "o vinho produzido da localidade Helvética de Port, possa ser confundido com o nosso vinho do Porto". Era o que faltava!
Assim, quem tenha a audácia de afirmar que os interesses dos portugueses na Suíça foram atirados para segundo plano está cheio de más intenções, ou não sabe ler os jornais.

Passado o susto, os ministros suíços foram acordados a meio da noite, e seguiram no primeiro avião para Viena. O acordo foi condignamente festejado, não com o vinho do Porto como seria de esperar, mas com o tradicional champanhe.
Gritos de triunfo assinalaram o fim das negociações bilaterais e as manifestações a favor e contra não tardaram a aparecer. Para uns, um acordo histórico, para outros, um importante acordo económico com vista à normalização das relações da Suíça com a Europa. Ou, ainda, uma etapa necessária no processo de integração europeia que é essencial para a Suíça.
Graças ao acordo de Viena, o discurso europeu volta ao centro das atenções do cidadão comum seja suíço, ou imigrante. O longo debate recomeçou e deixa antever uma luta entre os partidos da extrema-direita, que ameaçam lançar um referendo a ser votado mais tarde pela população, enquanto as outras forças políticas e sociais estão medindo os passos a dar. Afirmam que é preciso evitar os erros cometidos em 1992.

O acordo de Viena é formado por um conjunto de sete dossiers sobre a livre circulação das pessoas, os transportes terrestres e aéreos, no âmbito da investigação, agricultura, do mercado, e das trocas comerciais. A assinatura simbólica está prevista para o mês de Março do próximo ano entrando em vigor em Janeiro do ano 2001. No sector da livre circulação de pessoas um bloco de medidas entrarão em vigor, por etapas, até ao ano 2013.
Até lá, nem tudo será fácil e um exaustivo trabalho, político de rectificação dos textos irá começar no âmbito das instituições europeias e das instituições suíças, passando pelo Parlamento Europeu e pelos Parlamentos de cada um dos quinze Estados da UE e da Suíça.

Efectivamente, o acordo sobre a livre circulação de pessoas melhora para os cidadãos europeus as condições de residência, de vida e trabalho na Suíça. No entanto, temos a consciência que este é um dossier complicado, senão mesmo explosivo. Com efeito, terão de ser tomadas muito a sério as apreensões e os medos de parte da população suíça quanto a um possível, mas discutível, aumento da população estrangeira.

Os sindicatos e os partidos de esquerda consideram também necessário a aplicação de um bloco de medidas de acompanhamento, no sentido de garantir a protecção dos trabalhadores no activo com o objectivo de impedir a anarquia salarial e social. Este problema diz respeito a todos aqueles que trabalham no território helvético. Em concreto, deveriam ser aplicadas, desde já e não apenas a partir da entrada do acordo, regras que obriguem as empresas a respeitar os salários e os direitos dos trabalhadores determinados nas convenções colectivas e a exigência de se fixarem os salários mínimos a nível dos Cantões e da Confederação nos sectores laborais sem convenção. A prática demonstra a existência de situações de "dumping" salarial que se irão agravar caso não se tomem medidas a tempo e horas.
É também positiva a abolição do estatuto do temporário a partir do ano 2001. O sazonal não deverá deixar a Suíça todos os anos para ver renovada a sua autorização de trabalho e a mulher e os filhos poderão estar junto de si. A mulher poderá procurar trabalho e os filhos poderão ir à escola. Negativo está o facto de terem de esperar até ao ano 2006 para beneficiarem da mobilidade geográfica e profissional.
Sendo Portugal Estado membro da União Europeia a aplicação do acordo bilateral terá repercussões no futuro dos portugueses.

A par de manifestarmos o apoio à livre circulação das pessoas e às necessárias medidas que defendam os direitos laborais e sociais, manifestamos, também, a nossa inquietude frente aos rumores respeitantes à integração do sistema de segurança social da Suíça no sistema de segurança social europeu. A comunidade portuguesa tem o direito de interrogar o Governo português, se a cláusula pedida para o levantamento do dinheiro líquido dos capitais do 2.º pilar está, ou não, garantida por um prazo de transição e qual é o tempo acordado?
Tirando algumas declarações de circunstância, de um ou outro diplomata, os emigrantes conhecem muito mal a posição do seu Governo sobre os resultados destas negociações bilaterais entre a UE e a Suíça. Desde há quatro anos que tudo tem sido mantido debaixo de grande segredo dando azo à circulação de boatos com efeitos negativos junto da comunidade.


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998