Líxos tóxicos
Maceira e Souselas
contra co-incineração


Em véspera da prometida reunião do primeiro-ministro com delegações de Maceira, Leiria e Souselas, Coimbra, os protestos voltam à rua. A lembrar que as populações mantêm a contestação à decisão do Ministério do Ambiente de impor a co-incineração de resíduos industriais tóxicos, ao arrepio da sua vontade expressa.

Em Coimbra, artistas e grupos de música e poesia participaram, terça-feira numa noite de protesto na baixa da cidade. Uma acção de contestação organizada pela Pro Urbe - Associação Cívica de Coimbra, que inclui ainda uma sessão de debate, dirigida pelo seu presidente, o sociólogo Boaventura Santos.
Os riscos da co-incineração de resíduos tóxicos foram debatidos na noite de segunda-feira, na Junta de Freguesia de Maceira, numa sessão de esclarecimento promovida pelo Movimento Maceira Saudável (MMS). Na noite de ontem, numa concentração à entrada da cimenteira da Cecil, os populares aguardaram os resultados do encontro dos autarcas e associações com o Guterres.
Desenvolvimentos actuais de um processo de luta que vem detrás, quando se iniciou uma consulta pública que, tudo indica, não passou de acto formal para cumprir a lei, e explodiu em manifestações de profundo descontentamento, quando do anúncio da ministra do ambiente, dia 28 de Dezembro.
De lembrar que as duas cimenteiras escolhidas para a co-incineração dos resíduos industriais perigosos - a Cimpor de Souselas e a Secil de Maceira - ficarão responsáveis por queimar as 16 mil toneladas de resíduos industriais tóxicos incineráveis produzidos anualmente em Portugal, de um total de 120 mil toneladas classificadas como lixos perigosos.
O processo será gerido pela Scoreco, constituída pela Ecoresíduos (Cimpoe e Secil) e pelo grupo internacional Scori.
Logo que a decisão do Ministério do Ambiente foi conhecida, a reacção das populações foi imediata.
Em Maceira, centenas de populares concentraram-se frente à fábrica, vedando as entradas com faixas negras e caixões simbólicos, enquanto a linha de caminho de ferro que liga a fábrica à estação de Martingança, era barrada com pinheiros e uma fogueira.
O bloqueio à cimenteira prolongou-se pela madrugada de dia, com comes e bebes, música, champanhe e bandeiras pretas.
Entretanto a Assembleia Municipal de Leiria aprovou um voto de repúdio pela forma como decorreu o processo de selecção das cimenteiras para a co-incineração de resíduos tóxicos. Os maceirenses contam ainda com a solidariedade das autarquias vizinhas, como é o caso da sede de concelho (Leiria) e da Batalha.
Em Souselas, as manifestações, acompanhadas de corte dos acessos rodoviários e ferroviários à cimenteira da Cimpor, apenas foram interrompidas na expectativa dos resultados da reunião com Guterres.
Dia 29, a Assembleia Municipal de Coimbra transformou-se em comício. Quase quatro horas de debates terminaram num significativo momento de unidade. As moções, aprovadas por unanimidade, foram entregues pelos autarcas, acompanhados de populares, no Governo Civil.
Em causa estão, tantos os riscos que esta decisão governamental comporta, como o próprio caracter anti-democrático de todo o processo.
A moção apresentada pelo eleito da CDU Carlos Fraião, além da revogação da deliberação de Elisa Ferreira, reclama a abertura de «um verdadeiro e amplo processo de debate público». Considerando que se «pôs seriamente em causa o futuro de Coimbra» nomeadamente «afrontando as suas potencialidades como espaço de excelência na área da saúde», a moção apresentada pelo PS vinca, a proximidade, cerca de sete ou oito quilómetros, entre a cimenteira de Souselas e as principais unidades hospitalares de Coimbra, agravada com a ocorrência de ventos norte.
Processos de luta que irão ter continuidade.

