«Construção
Europeia»:
Um
debate à margem do povo
Carlos
Carvalhas, Secretário-geral do PCP, denuncia o secretismo de que
o Tratado de Amsterdão se rodeou e, alertando para a situação
em que a aprovação do mesmo se verifica, defende uma reforma
urgente do sistema monetário internacional.
Foi ontem, na Assembleia da República, durante o debate em torno
da ratificação daquele Tratado que, entre outras cláusulas,
prevê a transferência de soberania para a UE em matérias
relativas à livre circulação de pessoas.
«Numa situação
que praticamente é a de factos consumados, com a população
alheia ao que aqui hoje está na ordem do dia e num debate que
mais parece uma daquelas cerimónias formais, com o PS e o PSD
cada um a reivindicar quem mais contribuiu para que Portugal
tivesse entrado para o clube do Euro e com um PP a dar o dito por
não dito, e o não dito por dito, a Assembleia da República
prepara-se para, quase subrepticiamente deitar umas pazadas de
terra e cal sobre o escudo e a política monetária nacional e
aprovar sem qualquer sobressalto de alma o Tratado de Amsterdão.
Como esta "sessão" foi assim previamente definida e
com o pouco tempo que nos foi atribuído, não vamos lembrar hoje
que aqueles que se opuseram a que o povo português fosse
consultado sobre o grande salto qualitativo que representou o
Tratado de Maastricht, foram os mesmos que cozinharam numa
vergonhosa revisão constitucional, a manutenção a
inevitabilidade de referendar qualquer coisa de substancial sobre
a construção europeia (por exemplo, a moeda única e o Pacto de
Estabilidade), apenas abrindo a porta ao pseudo-referendo sobre
"questões europeias" que depois viriam a propor.
Nem vamos recordar que esses dois partidos durante mais de meio
ano andaram a prometer solenemente que o Tratado de Amsterdão
só seria debatido na Assembleia da República depois do povo se
pronunciar maioritariamente no tal referendo nacional e sem nunca
terem dito o que aconteceria se o "não" ganhasse!
Nem vamos hoje também gastar tempo com o facto de o mesmo
secretismo e a mesma marginalização desta Assembleia da
República se ter verificado nas negociações do agora congelado
Acordo Multilateral de Investimentos, o célebre AMI, e sobre o
"pacote" negociado a 18 de Maio directamente por Tony
Blair, o Comissário Leon Brittan e Madeleine Albright em
relação ao PET (Parceria Económica Transatlântica), ou seja,
o acordo entre os EUA e a UE.
Nem nos vamos referir às pobres e frágeis economias da
Inglaterra, Dinamarca e Suécia, que não estão como Portugal no
"pelotão da frente do Euro"...»
Duas questões
No momento em que PS
e PSD se preparam para aprovar o novo Tratado da União Europeia,
é de sublinhar duas questões.
«A primeira é que a aprovação deste Tratado, com as
cláusulas marcadamente neoliberais e monetaristas que lhe são
inerentes e inserida como está numa lógica envergonhada mas
efectivamente federalista, se verifica num quadro de uma grave
situação da nossa agricultura, das nossas pescas e de
importantes sectores e subsectores da nossa indústria, com um
crescente domínio do capital estrangeiro e uma preocupante
"derrapagem" na balança comercial e na balança de
transacções correntes. Em que mesmo o crescimento económico
que se tem verificado pode ficar comprometido, pois, ao
contrário do que se tem afirmado (nenhum dos países na União
Europeia que ficaram fora do clube do Euro sofreu mais ou sofreu
menos as consequências da crise), nem o Euro, nem a Europa nos
tem protegido, nem nos protegerão se continuar o efeito de bola
de neve da "crise financeira".
A segunda é que neste quadro, em que a nossa situação face ao
exterior é de grande fragilidade e de vulnerabilidade e em que
tenderá a ser ainda maior face à liberalização do comércio
da União Europeia com o resto do Mundo e ao alargamento
comunitário a leste, se exige um novo rumo para a integração
europeia.
A nossa posição crítica à marcha forçada para o Euro e ao
rumo da integração europeia é uma contribuição de esquerda e
no quadro da integração para o debate que entendemos ser
necessário e urgente sobre o futuro da União Europeia e é a
posição de quem sempre tem procurado defender os interesses
nacionais e procurado potenciar a posição negocial de Portugal
como aliás foi reconhecido publicamente quer pelos Governos de
Cavaco Silva, quer pelo actual Governo do PS.
