EURO
"Revolução"e revolução


A entrada em vigor do "euro" foi acompanhada de um ruidoso coro de hossanas; de "momento histórico" a "revolução pacífica", não faltaram as tiradas propagandísticas grandiloquentes.

É porém significativo que, em comparação com a apologética sobre a missão do "euro" no processo de construção de uma U.E. federalista supranacional e na competição com os dois outros grandes polos do imperialismo, as promessas relacionadas com as concretas condições de vida das massas sejam singularmente discretas. Não salta à vista nenhum compromisso solene de atacar e resolver o gravíssimo problema do desemprego e de outras chagas sociais que afectam a generalidade dos onze países da "Eurolândia"(!!). O que, não obstante significativas nuances, diz bem da real natureza de classe da política da social-democracia que hoje pontifica em 13 dos 15 países da U.E. É certo que, por exemplo, Lafontaine, o controverso Ministro das Finanças alemão e Presidente do SPD, se referiu à necessidade de "uma estratégia comum de criação de empregos". O que não é de surpreender, dadas as promessas eleitorais do seu partido e os mais de 4 milhões de desempregados na próspera Alemanha. Mas mesmo aqui é legítimo perguntar em que "emprego" pensa, já que - ver entrevista a "Le Monde" de 15/16.11.98 - se não coíbe em elogiar o chamado "modelo americano", assente na flexibilidade da mão de obra e na debilidade da segurança social.

Emprego sem direitos, não obrigado. Sim, à redução do horário do trabalho sem diminuição de salário, à dinamização da actividade económica pelo aumento dos salários e do poder de compra dos trabalhadores, à defesa e reforço das funções sociais do Estado, ... Sim a um novo rumo de construção europeia, no interesse do homem e não do lucro, da valorização do trabalhador e do trabalho e não do reino do capital, da cooperação e não da competição exacerbada até "à guerra económica", da soberania nacional e não da imposição supranacional do poder dos mais fortes e poderosos. Um tal novo rumo não resultará de nenhuma dádiva, terá de ser conquistado pela luta contra esta Europa do grande capital e das grandes potências que os teólogos do "pensamento único" nos apresentam como inelutável, mas que na verdade, pelo seu próprio carácter de classe e natureza voluntarista artificial, enferma de fragilidades e contradições que podem ser exploradas na luta por uma Europa de paz, progresso e cooperação. Neste objectivo estão particularmente empenhados os comunistas e outras forças de esquerda e progressistas da Europa, que em breve divulgarão posições comuns.

A maior e mais evidente fragilidade desta construção europeia reside no seu carácter anti-democrático, opaco e sigiloso, imposto de cima para baixo, à margem de um real debate e participação popular. Este "momento histórico" apenas foi celebrado pelo sistema em cerimonial de circunstância, à revelia de qualquer expressão de genuíno regozijo e apoio popular. Se mobilização houve, não foi das massas mas dos "média", essa sim avassaladora e maciça. Esta "revolução pacífica" não só se processou à margem das populações, como tudo fez para as manter à distância. Fugindo, como em Portugal, à pública discussão e ao veredicto popular em referendo, apesar de assegurar, via "sondagens", que a opinião pública na U.E. é maioritariamente favorável à moeda única. De facto, a introdução do "euro" e tudo o que o acompanha (BCE, Pacto de Estabilidade, etc.) significam um novo e gravíssimo ataque, não apenas à soberania nacional de países como Portugal, mas à própria democracia tal como nós comunistas portugueses a compreendemos.

Enquanto na Europa ocidental se vitoriava uma (contra) "revolução pacífica" de tecnocratas, em Havana celebrava-se o 40º aniversário de uma revolução (armada) verdadeira, porque libertadora, popular, socialista. Trazendo-nos, com as belas e convincentes palavras de Fidel e com o exemplo de dignidade e heroismo de um povo, uma mensagem singela, mas capital. Sim, vale a pena lutar. Por uma vida mais livre e mais justa. Contra o sistema, necessariamente. Contra a corrente, as mais das vezes. "As soluções não virão da boa vontade dos que se apropriaram do mundo e o exploram" (Fidel). — Albano Nunes


«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999