Criação de polícias municipais
Governo confunde competências


A Assembleia da República deverá aprovar hoje, na generalidade, a proposta de lei do Governo que cria as policias municipais. A viabilidade do diploma está em princípio garantida face à posição revelada pelo PSD no debate realizado faz hoje oito dias, no decorrer do qual Carlos Encarnação, antigo secretário de Estado da Administração Interna, deixou claro que a sua bancada vai «concerteza» votá-lo favoravelmente, não obstante o que considerou serem «alguns disparates» que carecem de ser corrigidos em comissão.
Para o Governo, de acordo com a exposição de motivos da proposta, a actuação das policias municipais deve ser "complementar às forças de segurança", situando-se as suas principais competências nos planos da «regulação e fiscalização no âmbito da circulação rodoviária e pedonal, colaboração com as autoridades judiciárias e de polícia criminal, elaboração de autos de noticia ou de denúncia, instrução de processo de contra-ordenação, de polícia ambiental e mortuária, de fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais".
Sem deixar de reconhecer alguma evolução relativamente aos projectos iniciais subscritos pelo Governo nesta matéria, João Amaral, em nome da bancada do PCP, criticou na proposta o que considerou serem as confusões nela existentes quanto às reais competências das polícias municipais. «É uma proposta que confunde mais segurança com a multiplicação de agentes policiais», do mesmo modo que «confunde polícia de proximidade com proliferação de autoridades policiais», o que, inevitavelmente, na perspectiva do deputado comunista, face à «sobreposição de funções» previstas, se tornará numa fonte de «potenciais conflitos», com reflexos nos cidadãos que assim ficarão «à mercê de choques de competências».
Um exemplo concreto desta confusão deu-o ainda João Amaral ao lembrar o artigo 1º da proposta, no qual se apontam as missões de segurança interna com um dos objectivos das polícias municipais.
Contestando tal atribuição, o parlamentar do PCP lembra que «a primeira função e razão de ser das polícias municipais é serem o serviço de polícia administrativa do município, para fiscalizarem os regulamento de competência municipal». Criadas as polícias municipais, João Amaral ainda admite que seja desejável «potenciar a sua utilização, dando-lhes outras funções como no estacionamento ou na regulação do trânsito». Mas tudo o que exorbite este quadro de partida, adverte, «contraria os poderes próprios das forças de segurança».
Depois de considerar absurdo o número de 20 mil agentes que o Governo admite vir a serem recrutados para as polícias municipais, João Amaral conclui pela necessidade de introduzir uma «reforma radical» no diploma, por forma à sua recondução às regras constitucionais, ao respeito dos direitos dos cidadãos, à exacta delimitação de funções com as forças de segurança».


«Avante!» Nº 1314 - 4.Fevereiro.1999