E é também a posição daqueles que pensam que a perda de moeda
própria e da possibilidade da utilização da taxa de câmbio
nos torna muito mais vulneráveis para reagir a efeitos externos
de perda de competitividade. E que a nossa prematura adesão ao
Euro é ainda mais complexa, frágil e perigosa numa economia
globalizada. Aliás a fixação do câmbio do escudo em relação
ao "Euro" já se traduziu numa nova revalorização da
nossa moeda. E a tendência para um euro caro em relação ao
dólar e ao Yen atingirá de forma diferente as exportações
alemãs e as portuguesas... com o consequente reflexo no emprego
e no tecido produtivo.»
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PCP defende
novo rumo
Não ao
desemprego e às desigualdades
«Não somos
daqueles que mandando às urtigas tudo o que disseram no passado,
se limitam a dizer agora que "a AD oblige", que "a
realidade" hoje é o Euro e que só porque foram
"críticos do processo no passado" não podem tomar
hoje uma posição triunfalista», lembrou Carlos Carvalhas,
reafirmando algumas das linhas que os comunistas propõem para
«um novo rumo para a "construção europeia"». «Um
rumo mais progressista que rejeite o fundamentalismo neo-liberal,
as concepções nacionalistas e xenófobas, que não aceite como
uma fatalidade a acentuação das desigualdades sociais e
regionais e que se indigne perante os milhões de desempregados e
de pobres que esta "construção" tem produzido». Ou
seja, para uma «construção europeia que responda no concreto,
não aos interesses egoístas do capital financeiro, mas às
aspirações dos trabalhadores e dos povos europeus e à
cooperação e solidariedade internacional.»
Entendendo que, no plano internacional, «Portugal deve juntar a
sua voz àqueles que defendem uma urgente reforma do sistema
monetário internacional e que, no quadro da União Europeia,
se deve aproveitar estes três anos de transição para o Euro
como moeda de facto, para se acompanhar as consequências,
tomando as medidas que os interesses nacionais exigem e
procurando simultaneamente alterar o rumo da integração»,
Carvalhas apontou alguns eixos a que essa reforma deve obedecer:
«1 - Numa renegociação e alteração da lógica do "pacto de estabilidade", tansformando-o num pacto de emprego e convergência real das economias; na modificação do papel do Banco Central Europeu e no seu controlo pois esta instituição que tem poderes exorbitantes não pode estar acima das escolhas dos governos e dos parlamentos nacionais.
2 - Na concretização do princípio da coesão económica e social, o que implica:
a) o nivelamento por cima e de forma progressiva das conquistas sociais alcançadas nos diversos países europeus, no combate ao desemprego e ao trabalho precário, na redução do horário de trabalho sem perda de direitos e de salário;
b) a taxação das transacções financeiras e dos movimentos de capitais especulativos (taxa Tobin);
c) uma não diminuição dos fundos estruturais para os países com economias mais débeis bem como a criação de mecanismos, nomeadamente pelo financiamento da própria união que possam compensar os países como o nosso, que fiquem sujeitos a choques externos que lhe diminuem a competitividade da economia em geral ou de importantes sectores exportadores.
O nosso caso exige também um estatuto especial para a Região de Lisboa e Vale do Tejo no quadro da negociação de um pacto global em relação aos fundos e uma reforma da Política Agrícola Comum que tenha em conta a especificidade da nossa agricultura.
3 - Na luta por mais democracia, combatendo os chamados défices democráticos, fornecendo mecanismos de intervenção acrescidos dos Parlamentos Nacionais e assegurando uma interpretação descentralizadora do princípio da subsidariedade, aproximando os cidadãos das decisões; aumentando os poderes do Parlamento Europeu com uma diminuição qualitat~iva das prerrogativas da Comissão e a preservação da possibilidade de recurso do direito de veto no Conselho desde que os interesses nacionais de um país estejam em causa.
4 - Nas medidas que dêem tradução ao respeito e valorização das culturas nacionais e ao diálogo e enriquecimento mútuo; à defesa dos equilíbrios ecológicos; à construção de uma Europa de solidariedade, de cooperação e de paz assente numa segurança colectiva confiada não à NATO mas a uma OSCE operativa e actualizada.