Natal de hoje


A novela "A Christmas Carol" em que Charles Dickens traça o retrato do rico sr. Scrooge que , visitado pelo espírito do Natal do passado para lhe recordar a sua infância difícil e acossado pelo castigo que o espírito do Natal ainda por vir lhe destinava por causa da sua maldade e avareza, decidiu transformar-se numa boa pessoa, figura entre as mais conhecidas e consagradas denúncias da concupiscência humana. E representa, ao mesmo tempo, um retrato das tremendas dificuldades e desigualdades que há um século e meio acompanharam o ascenso do capitalismo na velha Albion.

É indubitável que, de então para cá, se registaram alterações muito profundas na vida das sociedades .O nível de desenvolvimento das forças produtivas é incomparavelmente mais elevado. Tornaram-se mais exigentes os patamares do bem estar social. O número de habitantes e a esperança média de vida cresceu de forma muito significativa. E a revolução científica e tecnológica desenvolveu condições para a satisfação das necessidades básicas de todos os seres humanos.
Contraditoriamente com este quadro não cessam porem de se agravar as desigualdades sociais em todo o mundo. O fosso entre os que vivem na maior riqueza e no esbanjamento e os muitos milhões de condenados à miséria e ao subdesenvolvimento é cada vez maior e mais gritante. No quadro dos processos de globalização capitalista e de competitividade sem limites a que estamos a assistir, milhões de trabalhadores vêm-se quotidianamente confrontados com o desemprego e a precariedade do trabalho, e as próprias classes médias enfrentam fenómenos de desvalorização.

Com os ricos da nossa época cada vez mais ricos e nada ralados com fantasmas como aqueles a que o génio de Charles Dickens recorreu para atormentar e corrigir o avarento sr. Scrooge ; com o próprio encontro e festa do Natal a serem alvo da mais agressiva mercantilização ; -- não é de propor , a quantos a mensagem da entreajuda e da comunhão interpessoal ainda tocam profundamente, um caminho de intervenção e de luta para vencer a injustiça e a desordem social vigentes ? — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998