«Contudo ela move-se...»
O embandeiramento em arco em
relação ao euro que marca o tom dos noticiários nacionais nos
últimos dias tem remetido para um discreto segundo plano ou tem
feito simplesmente desaparecer referências às análises de
balanço surgidas na imprensa internacional em relação à
economia no mundo e às perspectivas para o ano de 1999.
Não faltam porem os motivos de atenção e de nota.
Mesmo quando é admitido que o crescimento
económico mundial, apesar da sua acentuada desaceleração, se
manterá no decurso do ano de 1999, as cores sombrias e os
motivos de incerteza irrompem em todas as previsões.
«O cenário pior não é de excluir» (...) «e uma deflação
generalizada (uma baixa conjugada dos preços e da procura à
maneira dos anos 30) alimenta os receios» - salienta, por
exemplo, o Le Monde. E prossegue: «os indicadores da
deflação vêem-se por toda a parte», «os lucros das empresas
estão em baixa», «um conjunto de países representando 40% da
economia mundial continuam em recessão».
O The Wall Street Journal salienta por seu turno que
«tudo indica que os bons tempos da Europa estão a vacilar
precisamente na altura em que o euro entra em vigor». E destaca
as afirmações do sr. Callow, um economista da Dresdner
Kleinwort Benson em Londres segundo o qual a «velocidade da
deterioração das condições é mais rápida do que
esperávamos».
As tentativas de compreensão da situação
também se multiplicam.
O sr. Barton Biggs, da Morgan Stanley, por exemplo, adianta que o
problema de fundo da economia mundial deriva dos «excessos de
investimento que conduziram a excessos de capacidade um pouco por
todo o lado», o que conduziu a uma concorrência terrível entre
as empresas à escala mundial e à queda dos preços. Só uma
recessão pode eliminar esses excessos de capacidades e, por
isso, ela parece-lhe «inevitável».
O sr. Ed Yardeni, economista-chefe da Deutsche Bank em Nova
Yorque, salienta no mesmo sentido que «o mundo possui vendedores
a mais e poucos compradores» e além da queda dos preços das
matérias primas, destaca também a queda a pique dos preços
industriais, responsável nomeadamente pelo facto do índice dos
preços no sector da indústria dos Estados Unidos ser o mais
baixo dos últimos 16 anos.
Lucas Delattre, no Le Monde, critica a «economia de
casino» e a passagem de um capitalismo industrial ou financeiro
para um capitalismo especulativo, e acusa «os mercados,
obcecados por exigências de rentabilidade excessivas, por terem
acabado por constituir um travão aos investimentos e não
estarem mais ao serviço de um crescimento durável».
Observada a situação mundial de outro ângulo, segundo dados recentemente divulgados pelas Nações Unidas, verifica-se que os 20% da população nos países de mais alto rendimento contribuem com 86% para as despesas de consumo privado totais e os 20% mais pobres com 1,3% apenas. E que nos próprios países industrializados cerca de 7 a 17% da população são pobres, com os Estados Unidos, que possuem o rendimento médio mais elevado, a apresentarem também a parcela mais elevada de população a viver numa situação de pobreza.
Não evidencia tudo isto que se está a aprofundar enormemente a contradição entre as possibilidades existentes de desenvolvimento das forças produtivas e as limitações impostas a esse desenvolvimento pelas relações de produção capitalistas? Ou dito por outras palavras e na linha da análise de Marx, que se acentua a necessidade do socialismo? Edgar Correia