Contra salários de miséria
Têxteis, vestuário e calçado
optam pelo caminho da luta


Os patrões insistem em aumentos salariais de 50 ou 60 escudos por dia, em empresas que dão elevados lucros, recebem milhões de incentivos e pagam menos de 400 escudos à hora a mais de 70 por cento dos trabalhadores.

O bloqueamento da contratação colectiva, arrastando a actualização salarial que já deveria vigorar desde 1 de Janeiro, foi denunciado na semana passada pela Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal. Em conferência de imprensa dada na sua sede, no Porto, a Fesete/CGTP chamou a atenção para alguns números que falam por si, e bem alto, denunciando como «um escândalo» o facto de que «empresas que gerem centenas de milhares de contos de lucros pretendem manter salários de miséria».
Decorridos dois meses de negociação, o patronato dos diferentes subsectores não apresentou propostas para além de 2 ou 2,8 por cento, o que significaria ajustamentos salariais entre 50 e 60 escudos por dia. Simultaneamente, as associações patronais procuram desvalorizar os contratos colectivos e insistem na linha de desregulamentação dos direitos sociais e contratuais, mantendo em muitos casos a exclusão ilegal das pausas na contagem do tempo de trabalho.
A federação considera que o comportamento do Governo «não é alheio» a esta atitude do patronato, «quer pelos indicadores de tectos salariais, directos ou indirectos, e a sua postura relativamente à Lei 73/98», «quer pelo conjunto de medidas legislativas preparadas com vista a favorecer ainda mais o patronato».

Salários
e lucros

As posições patronais na actualização salarial deste ano são traduzidas pela Fesete num exemplo: «Se um trabalhador reduzisse o consumo de 3 cigarros, um café ou meio litro de leite por dia, podia perfeitamente abdicar dos "aumentos salariais" e permitiria que os patrões pudessem tomar mais uns whiskyzitos, comprar mais umas vivendas ou uns ferraris e engordar as suas contas bancárias».
A federação reclama aumentos mínimos na ordem dos 5 contos mensais, apresentando contas que mostram ser esta uma reivindicação «perfeitamente realista», para fazer face a uma inflação que ultrapassa os 3 por cento, com as rendas de casa.
A par de aumentos de produtividade de, em média, 4,4 por cento, as empresas beneficiaram ainda da recente redução das tarifas da electricidade em dez por cento. Os apoios financeiros, no âmbito do PEDIP e outros programas, contemplam investimentos globais que ultrapassam um bilião de contos nas indústrias têxteis, de vestuário e calçado.
A aceitação das propostas sindicais, refere a Fesete, teria uma incidência «absolutamente insignificante» na facturação (de 0,9 a 1,4 por cento, de acordo com os exemplos apontados na conferência de imprensa) e permitiria que os custos salariais das empresas se mantivessem este ano a um nível inferior ao de 1992/93.
É também feita a comparação das remunerações vigentes no sector com os salários praticados na indústria da União Europeia, em média, nos anos de 1993 e 1995. Na Alemanha e na Dinamarca, os ganhos médios horários brutos chegam a ser 6 vezes superiores. A diferença é ainda maior se for tido em conta que, nos têxteis, vestuário e calçado em Portugal, cerca de 70 por cento dos trabalhadores estão nos últimos grupos da grelha salarial e auferem salários que ficam entre 8 e 10 por cento abaixo da média nacional, ou seja, ganham cerca de 370 escudos por hora.
Nesta situação, não resta aos trabalhadores «outra alternativa que não seja a luta para obrigar o patronato a mudar de posição», defende a Fesete, prevenindo que «a luta pela negociação vai ser prolongada e não daremos tréguas aos patrões nas empresas, sendo da sua responsabilidade os conflitos que certamente se irão desenvolver».

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Ruptura no calçado

Ao fim de oito reuniões de negociação, a associação patronal do calçado manteve a sua proposta de aumentos salariais em 1,9 por cento. Segundo a Fesete, a APICCAPS propunha que os salário actuais, situados entre 45200 e 141300 escudos, passassem para um mínimo de 49 mil escudos e um máximo de 144 mil. O subsídio de alimentação, na proposta patronal apresentada pela última vez na passada sexta-feira, seria aumentado em dez escudos.
Os representantes dos trabalhadores deram esta fase por concluída e solicitaram a passagem à fase de conciliação, no Ministério do Trabalho. «Lutar é o único caminho», proclama a federação no comunicado que emitiu anteontem.


«Avante!» Nº 1314 - 4.Fevereiro.1999