Ouçam bem!
O congresso do PS continua a ser a notícia para a generalidade da comunicação social. Artigos de opinião sucessivos, análises múltiplas, entrevistas com elementos de todas as tendências e sensibilidades existentes no partido, têm preenchido parte considerável do tempo e do espaço mediáticos. (Mas não terá sido por falta de espaço e de tempo que a maior parte desses média ignoraram, ou quase, o importante acontecimento que foi a Assembleia da ORL do PCP a qual, com cerca de oitocentos delegados e centenas de convidados, decorreu durante o dia de sábado em Lisboa...). O aparato e a avalanche de peças sobre o congresso, levaria qualquer observador menos atento a concluir que estamos perante uma iniciativa carregada de novidades de vulto, de alterações mais ou menos profundas às orientações partidárias e à política governamental. Nada mais falso: de facto, quase pode dizer-se que estamos a rever um filme antigo, onde o preto e branco aparece artificialmente colorido com várias tonalidades rosa, sem que uma migalha de novo cintile no meio da feira de velharias que são as ideias expendidas, as propostas apresentadas, os caminhos apontados. É claro que há a «novidade» de as opiniões diferentes das de Guterres ocuparem lugar destacado nos noticiários sobre o congresso - mas sabe-se já que, na hora da verdade, tudo entrará nos eixos e a política de direita sairá triunfante do conclave. Com «terceira via» ou sem ela.
Na verdade, a «moção Guterres/Vitorino»
limita-se a apontar a prossecução da política de direita
praticada nos últimos três anos. Fá-lo, talvez, numa linguagem
outra (não nova mas reveladora de incontestáveis progressos dos
seus autores na utilização da novilíngua que hoje sustenta o
discurso dessa política) o que se percebe na medida em que as
eleições estão à porta e nada é demais e tudo é
justificável à luz da obsessão doentia pela maioria absoluta
que percorre o PS.
É certo que há outra moção. É certo que essa outra moção
expressa justas preocupações, coloca problemas reais, exibe
inegáveis intenções de boas intenções. Dir-se-à que isso
já é alguma coisa. Será. Mas como toda a gente sabe, essa
moção, mesmo que ganhasse (e independentemente da modalidade em
que isso se verificasse) pouca ou nenhuma eficácia teria, pois o
que conta, mesmo antes do congresso, é a posição de Guterres e
a sua moção. E não será abusivo concluir que se ela tivesse
qualquer hipótese de vir a ter eficácia... nem chegaria ao
congresso. Assim, parece não restarem dúvidas de que se trata
de uma iniciativa cheia de boas intenções mas objectivamente
cheia, também, de utilidade para os objectivos dos que, no PS,
querem continuar a política de direita: piscando o olho aos
trabalhadores e fazendo a corte à esquerda em geral, de facto
apela ao voto não em si mas na sua «opositora», pede votos
não para a vitória das suas boas intenções mas para a
vitória da política de direita.
Tema omnipresente na enxurrada discursiva
que empurra o congresso para a ribalta, é o PCP!. Declarações
sobre a matéria produzidas por vários dirigentes do PS,
passaram já a incluir o anedotário político nacional. «O PCP
já não é o que era» - «elogiam» uns; «O PCP continua na
mesma» - respondem outros. E deste fogo cruzado de tiros de
pólvora seca, revelador de uma notável pluralidade de
opiniões, emerge, comum a todos, a ideia de que «o PCP deve
renovar-se» - significando isto para todos que o PCP deve deixar
de ser o que é e passar a ser o que ao PS interessa e é útil
que seja. Casos há em que, sem qualquer pudor e até com alguns
fumos de provocação, o PCP é visto como um objecto
utilitário, um instrumento que os executores da política de
direita utilizariam a seu bel-prazer, consoante a serena
aplicação dessa política o exigisse.
Tudo isto revela um profundo desconhecimento - real ou fingido -
sobre o que é, por que existe e para que existe o PCP. E a
verdade é que se há renovação necessária e urgente a fazer -
e há! - é no PS: a renovação que torne coerente a política
praticada no governo com a sua pretensão de se situar na área
da esquerda.
Ouçam bem: «O PCP nunca será cúmplice de uma política de direita, não será cúmplice da política que tem sido conduzida pelo PS» - afirmou o Secretário Geral do Partido em recente entrevista ao «Público». E com isto ficaria tudo dito se Carlos Carvalhas não achasse por bem - e muito bem! - explicar que, sendo o PCP um partido com vocação de poder, «não aspiramos ao poder pelo poder, não aspiramos a ter dois ou três ministros para prosseguir a mesma política, aspiramos, sim, a uma mudança de política, uma viragem à esquerda». Eis a diferença entre um partido coerente, sério e com princípios - e outro que se situa nos antípodas desta postura. Por isso a afirmação de Carvalhas, segundo a qual «não haverá viragem à esquerda sem o reforço» dos comunistas, ganha uma dimensão e uma actualidade incontestáveis, e constitui um alerta para todos os homens, mulheres e jovens de esquerda, para todos os que, seja qual for a área político-partidária em que se posicionem, consideram que é necessário proceder a uma viragem à esquerda na política nacional.
«Nestes últimos anos, aquilo que aparece de mais fundamentalmente positivo, tem a marca da pressão ou da proposta do PCP. Veja-se o rendimento mínimo, o pré-escolar, a lei de bases da floresta, a rede de apoio nacional aos toxicodependentes, as alterações ao IRS» - disse, ainda, Carlos Carvalhas. E também esta afirmação expressa com grande nitidez uma prática interventiva, uma maneira de fazer e estar na política, uma noção de seriedade e responsabilidade, um respeito pelos portugueses, enfim. um conjunto de características singulares no quadro político-partidário nacional. Os comunistas não são oposição por terem que estar e quererem estar sempre «no contra», não são oposição por ser oposição: sem dúvida, lutam como nenhum outro partido contra tudo o que consideram ser contrário aos interesses de Portugal e dos portugueses; mas, sem dúvida também, batem-se, como nenhum outro partido, por medidas favoráveis a esses interesses e avançam propostas no mesmo sentido. A experiência dos últimos três anos mostra com clareza que os interesses dos trabalhadores e do povo serão tanto melhor defendidos e os seus direitos serão tanto mais respeitados quanto maior for o número de deputados comunistas no Parlamento Europeu e na Assembleia da República.