Para 1999
LUTAS


O ano de 1998 agora a findar foi rico de acontecimentos importantes, em múltiplos domínios e países, que bem mereciam aqui ser chamados a balanço, breve embora. A isso nos não propomos. Antes nos perece mais incisivo apontar que a todos eles sobreleva, durante todo este ano, o aprofundamento e alastramento de uma crise económica mundial em desenvolvimento.

Despoletada (aparentemente) ainda em meados de 97, com a (mal) chamada «crise asiática» (incompreensível sem a determinação do contexto mundial), o El Niño da crise já abalou inúmeros países em vários continentes durante este ano e vai projectar-se, com mais e decisivos abalos, no ano de 1999 prestes a iniciar-se. Desde o início e reiteradamente, apologetas e míopes buscaram minimizar o alcance dos fenómenos, ocultar as raízes profundas nas vagas de superfície e desviar as culpas para fáceis bodes expiatórios. Em vão. A realidade objectiva ia varrendo as análises tapa-olhos. Joseph Stiglitz, economista-chefe do Banco Mundial, foi mais lúcido quando, há menos de um mês afirmou: «Quando há um acidente isolado na estrada, tende-se a culpar o condutor. Mas quando os acidentes ocorrem repetidamente na mesma inclinação da curva, então começa-se a suspeitar que algo está errado na estrada.» É por isso que se sucedem repetidas revisões em baixa das perspectivas da economia real.

A 21 de Dezembro, o FMI foi obrigado a publicar um relatório extra revendo em baixa as suas previsões do habitual relatório de Outubro, que já por sua vez revia em baixa as previsões do relatório de Maio. Agora, as previsões do FMI para o crescimento do Produto Mundial já se reduzem a 1,8% para este ano e 2,2% para o ano que vem. E é mesmo assim o melhor cenário, porque «seria prematuro considerar que as dificuldades foram ultrapassadas».
Já em 2 de Dezembro o Banco Mundial ia mais longe, prevendo também apenas um crescimento do Produto de 1,8% este ano (em queda relativamente aos 3,8% de 97) e só 1,9% para o ano que vem. E advertia igualmente que este era o cenário menos mau pois não exclui o «crescimento» zero em 1999. Significativo é que os países ditos em desenvolvimento terão um crescimento de 2% em 1998, contra os 4,8% do ano anterior - a pior quebra destes países desde há 30 anos.
Por sua vez a OCDE, em fins de Novembro, voltava-se para ao países capitalistas desenvolvidos, prevendo um crescimento de apenas 2,25% em 1998 e 1,75% em 1999, não excluindo também uma perspectiva mais negra, tendo em conta ao perigos do Japão, novas «correcções excessivas» nos mercados bolsistas, irracionalmente inflacionados, e o comportamento dos EUA, onde «o crescimento da produção se deve contrair fortemente». (O FMI calcula que o crescimento do PIB dos EUA quebre de 3,6% este ano para metade no ano que vem, apenas 1,8%).

As previsões dos peritos coincidem nas revisões em baixa, o que traduz bem a profundidade da crise económica em desenvolvimento. Por isso se compreende que subam em flecha as referências a recessão, em que já está metade da economia mundial; que a deflação, já um facto em importantes países, seja apontada como uma ameaça; e que muitos receiem uma depressão. Por isso se compreende também que, mesmo no seios do establishment, se ergam vozes, desencontradas, clamando pela revisão dos institutos e mecanismos de regulação económica para salvar o sistema. E que, perante a manifesta crise das políticas neoliberais e monetaristas, se reacenda a polémica teórica e a luta política. Esta vai ser, indubitavelmente, uma questão maior que, de 1998, passará centralmente para 1999.

Precisamos de estudar atentamente as dinâmicas profundas em jogo, para melhor nelas intervir. Porque não são apenas as «forças cegas» do mercado que comandam o «jogo», mas igualmente as políticas económicas aplicadas. E a estas, muito do que se fará, ou não, e como se fará, em que sentido - dependerá também de nós, dos trabalhadores, dos povos, das forças progressistas. Da luta. De muitas lutas! — Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1309 - 30.Dezembro.1998