Igualdade, paridade, quotas.... (II - Conclusão)
Algumas experiências estrangeiras

Por Odete Santos


Em resultado da guerra pela Paridade, a França - país que apesar de ser o berço da Revolução Francesa e de ter um património de luta pela cidadania das mulheres através das Vozes de Olympe de Gouges e de Condorcet, conta com uma das mais baixas taxas de representação das mulheres no poder legislativo -, a França ensaiou a tentativa de reforçar a representação feminina nos Conselhos Municipais, alterando o Código Eleitoral, ao estabelecer que as listas de candidatos não podiam ter mais de 75% de pessoas do mesmo sexo.

Esta disposição foi julgada inconstitucional pelo Conselho Constitucional por decisão de 18 de Novembro de 1982. Com o fundamento de que nos termos constitucionais apenas razões de idade, de incapacidade ou de nacionalidade, e ainda razões tendentes a preservar a liberdade do eleitor ou a independência do eleito podiam excluir cidadãos do direito de voto e de elegibilidade. Opondo-se, os princípios constitucionais, a toda e qualquer divisão dos eleitores ou dos elegíveis. Opondo-se em consequência, à distinção entre candidatos em razão do sexo.

Na Bélgica, depois de uma experiência mal sucedida através de uma lei que impôs um sistema de quotas em listas eleitorais, permitindo, no entanto que as mulheres ocupassem lugares não elegíveis nas listas de candidatos, o Parlamento e o Senado têm entre mãos várias propostas de lei destinadas a instituir um sistema de quotas.
Na Itália, foi aprovada na Revisão Constitucional uma nova redacção para um dos artigos da Constituição, estabelecendo o seguinte:
«As leis eleitorais e as outras leis providenciam instrumentos e modalidades para promover o equilíbrio da representação entre os sexos».

Regressando à França, assinala-se que a Assembleia Nacional, para ultrapassar os problemas constitucionais assinalados na Sentença do Conselho Constitucional atrás referida, acabou de aprovar em revisão constitucional a alteração do artigo 3º da Constituição que passa a estabelecer o seguinte:
«A lei determina as condições em que se organiza o igual acesso das mulheres aos mandatos eleitorais e às funções electivas».
De todo este panorama, conclui-se que houve um recúo no objectivo da paridade, que foi substituído pela reivindicação de um sistema de quotas, que os seus defensores reivindicam de acção positiva, destinada a obter a igualdade real entre mulheres e homens.

Será importante reflectir sobre o debate travado na Assembleia Francesa.

Sobretudo sobre as curtas e incisivas declarações, a respeito da Paridade, de Danièle Lochak - professora da Universidade de Paris X-Nanterre - ouvida pela Comissão das leis constitucionais da Assembleia:
«Eu penso que o facto de considerar que a "categorização" homens-mulheres não é justificada senão pela biologia - porque é isso que nos é proposto - é perigoso. Se, pelo contrário, ela se explica pela cultura, sendo a alienação uma realidade, a opressão é apenas temporária e não está ligada à essência das mulheres... Eu excluo toda a argumentação fundada sobre a natureza e a cultura, entendendo-se que eu não considero que o objectivo seja estritamente ter tantas mulheres como homens no Parlamento: o que é preciso é instaurar uma real igualdade de oportunidades e se não há outro meio de aí se chegar, então vamos à paridade...
«Para resumir, eu julgo que os fundamentos ideológicos, simbólicos e filosóficos da paridade são frágeis, mas eu admito-a se a situação não puder ser desbloqueada de outra maneira».
À última hesitação apetece responder com a espanhola Teresa de Castro:
«Eu como mulher quero as mesmas oportunidades que os homens. Nem mais nem menos. E para isso só faz falta uma coisa, bem simples, tão simples que roça o vulgar : Que se cumpra a lei... Por que julgam os senhores que as mulheres têm tantos problemas?»

Um retrato desfocado

O debate sobre a paridade e o sistema de quotas, desfocou a análise sobre as reais causas das discriminações das mulheres.
Porque, como referiu a Professora francesa, é verdade que a reivindicação da paridade assenta numa mera questão biológica. Omitindo as questões sociais, económicas e culturais que conduziram à discriminação do sexo feminino.
A paridade cria dois grupos - homens e mulheres - como se fossem subespécies distintas em nome das diferenças biológicas. A paridade ignora o significado social do sexo.
E quanto às quotas, que muitos defendem ser uma acção positiva que se enquadra em textos internacionais, será que pode ser assim entendida?
As quotas não serão também uma forma de perpetuar uma igualdade formal, geradora também ela de desigualdades?
Caberá perguntar se todas as mulheres com as mesmas aptidões para a vida política, de todos os estratos sociais, ficam em situação de igualdade, umas perante as outras, para poderem aceitar um mandato em lugar elegível nas listas eleitorais.
A igualdade (a igualdade real, entenda-se) não consente a companhia de outros epítetos como paridade e sistema percentual, porque se esquece (ou melhor: procura-se que outros esqueçam) que os problemas das mulheres resultam do não cumprimento de leis, e da adopção de outras como a da flexibilização, da precarização do trabalho, do trabalho a tempo parcial imposto, tudo conduzindo à pauperização e a uma menor participação (ou mesmo à apatia) na vida política.

Sendo de facto necessário que as mulheres tenham melhor representação nas listas para os órgãos de decisão, pois as suas capacidades estão subestimadas nos órgãos de decisão política, a verdade é que os sistemas de quotas impostos por lei, na grave situação de crise que a Europa e o Mundo atravessam, não são mais do que migalhas do Banquete.
Ainda por cima só facilmente acessíveis àquelas que têm acesso à mesa imperial.


«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999