40º aniversário da Revolução Cubana

Mercedes Aguiar

"Uma revolução profundamente humana"

Depoimento de Mercedes Aguiar,
embaixadora de Cuba em Portugal


Faz cem anos, em Dezembro de 1898, na sequência da Guerra Hispano-Cubana-Norte-americana, foi assinado em Paris o Tratado de Paz entre a Espanha e os Estados Unidos, com Cuba excluída de todas as negociações.
Os cubanos, que haviam protagonizado uma épica e heróica luta de trinta anos pela sua independência do jugo espanhol, sofriam a mais amarga humilhação.
Da dor dilacerante dos patriotas cubanos deixou o general Maximo Gomez testemunho no seu diário de campanha: «A situação criada a este povo, de miséria material e de penúria por estar coibido em todos os seus actos de soberania é cada dia mais aflitiva e, no dia em que termine esta estranha situação, é possível que não deixem os norte-americanos aqui nem um grama de simpatia.»
Em Maio de 1902 instaurava-se a República, com a indigna imposição da Emenda Platt à sua Constituição.
Sete anos antes caíra sob as balas espanholas José Martí, que encarnava na América o pensamento mais avançado e democrático nos finais do século XIX. Em carta ao seu amigo Carlos Baliño, tinha expressado a essência do seu ideário político: «A revolução não é a que vamos iniciar na manigua (terreno maninho na ilha da Cuba) mas a que vamos começar na República.»

Durante 57 anos de neocolonialismo, nem a frustração nem a miséria nem a opressão lograram apagar essa nobre e legítima aspiração. Pelo contrário, foi amassada com luta e rebeldia; foi assim que brotaram de novo as sementes em 26 de Julho de 1953, dando começo à batalha final pela nossa verdadeira liberdade e independência.

No 1.º de Janeiro de 1959 brilhou o sol da vitória. No dia seguinte, no discurso no Parque Céspedes de Santiago de Cuba, Fidel disse: «Em tudo, o tempo é um factor importante; a revolução não poderá fazer-se num dia, mas estejam certos de que a faremos, estejam certos de que pela primeira vez, de verdade, a República será inteiramente livre e o povo terá o que merece.»
Uma nova página da história começam a escrever os cubanos: a recuperar as nossas riquezas, a realizar as profundas mudanças na ordem política, económica e social, rumo à edificação de um sistema baseado na justiça social e no pleno exercício da democracia, que não é aquela que se limita aos actos eleitorais mas que garante, por sua vez, a participação verdadeira e sistemática do povo na direcção e controlo da sociedade.

Todo este processo ocorreu em condições muito difíceis e complexas. Seria interminável o rol de agressões, ameaças, actos de sabotagem e provocações dirigidas contra Cuba pelo «Norte revolto e brutal que nos despreza», como qualificou José Martí aquela que se converteria na maior potência deste século.
Terminada a «guerra fria» mas empenhados em manter «congelada» a sua política de hostilidade e isolamento, os Estados Unidos aplicam contra a ilha indómita uma guerra económica cujo eixo é o criminoso e injusto bloqueio económico, comercial e financeiro, que perdura há quase quatro décadas, agravado por esse monstro jurídico conhecido por «lei Helms-Burton».
Como se fora pouco, os Estados Unidos também concentram contra Cuba a mais brutal campanha de desinformação, manipulação política e desestabilização.
Para tal se servem não apenas do ilimitado controlo que possuem sobre os principais meios de difusão à escala planetária mas também de milionárias fatias orçamentais para fomentar a subversão interna no pequeno país vizinho.
Só um povo unido, com alta consciência política enraizada na sua história, solidariedade internacionalista, identidade nacional, culto e digno, seria capaz de resistir a essa esforçada e impiedosa política orientada para a destruição da Revolução cubana.

Que defendemos com tanta honra e paixão? Uma obra profundamente humana, forjada com grandes esforços e sacrifícios, que tem como suporte conquistas revolucionárias irrenunciáveis, porque constituem o pilar do modelo de sociedade socialista que trabalhamos para aperfeiçoar, sem dogmas nem esquematismos, adequado à nossa realidade nacional e com a vocação universal que alimenta a nossa luta por um mundo de paz, solidariedade e fraternidade entre todos os homens da terra.
Para enfrentar a mais profunda crise económica destes quarenta anos, que teve os seus impactes mais fortes entre 1991-1994, empreendemos, desde então, diversas reformas que nos permitiram alcançar um processo de recuperação económica que tudo indica ser irreversível e nos assegura o avanço no nosso projecto económico e social.
Continuaremos com essas reformas, no grau e no ritmo que exijam essas estratégia, sem claudicar nos nossos princípios que constituem o baluarte da nossa plena liberdade, independência e soberania.
Nesta honrosa batalha contamos com a solidariedade de milhões de pessoas honestas que partilham os nossos sonhos de justiça e fraternidade, o que por sua vez estimula o nosso alto compromisso de não defraudar esse belo objectivo de conquistar um mundo melhor.

Inspirada nestes valores e graças aos frutos com que conta a Revolução para partilhá-los com humildade e desinteresse, Cuba enviou recentemente centenas de médicos e técnicos de saúde para socorrer povos irmãos que nas Caraíbas e na América Central foram vítimas dos incalculáveis danos ocasionados pelos furacões «George» e «Mitch».

Entre Cuba e Portugal há milhares de quilómetros de distância, mas as similitudes culturais, simpatia e mútua hospitalidade aproximam os seus povos como as estrelas no alto firmamento.
Por isso o povo de Cuba guardará na memória aquela tarde chuvosa de Outubro, véspera da Cimeira Ibero-americana, em que milhares de portugueses desfilaram pelas ruas do Porto para ratificar, uma vez mais, a sua firme e perseverante condenação ao criminoso bloqueio norte-americano.
O abraço de Fidel e Saramago, sob a consigna de «Cuba sim, bloqueio não», que retumbava no Centro de Congressos de Matosinhos, fez-nos sentir que todos, cubanos e portugueses, éramos netos de Jerónimo e escalávamos a Sierra Maestra, para honrar com cravos vermelhos e rosas brancas a eterna amizade e solidariedade entre os nossos povos.


«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999