Em causa negócio de milhões
Processo nebuloso na privatização da ANA


Existem fortes razões para crer na falta de transparência do processo que envolve o desmembramento e privatização da Empresa Pública Aeroportos e Navegação Aérea. Abundam as interrogações e adensam-se as nuvens à volta do assunto, sugerindo a existência de interesses obscuros indissociáveis do negócio dos terrenos do Aeroporto da Portela e da construção do novo aeroporto.

Preocupado com a situação está o Grupo Parlamentar do PCP que chamou à Assembleia da República para ratificação o diploma que prevê a cisão e privatização da ANA, apresentando simultaneamente um projecto de resolução no qual propõe a sua cessação de vigência.
Na apreciação parlamentar ao diploma realizada no final da semana transacta, Lino de Carvalho invocou três ordens de razão para justificar a discordância da sua bancada relativamente a um processo que considera estar longe de ser normal.
A primeira, sublinhou, reside na «ausência de fundamentação para a decisão de cisão e privatização da ANA e suas eventuais consequências em matéria de manutenção de controlo do espaço aéreo por Portugal». Com efeito, num quadro em que a empresa apresenta «muito boa perfomance económica, com resultados crescentemente positivos» e onde avulta a sua reconhecida «qualidade e eficácia do serviço», não se vislumbram razões que sustentem a decisão numa perspectiva de salvaguarda do interesse nacional. Tanto mais que, como assinalou Lino de Carvalho, «desdobrar a empresa em duas, com estatutos jurídicos diferentes, uma das quais com o objectivo de privatizar a seguir, levará necessariamete à introdução de factores de instabilidade, sobreposição e confusão em funções onde hoje reina a estabilidade e a clareza».

«O negócio do século»

A segunda razão avançada pelo deputado do PCP prende-se com a «precipitação e falta de transparência» que em sua opinião são flagrantes no processo. A testemunhá-lo, entre os vários exemplos por si citados, está o facto de o valor patrimonial da ANA nem sequer estar avaliado oficialmente, designadamente quanto aos terrenos afectos à sua exploração no Aeroporto da Portela.
Muito embora não estejam ainda determinados os valores exactos destes terrenos, nem mesmo esclarecida a questão da sua titularidade, o que se sabe com segurança é que estão em causa verbas na ordem das centenas de milhões de contos. «É o negócio do século», como já lhe chamam.
«Como é que se vai transferir um tão valioso património para uma empresa a privatizar com um tão alto grau de indefinição ?», inquiriu, perplexo, Lino de Carvalho, que admitiu não compreeder igualmente «como é que se atribui desde já à empresa a privatizar a concessão do serviço público aeroportuário sem estarem sequer previamente definidas as condições da concessão nem haver, consequentemente, sido celebrado o respectivo contrato».
Críticas neste processo de cisão e privatização da ANA - e este foi o terceiro fundamento aduzido por Lino de Carvalho em apoio da posição assumida pela bancada do PCP - são ainda dirigidas para os aspectos respeitantes à garantia de manutenção dos direitos dos trabalhadores e quanto à distribuição das responsabilidades e encargos no que se refere à cobertura dos Fundos de Pensões.
É no mínimo insólito que o Governo para resolver o enorme «buraco» de 12,566 milhões de contos dos Fundos de Pensões da ANA, observou Lino de Carvalho, tenha decidido imputar à empresa que cria para ser privatizada um encargo de 9,363 milhões de contos que não lhe pertencem e que dizem respeito aos fundos de pensões de trabalhadores (controladores de tráfego aéreo) que ficam na outra empresa.


«Avante!» Nº 1314 - 4.Fevereiro.1999