Fazer frente a Clinton e Blair


O poder que o sistema confere ao Presidente norte - americano e ao Primeiro Ministro Britânico tem componentes perversas que chocam com os interesses globais da paz e da segurança no mundo. A agressão ao Iraque decidida de forma totalmente unilateral é bem exemplo dessa perversidade do sistema.

Clinton tem-se servido a seu belo prazer de Saddam para fazer face às suas dificuldades internas provocadas pela incapacidade de resistir aos seus impulsos sexuais. Sempre que os ataques dos republicanos recrudescem, Clinton desdobra-se em pedidos de desculpa, de actos de contrição e de acções de agressão ao Iraque ; coisas difíceis de conciliar para um cristão. Como pode um arrependimento ir de mão dada com a destruição e morte de tantos inocentes iraquianos, cujo único "crime" que cometeram foi nascer no Iraque ? O sistema norte - americano permite quase tudo a um Presidente, incluindo bombardear, a ferro e fogo, um país a milhares de quilómetros, e não permite e faz paralisar o mundo com as escapadelas do Presidente para se avistar com uma estagiária na sala Oval da Casa Branca... È , na verdade, um sistema estranho e perverso.
No meio de todas esta crise uma coisa parece certa : Clinton precisa de Saddam e Saddam de Clinton. E ambos precisam um do outro pelas mesmas razões de carácter interno e razões internacionais. Com Saddam, Clinton pode sempre desencadear ataques e paralisar opiniões públicas desfavoráveis. É um facto que Clinton sempre poderá defender que Saddam ainda tem algum armamento que é necessário destruir e também sempre poderá alegar que Saddam é um perigo. Os EUA e o Ocidente conhecem bem Saddam a quem ajudaram na contra guerra contra o Irão. Além do mais Clinton , com Saddam no poder, tem garantida a permanência de toda a sua monstruosa força bélica no Golfo, na região mais rica do mundo em petróleo. A "nova ordem" fica mais segura com Saddam, que neste momento não tem dinheiro nem para mandar cantar um cego. Saddam precisa de Clinton para tentar ganhar legitimidade face à contestação interna. Por isso em 91 Clinton permitiu ao ditador usar a aviação para derrotar o levantamento popular em todo o Iraque. Apenas exigiu ao " inimigo" que pintasse de laranja os aviões e os helicópteros de serviço ao esmagamento do levantamento popular. E Saddam precisa de Clinton porque de certo modo a honra árabe e muçulmana, o lado mártir tão inerente ao islão, afirma-se com o seu papel de vítima em toda a crise.
Já há anos que Blair defende a entrada do Partido Democrático para a Internacional Socialista. Vê-se neste seu acompanhamento de Clinton o verdadeiro posicionamento de Blair. Não passa de um parceiro menor da superpotência. A sua Terceira Via pode em palavras falar de conceitos caros à Humanidade, mas de facto não passa disso. Blair, como chefe do poder executivo inglês, não destoou em nada do velho imperialismo britânico. Quando Blair afirma que colocou a "fera na gaiola" , mostra ao mundo a veia do velho império britânico. Como pode Blair invocar modernidade quando até nas palavras ressuscita o mais antiquado vocabulário imperialista ? Como pode Blair falar em direito internacional quando o cheiro a petróleo é mais forte que a ONU ? Que modernidade pode trazer esta chamada Terceira Via de Blair com esta postura internacional de violação descarada e brutal do direito internacional ? Na prática não há diferenças entre a política internacional de Clinton e de Blair. Por isso Blair quer Clinton na Internacional Socialista.

Uma posição indigna

Todos os bombardeamentos contra o Iraque se fizeram em nome do cumprimento de resoluções que o Iraque diz cumprir. Curiosamente a única que o governo iraquiano não cumpre, a 688, que exige o respeito pelos direitos humanos no Iraque, os EUA nem sequer dela falam. Nos últimos meses o regime de Saddam executou 1500 presos políticos, quase todos ligados ao levantamento popular de 91. Mesmo assim o pretexto de Clinton continua a ser as instalações militares e a violação das resoluções da ONU. Não muito longe, Israel continua a violar todos os segundos, todos os minutos e há muitos anos resoluções da ONU sob o olhar cúmplice dos EUA...
O governo português do Partido Socialista por via de Veiga Simão manifestou o seu servilismo face ao Big Brother e desejou boa sorte à missão dos mísseis. Depois o porta-voz do MNE anunciou que não apoiava nem discordava. Mais tarde Jaime Gama tornou claro que se os EUA quisessem utilizar as Lages, podiam faze-lo à vontade, envolvendo o país na agressão ao Iraque. É, na verdade, uma posição indigna. Portugal não ganha rigorosamente nada com esta atitude e perde muito junto dos países árabes, a começar pelo Iraque que seguramente um dia deixará de ser governado pela camarilha de Saddam Hussein . Ser aliado nunca poderá significar ser servil, ficar de cócoras, tanto mais quanto Portugal para além de ser uma nação com um passado notável , é também hoje um país com indiscutível prestígio.
Estes bombardeamentos impiedosos fazem piorar a já difícil vida do povo iraquiano, martirizado pelo embargo decretado pela ONU. Esta é a verdade dos factos. Nada a pode esconder para quem a procure. É, assim, urgente e imperioso criar condições para que estes senhores e estes governos não pensem que têm as mãos livres para fazerem o que quiserem. É preciso uma opinião pública mais activa, mais empenhada na denúncia deste tipo de acções. A verdade é que em Portugal tal movimento não existe ainda e é preciso criá-lo. E ninguém tem dúvidas que os comunistas têm um papel a desempenhar na criação deste movimento unitário, que congregue os cidadãos que queiram dar as mãos por um mundo mais justo, sem estes brutais bombardeamentos e sem embargos criminosos. Comunistas, católicos, sindicalistas, intelectuais, democratas, gente sem partido, gente da comunidade muçulmana residente podem, criar um movimento de intervenção contra tais situações. É urgente avançar nessa direcção e deitar mãos à obra. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999