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PCP toma posição

Em nota de imprensa divulgada dia 29 de Dezembro, o PCP considera que a decisão tomada pelo governo relativamente à localização dos centros de recolha e armazenamento dos resíduos industriais tóxicos (Estarreja), de tratamento físico-químico (Barreiro) e das cimenteiras onde irá decorrer a co-incineração destes resíduos (Souselas e Maceira-Liz) foi «incorrecta por extemporânea, pouco fundamentada e mal esclarecida.»
«Sem contestar a imperiosa necessidade de se proceder a um rápido e esclarecedor estudo e definição de soluções concretas para o tratamento de todo o tipo de resíduos», o PCP considera que o governo «errou nestas decisões.»
Errou, antes do mais, «ao pôr na mão de grupos económicos a execução do tratamento dos resíduos industriais perigosos.» Assim, «critérios economicistas foram os determinantes essenciais do resultado a que se chegou, em claro detrimento de uma análise focalizada predominantemente nos aspectos técnico-ambientais.»
Errou ainda porque optou por decidir desde já, «desprezando as posições assumidas no relatório da Comissão Nacional de Ambiente e do Desenvolvimento Sustentado e opiniões expressas por outras entidades responsáveis do sector, que apontavam inequivocamente a necessidade de adiamento da decisão, ainda que a curto prazo, por forma a corrigir erros e a avançar com maior fundamentação.»
Errou porque «continuou a pautar a sua actuação com uma total ausência de estratégias políticas coerentes para o sector», não dispondo ainda «de um Plano Estratégico Sectorial de Gestão de Resíduos Industriais cuja elaboração prevê apenas para o próximo ano.»
Errou também - sublinha a nota do PCP - «porque muitas das questões levantadas durante o período de consulta pública ficaram e estão ainda por esclarecer:

— a disparidade entre as quantidades de produção de resíduos industriais tóxicos e as previsões de quantidades a incinerar;
— a omissão quanto aos indiscutíveis riscos de transporte dos resíduos tóxicos no interior dos aglomerados urbanos com elevada densidade populacional;
— a pretensão de co-incinerar produtos que a tecnologia corrente permite já regenerar;
— a aplicação de medidas essenciais à melhoria da qualidade do ambiente local - designadamente a colocação de filtros de mangas nas cimenteiras - só agora reconhecidas e apenas previstas para as unidades que irão fazer a co-incineração.»

Neste quadro, PCP reafirma claramente «a necessidade de adiar este processo mal iniciado», ao mesmo tempo que manifesta «a imperiosa necessidade de serem encontradas correctas soluções para o tratamento dos resíduos industriais que até este momento não foram fundamentadamente explicitadas.»
A concluir a nota, o PCP renova «a sua solidariedade activa a todas as populações directamente afectadas e manifesta a sua disponibilidade para, junto destas e com os organismos responsáveis participar na procura das melhores soluções para a resolução deste grave problema.»

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De SETÚBAL:
Uma decisão insensata

O anúncio do Governo de que o processo de queima dos resíduos industriais, incluindo os tóxicos, passa pela co-inicenração nas cimenteiras de Maceira e Souselas, localizando-se a estação de transferência em Estarreja e a estação de tratamento no Barreiro, merecem uma severa crítica por parte da Direcção da Organização Regional de Setúbal do PCP.
A decisão agora anunciada, privilegiando os interesses económicos das cimenteiras, vem provar que, afinal, este Governo não coloca as pessoas em primeiro lugar, nem é um governo de diálogo. Pelo contrário, o que demonstra é falta de bom senso e desrespeito pela opinião das instituições, das Associações ambientalistas e das próprias populações.
O Governo está enganado se pensa que o período de festas escolhido para o anúncio da decisão vai evitar a resposta das populações, diz ainda o PCP, exortando as populações dos concelhos do Barreiro e Moita à continuação da luta em defesa do

Também a Comissão Concelhia de Setúbal do PCP «não se sente descansada nem triunfante» com a decisão do governo a propósito da co-incineração de resíduos industriais.
Sendo certo que a luta das populações de Setúbal e a posição dos órgãos autárquicos e de uma parte da comunicação social obrigaram o Governo a «ponderar» a co-incineração da Serra da Arrábida, a verdade é que a ministra do Ambiente anunciou também que para a Secil irão resíduos tóxicos, sem designar quais as suas características.
Por isso, a Concelhia de Setúbal «não se congratula» com a decisão «nem considera que os outros locais é que são os indicados». Como sempre, o que defende é a necessidade de uma estratégia política ambiental que passe «pela redução da produção de tais resíduos, que sejam tratados na origem» e com fiscalização reforçada.

 

De COIMBRA:
Não à co-incineração
em Souselas

Para a Comissão Concelhia de Coimbra do PCP, a escolha da cimenteira de Souselas para a co-incineração de resíduos industriais perigosos e não perigosos «ofende profundamente os interesses e direitos do povo e do concelho de Coimbra».
Trata-se, aliás, de uma imposição que «contraria todas as posições assumidas pelos órgãos autárquicos» e que «não é sustentada do ponto de vista técnico e ambiental», prossegue, considerando que nesta «péssima decisão» pesaram «sobretudo as estratégias territoriais» do partido do Governo .
Assim, solidária com as populações mais directamente afectadas, a Concelhia do PCP e salientando que este não é um problema dos moradores de Souselas mas sim de todo o Concelho de Coimbra, exige do Governo a «pronta revogação desta decisão».

De VILA FRANCA DE XIRA:
«Vale a pena lutar»

Por sua vez, a Comissão Concelhia de Vila Franca de Xira do PCP congratula-se com a «vitória» alcançada pela população do concelho, especialmente os moradores da freguesia de Alhandra, na luta contra a intenção do Governo de queimar na Cimpor de Alhandra os resíduos perigosos e tóxicos.
Saudando o executivo da Junta e a Assembleia de Freguesia de Alhandra pela vontade e firme determinação demonstradas na condução desta luta, o PCP considera, entretanto, ter sido igualmente a «valentia e persistência» da população que obrigou o Governo a recuar numa decisão já tomada, confirmando «que vale a pena lutar».
Também o executivo da JCP de Vila Franca valoriza a luta da população lembrando, entretanto, que, num futuro próximo, poderá a Cimpor vir a queimar resíduos industriais.
Os jovens comunistas exigem do Ministério do Ambiente e da Câmara «uma proposta técnica de requalificação ambiental do local de Alhandra, nomeadamente um processo de controlo sistemático e obrigatório das fontes poluidoras da Cimpor e a definição de arranjos técnicos capazes, no imediato, de filtrar convenientemente as emissões poluentes para a atmosfera.»

Do BARREIRO:
«Decisão indigna»

A decisão do governo PS - uma «decisão indigna», como é sublinhado pela Comissão Concelhia do Barreiro do PCP - é «tanto mais grave quando traduz um visão do poder exercido contra as populações, ignorando as suas justas aspirações, e subjugada aos interesses económicos.»
Uma denúncia com sérios fundamentos, pois esta decisão foi tomada contra «a opinião expressa de cerca de 40000 cidadãos do Barreiro, traduzidas nas assinaturas recolhidas e entregues ao primeiro-ministro no passado dia 20 de Novembro; os cerca de 4000 estudantes que numa gigantesca manifestação de protesto invadiram as ruas da cidade no dia 21 de Outubro; a opinião unânime da população do Barreiro claramente expressa na sessão de consulta pública promovida pelo IPAMB (Ministério do Ambiente), no dia 23 de Outubro».

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Barreiro recusa decisão do governo

«Recusar liminarmente» a decisão do governo de localização no Barreiro de uma estação de pré-tratamento de resíduos e «denunciar a total arbitrariedade» na escolha deste local, foram as decisões da Câmara do Barreiro, reunida dia 30 de Dezembro em sessão extraordinária.

Na tomada de posição pública, a Câmara sublinha o facto de ter tomado conhecimento desta decisão pela comunicação social, o que «ilustra bem a forma autoritária e arrogante como o Ministério do Ambiente tratou todo este assunto, ignorando totalmente o processo de consulta pública que demagogicamente promoveu e a participação massiva da população do Barreiro nesse processo.»
«Não se pode, em democracia, ignorar um abaixo-assinado de cerca de 40.000 cidadãos de uma cidade de 85.000», lembra a nota da Câmara. E alerta para que, com atitudes como esta, «gera-se o desencanto, abre-se o caminho do autoritarismo e do centralismo da vida política.»
Dois dias antes a Assembleia Municipal do Barreiro aprovou, por unanimidade, uma moção de completa oposição à instalação de uma estação de pré-tratamento.
Na moção, em que se considera indiscutível a necessidade de criar um sistema de tratamento de resíduos industriais perigosos, é criticada a opção do governo de avançar com o processo de co-incineração, «sem que tal decisão tivesse sido antecedida, como seria razoável, pela criação de um plano de redução dos resíduos, de um registo nacional dos resíduos existentes e sem se terem tomado as medidas necessárias para se pôr cobro aos despejos ilegais.»
A moção refere os graves erros do Estudo de Impacto Ambiental, apresentado pela Scoreco, entidade promotora da instalação e exploração do sistema e lembra que a consulta pública realizada no Barreiro se traduziu numa clara rejeição, que se traduziu, quer em grandes manifestações populares, quer num abaixo assinado que mobilizou quase metade da população.
Em nota de imprensa, o executivo concelhio da JCP do Barreiro apela à participação dos jovens em todas as formas de luta «contra esta decisão hipócrita» do governo. Os jovens comunistas comentam que «o PS que anunciou, nas suas campanhas, que as pessoas estavam em primeiro lugar, mostra agora que a cor do dinheiro é mais importante que a saúde e o bem-estar da população.»


«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999